O sábado no Apocalipse
por Jon
Paulien1
Um dos
ensinos mais conhecidos dos adventistas do sétimo dia é que a questão central
no conflito final da história do mundo diz respeito ao mandamento do sábado. Os
adventistas acreditam que os habitantes da Terra terão que escolher um dia
entre o culto ao Deus verdadeiro, no dia de sábado, e o culto a um deus falso
em outro dia.
Contudo,
tal ensinamento tem sofrido crescentes ataques, tanto de dentro da igreja como
de fora dela. Muitos adventistas têm percebido que o termo sábado não ocorre em
parte alguma do Apocalipse. Assim, muitos deles questionam se esse ensino tem
base bíblica ou se é fundamentado unicamente nos escritos de ElIen White. Além
disso, a questão em si quanto à oposição entre sábado e domingo parece ter
perdido a relevância para as pessoas do mundo de hoje. Se perguntarmos a uma
pessoa comum, nas ruas, se o sábado ou o domingo seria o dia correto de
adoração, essa pessoa provavelmente responderá: “Se vocês cristãos brigam por
coisas tão irrelevantes, então para que serve ir à igreja?”.

A linguagem
da alusão
Para
compreendermos essa questão, é necessário entender uma característica básica do
livro do Apocalipse. O Apocalipse está cheio da linguagem, ideias, lugares e
pessoas do Antigo Testamento. Embora se trate de um livro do Novo Testamento, a
estrutura linguística básica do Apocalipse se fundamenta nas experiências do
povo de Deus como estas se encontram registradas no Antigo Testamento. Sendo
assim, muitas pessoas deixam de perceber, em plenitude, a mensagem do
Apocalipse porque elas não levam em consideração a natureza veterotestamentária
(isto é, do Antigo Testamento) de sua linguagem.
Mas
aqueles que buscam compreender as raízes veterotestamentárias do Apocalipse
logo encontram um problema considerável. O livro nunca cita o Antigo Testamento,
mas somente alude a ele com uma palavra aqui, uma frase ali e um nome acolá.
Embora seja essencial identificar as referências veterotestamentárias no
Apocalipse, pode ser bastante difícil reconhecer exatamente quando seu autor
pretende aludir ao Antigo Testamento. Estratégias rigorosas precisam ser
empregadas para garantir que o intérprete do Apocalipse compreenda o
significado real do texto sem lhe impor qualquer significado externo.
Escrevi
minha tese de doutorado (Ph.D.) sobre as alusões ao Antigo Testamento nas sete
trombetas do Apocalipse. Ela foi
publicada como Decoding Revelation’s Trumpets: Literary Allusions and
Interpretations of Revelation 8:7-12, Andrews University Seminary Doctoral
Dissertation Series, v. 11 (Berrien Springs, MI: Andrews University Press,
1988). Poucos
assuntos poderão ser mais desafiadores. Logo descobri que faria pouco progresso
com respeito às trombetas sem uma estratégia consistentemente bíblica para
determinar as raízes veterotestamentárias das passagens. Primeiro, vou
apresentas essa estratégia brevemente e, depois, vou ilustrá-la mais
detalhadamente.
Estratégia
para avaliar alusões
Primeiro,
utilize os rodapés da Bíblia, os comentários, as concordâncias e as listas de
alusões (como as listas que aparecem no texto grego padrão de Nestlé-Aland).
Com essas informações, crie uma lista de alusões em potencial (que essas várias
fontes admitem ocorrer em determinada passagem do Apocalipse em referência ao
Antigo Testamento). Essa lista não deve ser aceita sem análise crítica, mas
deve ser criteriosamente avaliada da forma como sugiro a seguir.
Em
segundo lugar, coloque a passagem selecionada do Apocalipse lado a lado com as
várias passagens do Antigo Testamento em sua lista. Tente identificar paralelos
verbais, temáticos e estruturais entre o Apocalipse e cada uma das passagens
veterotestamentárias que estão sendo avaliadas.
