O Último Beijo : O Quinto Mandamento
“Honra teu pai e tua mãe, para que se
prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá.” (Êxodo
20:12)
por Loron Wade
ELENI
GATZOYIANNIS vivia na Grécia numa época em que a guerra civil ameaçava dividir
o país (1946-1949). Quando os comunistas tomaram sua casa para torná-la seu
quartel-general, ela não ofereceu resistência. Quando a obrigaram a trabalhar
em projetos para a comunidade e recrutaram sua filha mais velha para o
exército, ela não se recusou. Esperava que tudo aquilo fosse temporário e que
um dia a vida voltaria ao normal.
Mas
então eles anunciaram que levariam seus meninos, de 6 e 8 anos de idade, para
outro país, onde seriam treinados dentro dos princípios do Partido Comunista.
No íntimo do seu ser, ela sabia que aquilo não deveria acontecer e começou a
planejar sua fuga. Ela concluiu que, se tentasse levá-los através das linhas
rebeldes, nunca chegariam lá, mas raciocinou corretamente que duas crianças
andando juntas pela estrada não atrairiam muita atenção. Às primeiras luzes do
amanhecer, ela foi com eles tão longe quanto sua ousadia permitiu. Então, com
um último abraço apertado, em meio a lágrimas, deu o último beijo e apressou-os
pelo caminho. A última coisa que os meninos viram ao se virarem para trás foi a
mãe acenando para eles à distância.
Quando
os camaradas chegaram em busca dos meninos, ela tentou despistá-los, mas a
verdade logo apareceu. Os líderes rebeldes a aprisionaram no porão de sua
própria casa e a torturaram. Depois a levaram ao pomar e a colocaram diante de
um pelotão de fuzilamento. Aqueles que testemunharam a cena disseram que,
momentos antes da execução, ela ergueu os braços e clamou: “Meus filhos! Meus
filhos!”
Dá para
entender por que a história dessa corajosa mãe comove o coração de milhões.
Toca uma corda em cada coração, porque o relacionamento entre pais e filhos é
universal. Eleni fez o que toda mãe sente que faria se as circunstâncias o
exigissem. A maioria dos pais morreria por seus filhos, não com dúvida nem
hesitação, mas com alegria.
O
quinto mandamento fala dessa poderosa relação. E, por uma boa razão, dirige-se
aos filhos. Acontece que nem todos se casam, e muitos nunca chegam a ser pais,
mas cada um é filho ou filha. Nossa relação com os pais, ou mesmo a falta dela,
afeta a cada um de nós para o bem ou para o mal até o último dia da nossa vida.
E é disso exatamente que trata o quinto mandamento. Ele focaliza uma atitude e
uma relação.
Não
podemos alterar a realidade em que nascemos. Nenhum de nós recebeu a
oportunidade de escolher os pais. Tampouco podemos mudá-los para que se harmonizem
com nossas idéias. Um escritor bíblico lembrou que nossos pais “nos
corrigiram por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia” (Hebreus
12:10). Eles podem ter realizado seu trabalho com grande habilidade ou com
muitos erros; ou, no caso da maioria, com uma mistura dos dois. O que fizeram
ou deixaram de fazer exerceu inevitavelmente um impacto sobre nós; mas nunca se
pode exagerar ao dizer que somos mais afetados por nossa atitude para
com os esforços deles do que pelo método específico que usaram.
E isso
é precisamente o que o quinto mandamento aborda. Ele coloca no lugar certo o
peso do sucesso no relacionamento entre pais e filhos. O mandamento focaliza um
aspecto da relação que mais nos influencia, e é aquele no qual temos uma
escolha. Embora não possamos escolher nossos pais nem mudá-los, a atitude para
com eles depende definitivamente de nós.
Durante
muitos anos, participei da comissão de disciplina de uma universidade cristã.
Certo dia, um estudante, cuja linguagem corporal falava por si, sentou-se
diante da nossa mesa. A comissão estava menos interessada em descobrir os
pormenores específicos do que ele havia feito do que em sua atitude com relação
a continuar na universidade. Porém, a resposta parecia óbvia. Ele fixou os
olhos cheios de ódio em nós, com os braços cruzados sobre o peito. A entrevista
que ocorreu não foi surpreendente. Tudo o que dizíamos causava uma raivosa
explosão ou uma réplica. Não demorou para que os membros da comissão começassem
a balançar a cabeça e a olhar um para o outro.
Após
alguns minutos, sem chegar obviamente a lugar nenhum, eu disse:
–
Paulo, quero entender o que você está tentando nos dizer. Até a mais simples
pergunta que lhe fazemos recebe uma resposta irada. Qual é o problema? O que
está tentando dizer?
Ele não
respondeu, mas fixou os olhos diretamente em mim. Percebi que ele apertava e
soltava o maxilar. Depois de outra pausa, continuei:
– Eu me
pergunto se você se vê numa relação de inimizade com a comissão, como se
estivéssemos em lados opostos, em guerra. É assim que você se sente?
Com
isso, seu olhar desafiador pareceu abrandar-se um pouco, mas ele continuava
silencioso até que falei:
–
Paulo, como é a situação entre você e seu pai? Você age assim com ele também? É
isso que você está trazendo para cá hoje?
Então,
pela primeira vez, ele olhou para baixo e a expressão no seu rosto ficou quase
suplicante. Por fim, ele disse em voz baixa:
– Sim,
é isso o que acontece.
Estaria
Paulo decidido a magoar e embaraçar seu pai? Acho que devia estar. E certamente
ele tinha o poder de fazê-lo. Nesta vida, somos julgados mais pelos
resultados que alcançamos do que por aquilo que fizemos ou não para
alcançá-los. Em nenhum outro aspecto isso é mais verdadeiro do que na
paternidade. E também é verdade que ninguém pode magoar-nos tanto quanto alguém
que nós amamos.
Mas não
foi necessário muito esforço para concluir que a pessoa mais afetada pela
atitude de Paulo era o próprio jovem. Seu presente e seu futuro estavam em jogo
por causa de sua raiva não resolvida. Nossos esforços naquele dia e o aconselhamento
subsequente foram malsucedidos. Pouco depois da entrevista, ele ultrapassou o
limite do qual estivera tão perto naquela ocasião.
Como o
caso de Paulo ilustra tão claramente, a maneira como nos sentimos acerca de
nossos pais – nossa atitude para com eles e a profunda reação evocada em nós
quando pensamos neles – moldará profundamente a forma de nos relacionarmos com
todas as autoridades e, em menor grau, com todos os outros seres humanos. E
tudo indica que afetará nossa relação com Deus também.
O
princípio exposto no quinto mandamento é um sólido alicerce para o bom êxito na
escola, no trabalho e até no casamento. Com efeito, na primeira vez em que a
Bíblia menciona o casamento, ela o descreve como um homem que deixa seu pai e
sua mãe e se une à sua esposa (Gênesis 2:24). Assim, a Bíblia vê o
casamento como uma transferência e, em certo sentido, a continuidade de uma
relação que começou com nossos pais. Pessoas com problemas não resolvidos com
seus pais entram para o casamento em grande desvantagem e correm elevado risco
de ter dificuldades em outras áreas da vida também. Por isso, o mandamento diz
que, se honrarmos nossos pais, nossa vida será prolongada na terra que o Senhor
nosso Deus nos dá (ver êxodo 20:12). Isso quer dizer que uma relação saudável
com nossos pais é a base de bons relacionamentos, paz mental e sucesso ao longo
da trajetória da vida.
A honra
é uma atitude do coração
Os Dez
Mandamentos parecem dividir-se em dois grupos. Os quatro primeiros focalizam
nossa relação com Deus, e os seis restantes nos ensinam a interagir com outros
seres humanos. O primeiro mandamento diz que devemos adorar nosso Pai
celestial. O que estamos analisando agora, o primeiro no grupo das relações
humanas, requer que honremos nossos pais.
A
honra, assim como a adoração, é uma atitude do coração. Não se refere a um ato
ou comportamento específico para com nossos pais, mas à maneira como escolhemos
relacionar-nos com eles.
O
apóstolo Paulo diz que o quinto mandamento requer dos filhos a obediência a seus
pais (Efésios 6:1). Quando algumas pessoas, incluindo pais, ouvem a palavra
“obediência”, imediatamente pensam em controle. Eles a interpretam como age uma
máquina quando se abre uma válvula ou gira uma chave. Mas a obediência que
brota de uma atitude de “honra” é uma resposta inteligente, uma expressão ativa
de amor e respeito, não uma aquiescência automatizada para com a autoridade.