Em
terceiro lugar, pese essa evidência verbal, temática e estrutural para
determinar se há uma alusão (uma referência intencional do autor a um contexto
específico na literatura anterior) ao Antigo Testamento ou meramente um eco
(uma referência não intencional baseada no conhecimento geral do autor acerca
da literatura anterior e/ou sua influência no ambiente do autor).
Em
quarto lugar, aplique os insights apropriados ao texto do Apocalipse. Se o
autor estiver conscientemente aludindo ao Antigo Testamento, ele deve presumir
que o leitor está familiarizado com o texto específico do Antigo Testamento e
seu contexto mais amplo. Seria essencial para o intérprete, em tal caso, que
ele estivesse atento à alusão e ao impacto de seu contexto na passagem do
Apocalipse. Se o autor estiver meramente fazendo eco ao texto do Antigo
Testamento sem pretender, conscientemente, fazê-lo, o intérprete deve se
acautelar para não importar o contexto veterotestamentário que o autor do
Apocalipse não tinha em mente. Em outras palavras, pode-se falhar na
interpretação do Apocalipse de duas formas: ignorando o papel do Antigo
Testamento na linguagem do autor ou excessivamente valorizando tal papel.
Permita-me
exemplificar como o Antigo Testamento tem impacto na interpretação de um texto
do Apocalipse. Apocalipse 13:1-2 contém uma alusão fascinante ao Antigo
Testamento: “Vi emergir do mar uma besta, que tinha dez chifres e sete cabeças
e. sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia. A
besta que vi era semelhante a leopardo, com pés como de urso, e boca como boca
de leão. E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade”. A
maioria dos eruditos bíblicos presume que Apocalipse 13 se baseia em Daniel 7,
em que quatro bestas saem do mar. Vamos avaliar esse ponto de vista.
Daniel
7 descreve quatro animais que saem do mar: um leão, um urso, um leopardo e um
monstro bizarro e indescritível com dentes de ferro e dez chifres na cabeça. Já
que o leopardo é caracterizado com quatro cabeças, essa quadrilha tem um total
de sete cabeças. Esses animais também têm um total de dez chifres. Lembra-se da
besta de Apocalipse 13? Assim como as bestas de Daniel 7, ela sai do mar. Além
disso, ela tem características de leão, urso e leopardo. Ela tem sete cabeças e
dez chifres, um nítido paralelo com o total de cabeças e chifres das quatro
bestas de Daniel 7. Parece claro, portanto, que Apocalipse 13:1-2 tem por base
a visão de Daniel 7.
Paralelos
verbais, temáticos e estruturais
As
coisas, no entanto, dificilmente se apresentam de maneira tão clara no
Apocalipse. Como, então, avaliar o pano de fundo veterotestamentário do
Apocalipse quando a evidência é menos clara do que no caso de Apocalipse 13?
Para tal, é necessário que se coloque o texto de Apocalipse lado a lado com a
possível fonte do Antigo Testamento. É preciso compará-los cuidadosamente,
buscando três tipos de evidência: paralelos verbais, paralelos temáticos e
paralelos estruturais entre os textos.
Os
paralelos verbais ocorrem quando há palavras de destaque em comum entre a
passagem do Apocalipse e a possível fonte do Antigo Testamento. Palavras menos
importantes como preposições, conjunções e artigos definidos geralmente não
contam. Quanto mais palavras em destaque as duas passagens tiverem em comum,
mais provavelmente o autor tenha tido a intenção de chamar a atenção do leitor
para o Antigo Testamento a fim de que ele aplique o significado
veterotestamentário à sua compreensão do Apocalipse. No exemplo de Apocalipse
13 e Daniel 7, os paralelos verbais são “mar,”“leão,”“urso”, “leopardo”,
“cabeças” e “chifres.” Esse é um dos paralelos mais fortes com o Antigo
Testamento em todo o livro do Apocalipse.
Os
paralelos temáticos podem ocorrer entre passagens mesmo quando há somente uma
palavra (e, às vezes, nenhuma palavra) em comum entre elas. Paralelos temáticos
envolvem um paralelo de tema ou idéia, não necessariamente assinalado por
palavras paralelas. Isoladamente, paralelos temáticos são o mais fraco dos três
tipos de evidência em favor de uma alusão direta. Em Apocalipse 13, há um
paralelo temático com Daniel 7 em termos de animais que saem do mar e
representam poderes mundiais.