Note
como o sábio enfatiza essa idéia: “filho meu, guarda o mandamento de
teu pai e não deixes a instrução de tua mãe; ata-os perpetuamente ao teu
coração, pendura-os ao teu pescoço. Quando caminhares, isso te guiará; quando
te deitares, te guardará; quando acordares, falará contigo” (Provérbios
6:20-22). Note que ele está descrevendo uma atitude. A obediência sem a
atitude de honra é uma labuta enfadonha e pesada.
Honrar
nossos pais significa que desejaremos que eles se sintam bem porque nós mesmos
somos bons. Significa também fazer com que sejam bem-sucedidos em seus esforços
para que tenhamos sucesso. O quinto mandamento nos manda tirar as luvas de boxe
e sair do ringue, ouvir o conselho deles, falar bem deles e procurar meios de
mostrar-lhes nosso apreço e respeito. Novamente ouvimos o homem sábio: “Alegrem-se
teu pai e tua mãe, e regozije-se a que teu deu à luz” (Provérbios
23:25).
O
princípio da honra não varia, mas a forma como se aplica muda ao longo da vida.
Altera-se de acordo com o tempo e as circunstâncias. Pouco depois de concluir o
curso universitário, tive o privilégio de desfrutar a amizade de Henry Baasch.
Nascido em 1885 em Hamburgo, Alemanha, era um homem rico em experiência, bom
humor e sabedoria.
Um dia
ele me perguntou:
– você
é filho de seu pai?
– Ah,
bem, sim, acho que sim – respondi, sem saber direito o que ele queria dizer.
– Acho
que é – disse ele. – você tem só 21 anos, não é mesmo? Não se preocupe; isso
vai mudar. Primeiro, seu pai é seu pai; depois se torna seu filho. Já aconteceu
comigo, sabe. Agora meu filho é meu pai. Ele me diz o que fazer, e tenho de
ouvi-lo.
O princípio
da honra se expressará de modo diferente para um menino de cinco anos e outro
de catorze. E aos 14 não é a mesma coisa que aos 25. A fraqueza e a debilidade
de nossos pais ao envelhecerem causam outras mudanças. A honra para com eles
assume nova dimensão. Deixar de reconhecer e adaptar-se a essas novas
circunstâncias é a fórmula para o surgimento de problemas. No entanto, quando o
relacionamento vai bem, é no ocaso da vida que podemos mais plenamente apreciar
o significado das palavras de Davi: “herança do Senhor são os
filhos; o fruto do ventre, seu galardão. Como flechas na mão do guerreiro,
assim os filhos da mocidade. feliz o homem que enche deles a sua aljava” (Salmo
127:3-5).
Naturalmente,
nem mesmo a morte de nossos pais anula nossa obrigação de honrá-los. Nosso
estilo de vida pode ainda representá-los bem e honrar sua memória. Podemos
viver de um modo que expresse gratidão para com aquilo que eles defenderam e
que recebemos deles.
De quem
é a responsabilidade
Ao
dirigir-se à descendência, e não aos pais, o quinto mandamento coloca a
responsabilidade onde em última análise ela deve estar. Para a maioria das
pessoas, é verdade que os pais fazem uma diferença maior na sua vida do que
qualquer outro ser humano. Quem se torna pai assume uma grande
responsabilidade. Mas o mandamento concentra nossa atenção no ponto crítico da
atitude dos filhos para com a relação, porque ela é, basicamente, o que fará a
maior diferença.
Nossos
pais podem disciplinar-nos, aconselhar-nos, dar bom exemplo, chorar por nossa
causa e orar por nós. Mas nunca farão especificamente aquilo que faz toda a
diferença. Eles não podem tirar de nós o poder de decisão. A maior honra que
lhes podemos conceder não será por palavras nem por amontoar flores sobre suas
tumbas, mas por ser o tipo de pessoa que devemos ser. E a escolha de fazê-lo
repousa inteiramente em nossas mãos.
Um dos
felizes resultados de ter passado uma vida inteira na sala de aula é que tenho
muitos amigos jovens que nunca deixam de responder com entusiasmo e boa vontade
quando vêem uma necessidade real. Suponha que eu tivesse de empurrar meu carro
da garagem para a rua numa manhã e esperasse até que alguns dos meus jovens
amigos passassem pela frente de casa. Chamando-os, eu diria:
– Será
que vocês poderiam dar um empurrãozinho?
Você
acha que eles me deixariam na mão? De jeito nenhum!