Os
paralelos estruturais ocorrem quando várias palavras e temas de uma seção do
Apocalipse aparecem em paralelo com um contexto específico do Antigo
Testamento. Esses paralelos estruturais com o Antigo Testamento fornecem, de
modo geral, forte evidência em favor das alusões intencionais nos detalhes mais
específicos do texto apocalíptico. Exemplos de paralelos estruturais bem
organizados em Apocalipse incluem o uso do texto de Ezequiel (em Ap capítulos
4, 7 e 17-22); o uso de Daniel em Apocalipse 5, 13 e 17; o uso de Gênesis 3 em
Apocalipse 12; as pragas de Êxodo nas trombetas e nas pragas apocalípticas, e a
queda da antiga Babilônia em Apocalipse 16-19. Em Apocalipse 13, há numerosos e
marcantes paralelos com Daniel 7, embora eles não ocorram exatamente na mesma
ordem. Nas duas passagens bestas emergem do mar, sete cabeças e dez chifres
estão envolvidos e referências são feitas a um leão, um urso e um leopardo.
Em
conclusão, embora o uso que o autor faz do Antigo Testamento no livro de
Apocalipse seja mais ambíguo do que gostaríamos, uma atenção cuidadosa às
palavras, temas e estruturas dentro daquele livro pode nos aproximar muito das
intenções originais do autor quanto a seu uso do Antigo Testamento e, portanto,
oferecer-nos uma visão mais clara de como o autor gostaria que suas palavras
fossem interpretadas.
O
contexto de Apocalipse 12 e 14
Voltemos
ao tema central deste artigo: Qual o papel do sábado na crise final da história
deste planeta? O texto básico acerca da crise final, no livro de Apocalipse, é
o capítulo 12 verso 17: “Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar com os
restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o
testemunho de Jesus”. Aqui encontramos uma descrição da guerra entre o dragão e
o remanescente, uma guerra que é pormenorizada em Apocalipse 13 e 14. Em certo
sentido, Apocalipse 12:17 é um resumo antecipado da crise final como um todo.
Assim, os capítulos 13 e 14 servem como uma exegese e um desenvolvimento da
declaração básica feita em 12:17, ou seja, Apocalipse 13 pormenoriza a guerra
do dragão e Apocalipse 14 elabora acerca do caráter e da mensagem do
remanescente.
O
dragão faz guerra contra o remanescente no capítulo 13. Ele busca o auxílio de
dois aliados no conflito: um emerge do mar e o outro emerge da terra. Os três
protagonistas (o dragão, a besta do mar e a besta da terra) formam uma tríade
iníqua que busca contrafazer a obra da verdadeira Trindade. O dragão contrafaz
a obra de Deus, o Pai; a besta do mar, a obra de Deus, o Filho; e a besta da
terra, a obra do Espírito Santo. Essa tríplice e iníqua aliança ataca o
remanescente na batalha final. Qual é a questão básica em tal ataque? Os
capítulos 13 e 14 não nos deixam qualquer dúvida. Em sete ocasiões diferentes
(Ap 13:4, 8, 12, 15; 14:9, 11), o texto desses capítulos fala sobre a adoração
ao dragão, sobre a adoração da besta do mar e sobre a adoração da imagem da
besta. A questão na crise final da história deste planeta é claramente uma
questão relativa à adoração.
Em
contraste com esse apelo que é proferido sete vezes para que adoremos a iníqua
tríade ou a imagem da besta, há um único apelo, nesses capítulos, para que
adoremos a Deus (Ap 14:7). O chamado para adorar “Aquele que fez o céu, e a
terra, e o mar, e as fontes das águas” torna-se, portanto, a afirmação central
de toda essa seção do Apocalipse e, talvez, o apelo central de todo o livro.