Assim,
depois de me empurrarem por um quarteirão e eu perceber que estavam ficando
cansados, eu anunciaria:
– OK.
Aprecio muito o que fizeram. Já é suficiente.
Depois,
ao saírem, eu veria se mais alguém poderia fazer a mesma coisa. Seria possível
repetir essa estratégia umas três ou quatro vezes, mas não demoraria para que
alguém perguntasse:
– Mas
aonde é que o senhor quer chegar? Quer que empurremos o carro até o posto de
gasolina ou a oficina mecânica?
A essa
altura, eu teria de contar-lhes a verdade.
–
Bem... não exatamente. Acontece que, bem... preciso chegar a Monterey, e vocês
sabem que o preço da gasolina tem aumentado ultimamente.
Acham
que meu plano daria certo?
Como eu
disse, conheço bom número de jovens extraordinários. Eles têm bom coração e
estão sempre prontos para uma piada e um divertimento. Quando alguém lhes dá
uma cutucada na direção certa da vida, não se rebelam nem resistem. Tomam a
direção certa por algum tempo, mas logo começam a brincar de novo,
desperdiçando tempo, à espera de alguém que lhes dê outro empurrão.
Agora,
não me entendam mal – todos nós precisamos de um bom conselho e uma palavra de
ânimo. Um bom empurrãozinho espiritual no momento certo pode ser exatamente
aquilo de que precisamos para começar.
Por
vezes, quem sabe, isso inclui até alguma correção séria ou repreensão. Porém,
cedo ou tarde (e melhor se for mais cedo do que mais tarde), teremos de ligar
nossos motores. Ninguém vai me empurrar o caminho todo até Monterey. Ninguém
tampouco vai empurrar você até o Céu.
Veja se
pode imaginar a seguinte cena. Uma mulher chega aos portões do Céu e tenta
esgueirar-se lá para dentro sem ser notada.
– Espere
aí! – diz o porteiro. – Onde está indo?
– Quem,
eu?
– Ela
parece estar realmente nervosa por algum motivo. – Ah, bem, é que eu li o verso
onde está escrito que, se eu lavar minhas vestes e torná-las brancas no sangue
de Jesus, posso entrar na cidade pelas portas [Apocalipse 22:14]. Foi isso que
eu fiz: eu as lavei e aqui estou.
– Mas
noto que a senhora está carregando algo sob suas vestes. O que é?
Diante
disso, a pobre mulher fica ainda mais nervosa. Parece que está a ponto de
chorar.
– Ah,
isto aqui. É só uma coisa... hã... algo que eu queria trazer comigo.
– O que
é?
Agora
suas lágrimas começam a cair. – Senhor, é um dos meus filhos. Quero muito que
ele esteja aqui comigo. Por favor, não posso entrar com ele também?
Se você
acha que essa cena é apenas humorística, talvez ainda não tenha percebido o
quanto os pais anseiam dar aos seus filhos a coisa mais preciosa que poderiam
desejar para si mesmos, e o quanto sua alegria e paz mental estão ligadas a
essa questão.
Mas
isso nunca poderá acontecer. O profeta Ezequiel faz uma vívida comparação. Diz
que, mesmo que Noé, Daniel e Jó vivessem hoje, por sua fidelidade não poderiam
salvar a ninguém além de si mesmos (Ezequiel 14:20). É assim que acontece,
porque a fé não é transferível.
Às
vezes dizemos que Deus não tem netos. Também é verdade que Ele não tem
sobrinhas nem sobrinhos, parentes por afinidade ou qualquer outra coisa. Ele
tem apenas filhos. Isso significa que não podemos estabelecer uma relação com
Deus por meio da fé manifestada por alguém e entrar no Céu agarrados às abas do
seu casaco. Nossos pais podem ter sido boas pessoas. Nesse caso, devemos ser
agradecidos; afinal, nem todos têm esse privilégio. Mas precisamos fazer algo
mais do que apenas admirá-los. Precisamos tomar nossa própria decisão e aceitar
o sacrifício de Jesus em nosso favor. Estabelecendo nosso próprio
relacionamento pessoal com Deus, devemos adotar a disciplina espiritual da
oração e da fé, e experimentar por nós mesmos “o lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo” (Tito 3:5).
É por
isso que o quinto mandamento se dirige aos filhos e não aos pais, porque é com
eles que fica realmente a responsabilidade.