Tudo o que está escrito nos capítulos 12-14 focaliza esse chamado para a
adoração. A adoração é, de forma patente, a questão central envolvida na
derradeira crise da história deste planeta.
Um aspecto
interessante é que a linguagem dessa afirmação central se baseia nas expressões
encontradas no quarto mandamento, em Êxodo 20:11. Ali é declarado que “em seis
dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há.” Esses
dizeres se encontram refletidos em Apocalipse 14:7 – “Adorai Aquele que fez o
céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas.” O ponto central e nevrálgico
da descrição apocalíptica da crise final é uma alusão direta a Êxodo 20. A
atenção ao mandamento do sábado é, portanto, a resposta ideal ao chamado final
de Deus para a adoração e, da mesma forma, a resposta ideal aos sete apelos que
a besta faz para a adoração da trindade iníqua.
Paralelos
de Apocalipse 14:7 com o Antigo Testamento
Paralelos
verbais – Neste ponto, leitores atentos podem suscitar uma objeção: Como
podemos saber que o autor do Apocalipse conscientemente pretendia que o leitor
compreendesse uma alusão ao quarto mandamento exatamente aqui (Ap 14:7) em sua
narrativa? O Salmo 146:6 não contém exatamente a mesma linguagem de Êxodo 20?
Como podemos saber que João estava citando Êxodo 20 e não o Salmo 146? Ele não
poderia estar aludindo ao referido salmo, em cujo caso não haveria referência
alguma ao quarto mandamento?
Essa é
uma argumentação válida. O Salmo 146:5-6 afirma: “Bem-aventurado aquele que tem
o Deus de Jacó por seu auxílio, e cuja esperança está no Senhor, seu Deus, que
fez os céus e a terra, o mar e tudo quanto neles há, e que guarda a verdade
para sempre”. Isso se aproxima muito de “adorai Aquele que fez o céu, e a
terra, e o mar, e as fontes das águas” (Ap 14:7). Com efeito, na Septuaginta
(uma tradução grega do Antigo Testamento disponível no período
neotestamentário), as palavras do Salmo 146:6 (Sl 145:6, na Septuaginta) são
praticamente as mesmas encontradas em Apocalipse 14:7. Portanto, há fortes
paralelos verbais em Apocalipse 14 tanto em relação a Êxodo 20 quanto ao Salmo
146, com uma pequena vantagem talvez para o Salmo 146.
Paralelos
temáticos – Contudo, os paralelos
verbais são apenas um tipo de evidência em favor de uma alusão consciente ao
Antigo Testamento em Apocalipse. Os paralelos temáticos e estruturais são
também importantes. Há paralelos temáticos entre Apocalipse 14:7 e Êxodo 20?
Sim. Os primeiros quatro dos dez mandamentos (Êx 20:3-11) contêm três
motivações para a obediência. Primeiramente, há a motivação da salvação. O
preâmbulo do decálogo (Êx 20:2-3) diz: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei
da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de Mim”.
Nossa obediência deve ser uma resposta ao que Deus já fez por nós. Em segundo
lugar, há a motivação do juízo. O segundo mandamento fala acerca de visitar “a
iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração” (Êxodo 20:5).
Isto é, há consequências para a desobediência. Finalmente, em terceiro lugar,
há a motivação da criação. “Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o
mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou” (Êx 20:11). Deus criou o
homem e sabe o que é melhor para ele. Portanto, há três motivações para a
obediência na primeira parte da lei: salvação, juízo e criação.
As
mesmas três motivações ocorrem no contexto de Apocalipse 14:7. Apocalipse 14:6
fala de um anjo que proclama “o evangelho eterno”. Aqui vemos o tema da
salvação. Em Apocalipse 14:7 encontramos também o tema do juízo: “Temei a Deus,
e dai-Lhe glória; porque é chegada a hora do Seu juízo.” E, anteriormente, já
havíamos visto o tema da criação em Apocalipse 14:7: “adorai aquele que fez o
céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas.” Sendo assim, Apocalipse 14:6-7
tem as mesmas três motivações que induzem a uma mesma reação as quais
encontramos na primeira tábua da lei (isto é, nos quatro mandamentos que
normatizam a relação entre a criatura e o Criador): salvação, juízo e criação.