O Outro lado da Honra
É claro
que nada do que eu disse antes diminui ou minimiza a responsabilidade dos pais
nem lhes dá motivo para achar que têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelo
seu modo de lidar com os filhos. É impossível considerar a atitude dos filhos
para com seus pais sem também vê-la como uma moeda de dois lados, porque a
interação entre pais e filhos é recíproca. Quando o apóstolo Paulo fala sobre o
quinto mandamento, deixa claro que o dever dos filhos de honrar os pais é
contrabalançado pelo dever dos pais para com os filhos (Efésios 6:1-4;
Colossenses 3:20 e 21).
Notamos
que a honra que os filhos devem dar a seus pais é uma atitude de amor e
respeito, em vez de uma aquiescência automatizada para com a autoridade. A
questão vital para os pais é: Que tipo de ensino e exemplo posso dar, que tipo
de interação posso promover para facilitar esse tipo de reação? Como posso
encorajar nos meus filhos essa resposta inteligente?
Um
sistema de disciplina baseado na coerção e no castigo claramente não é a
resposta. A obediência que não envolva a razão e a participação de uma vontade
autônoma não é “honrosa”.
Se
queremos ver em nossos filhos uma resposta que brote de seu próprio raciocínio,
inteligência e boa vontade, então, o mais cedo possível e com a maior
frequência possível (em alguns casos, mais cedo e com maior frequência do que
seria confortável), devemos começar a apelar para essas faculdades superiores,
lembrando que nosso objetivo não é controlar, mas estimular uma atitude de
honra.
Valorizar
a vontade dos filhos não envolve uma renúncia irresponsável da autoridade paterna.
Mas significa que, desde cedo, deixaremos que façam o maior número de escolhas.
Precisamos procurar oportunidades para que possam exercer sua vontade e
decidir. Naturalmente, não iríamos perguntar a uma criança de dois anos: “você
prefere tomar suco de laranja ou uma latinha de cerveja?” Mas, se procurarmos
as oportunidades e até as criarmos, haverá muitos momentos em que poderão
começar a exercer o poder de escolha. “você quer o suco de laranja no copinho
azul ou naquele com desenho de flores?” E, antes de lhes dizer “não” ou “você
tem que fazer como eu mandei”, perguntaremos a nós mesmos: “isso realmente
importa? Que dano vai causar?”
Alguns
anos atrás, a psicologia popular tinha uma corrente conhecida como “análise
transacional”. As letras P-A-C, que representam pai-adulto-criança, resumiam um
aspecto fundamental da teoria. A idéia era que todo intercâmbio (ou transação)
entre duas pessoas ocorresse num desses três níveis. Um “pai” corrige, instrui,
ordena e repreende. “Pegue aquela camisa e coloque-a no guarda-roupa.” Essa é,
naturalmente, uma intervenção “P” (de “pai”). A resposta lógica e apropriada a
essas palavras será uma reação “C” (de “criança”): “Ah, mamãe, tenho que fazer
isso mesmo?” Ou talvez até: “OK, mamãe, já vou.”
Uma
intervenção “A” ou de “adulto” é aquela que considera a outra pessoa como sendo
inteligente, disposta a fazer a coisa certa e capaz de tomar uma boa decisão. A
resposta natural para uma intervenção de adulto é uma reação de adulto. O
princípio do qual falamos aqui significa que, tão logo quanto possível e com a
maior frequência possível, devíamos envolver nossos filhos em transações de
adulto-para-adulto.
Quando
nosso filho David tinha oito anos de idade, precisava tomar o ônibus escolar
todas as manhãs às 8h30. Descobri que acordá-lo em tempo era uma tarefa
monumental que parecia ficar pior com o passar dos dias. Todas as manhãs, eu
entrava e anunciava: – David, está na hora de levantar!
E a
resposta dele era algo que você teria de pronunciar mais ou menos assim:
–
Mmmmmmmmm. Hmmmmmmmm.
Alguns
minutos mais tarde: – David! Eu disse que é hora de levantar. você me ouviu?
–
Mmmmmmmmm. Hmmmmmmmmm.
Mais
tarde, totalmente exasperado, eu gritava: – você saia dessa cama neste minuto!
Se não se levantar agora, você vai ver!
A essa
altura, com os olhos abertos uns 20%, David começava a se mexer, enquanto eu
tentava apressá-lo a tirar o pijama e vestir o uniforme da escola.
Eu
havia lido acerca do “P-A-C”, mas obviamente a leitura não dera bom resultado
no fim das contas. Finalmente, certa manhã, entrei e disse: – Oi, David!
– Que
foi?
– A que
horas você vai levantar?
Diante
disso, os olhos azuis se abriram e ele me olhou sério. – Não sei. Que horas são?
–
Faltam quinze para as sete.
– Ah,
OK – disse ele, e imediatamente se sentou e começou a tirar o pijama.
Quem
dera pudesse eu dizer que nunca mais cometi o mesmo erro, mas a experiência
serviu para reforçar o princípio: o melhor plano para ajudar nossos filhos a se
tornarem adultos responsáveis é dar-lhes responsabilidade, deixá-los
encarregados de suas próprias decisões tão cedo quanto possível e com a maior
frequência possível.
Eu
havia assumido a tarefa de fazer com que David saísse para a escola em tempo e,
ao fazê-lo, tirei a responsabilidade das mãos dele. Ao colocá-la de volta em
seu devido lugar, ajudei-o a se preparar para a vida no mundo real. E o
auxiliei a guardar o quinto mandamento, porque a honra é, acima de tudo, um
exercício da vontade livre, uma decisão racional de adotar uma atitude que
resulte em bons e agradáveis relacionamentos com nossos pais em primeiro lugar,
e depois com todos os outros com quem tratamos na vida.
Isso
significa, na prática, que às vezes deixaremos que façam escolhas erradas? Em
alguns casos, não há maneira melhor de aprenderem do que sofrer as
consequências de uma decisão errada. E, à medida que a capacidade de julgamento
e a maturidade de uma criança crescerem, haverá um aumento gradual na sua
autonomia e na responsabilidade.1
O
Último Beijo
Não me
lembro da primeira vez em que minha mãe me beijou. Deve ter sido quando eu era
bebezinho, porque ela certamente me beijou muitas vezes enquanto eu crescia.
Embora não me lembre do primeiro beijo, recordo-me do último.
Os anos
passam voando, e todo relacionamento humano traz consigo algumas tensões e
atritos. Isso não é horrível nem desonroso, mas normal. Se, porém, tivermos no
coração o abrangente princípio da honra, o amor prevalecerá. Então, quando as
tensões nos ameaçarem, talvez trazendo dor e até amargura, deveríamos pensar
naquele último beijo, porque ele certamente virá. O que você desejará recordar
quando se despedir dos seus pais pela última vez?
Um
amigo me contou que, quando seu pai envelheceu, a mente daquele idoso homem nem
sempre era clara. Mesmo assim, quando se aproximou o aniversário do seu pai,
meu amigo lhe telefonou.
– Feliz
aniversário, papai! – disse ele. – E que Deus o abençoe!
Naquele
dia os pensamentos do seu pai estavam bem coordenados, porque ele respondeu
imediatamente:
– Não,
filho. A bênção é para você. Deus o abençoe, porque você sempre me honrou.
Dois
meses mais tarde, meu amigo sepultava seu pai. Que conforto foi para ele,
então, lembrar-se das palavras do pai!
Os
funerais são sempre tristes, mas nunca presenciei mais angústia e pranto do que
nas ocasiões em que o remorso deixa ainda mais amarga a tristeza da despedida.
Assim,
pense nisso enquanto você ainda tem a oportunidade, enquanto você ainda pode
fazer algo ou dizer alguma coisa que faça a diferença. Pense no último beijo,
porque ele virá. Honre seu pai e sua mãe, e seus dias na Terra serão não apenas
prolongados, mas muito mais satisfatórios e cheios de paz, alegria e sucesso.
______
1 - “Com frequência, é
pessoalmente inconveniente permitir às crianças tempo para debater
alternativas, e pode ser pessoalmente frustrante quando as escolhas delas
contradizem nossas preferências. Se houver algum ‘orgulho’ egoísta e sensível
em jogo, é muito difícil para a maioria dos adultos não controlar as crianças
de maneira autocrática. Então, à semelhança de qualquer ditadura, isso parecerá
‘mais eficiente’ – para o ditador, pelo menos. O efeito sobre o caráter,
contudo, é reprimir o desenvolvimento do julgamento racional e criar
ressentimentos que vão impedir o desenvolvimento de impulsos genuinamente
altruístas” (Robert Peck, Robert Havighurst e outros, The Psychology of
Character Development [Nova York: Wiley, 1960], p. 191).
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