E, além disso, esses ocorrem na mesma ordem em que aparecem em Êxodo 20!
Algum
desses temas ocorre no Salmo 146? Sim. Ali aparece o tema da salvação: “Não
confieis em príncipes, nem em filho de homem, em quem não há auxílio. [...]
Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, e cuja esperança
está no Senhor, seu Deus” (v. 3, 5). Há também ali o tema da criação: “que fez
os céus e a terra, o mar e tudo quanto neles há” (v. )6. Há ainda o tema do
juízo: “que faz justiça aos oprimidos” (v. 7). Os paralelos temáticos com o
Salmo 146 são, portanto, tão fortes quanto aqueles com Êxodo 20, mas não na
mesma ordem. Sendo assim, pode-se afirmar que há forte evidência em favor de
ambos contextos no Antigo Testamento, mas há uma ligeira vantagem para Êxodo
20, sob a perspectiva de que os temas ocorrem na mesma ordem em Apocalipse 14 e
Êxodo 20.
Paralelos
estruturais – Isso nos conduz à busca de
paralelos estruturais. Examinemos, agora, a evidência estrutural de Apocalipse
12-14. Os dez mandamentos, dos quais Êxodo 20:11 é uma parte, parecem ser uma
estrutura principal subjacente a toda essa seção do Apocalipse. O remanescente
é caracterizado, entre outras coisas, como sendo aqueles que “guardam os
mandamentos de Deus” (Ap 12:17; 14:12). Entretanto, a questão, aqui, não
envolve os mandamentos de forma indiscriminada. O ponto nevrálgico se
centraliza no aspecto da adoração. E, especificamente, esse aspecto é enfocado
na primeira tábua do decálogo (isto é, nos quatro primeiros preceitos): os
mandamentos que dizem respeito a nosso relacionamento com Deus. Quando se
compreende essa realidade, não é surpreendente que, em Apocalipse 13, as bestas
contrafaçam não apenas a Trindade, mas também cada um dos quatro primeiros
mandamentos do decálogo. O primeiro mandamento declara: “Não terás outros
deuses diante de Mim” (Êx 20:3), mas a besta que emerge do mar pretende tomar o
lugar de Deus ao receber adoração (Ap 13:4, 8). O segundo mandamento
adverte-nos com respeito à adoração de imagens, no entanto, a besta que emerge
da terra erige uma imagem a fim de ser adorada (Ap 13:14-15). O terceiro
mandamento diz: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão”, mas a besta
do mar “abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do seu nome” (Ap
13:6). O quarto mandamento diz: “Lembra-te do dia de sábado”.
Na
antiguidade, os tabletes que continham pactos eram lacrados com selos
estampados sobre eles. Tais selos eram um sinal de propriedade e autoridade.
Uma vez que o decálogo segue a forma desses antigos tabletes de concerto, ele
também tem um selo de propriedade e autoridade estampado sobre ele – o
mandamento do sábado: “Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar
e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o
dia do sábado, e o santificou” (Êx 20:11). A declaração acima é a única contida
nos Dez Mandamentos em que é declarado o fundamento da autoridade de Deus sobre
toda a criação: Ele é o Criador. De igual forma, o conceito do selo é
importante também em Apocalipse: os 144 mil são selados em suas frontes (Ap
14:1; cf. 7:3-4; Êx 31:13 e 17). A tríade iníqua oferece também uma contrafação
do selo, a marca da besta (Ap 13:16-17). Destarte, todos os quatro mandamentos da
primeira tábua do decálogo sofrem ataque por parte da tríade iníqua de
Apocalipse 13. A primeira tábua da lei está no centro do conflito entre o
dragão e o remanescente.
Essa
série de conexões verbais e temáticas entre o conteúdo dessa parte do Apocalipse
e passagens relacionadas aos Dez Mandamentos indica que um importante paralelo
estrutural dá-se em relação ao decálogo, especialmente no que tange à porção
que diz respeito à relação entre o adorador e a Divindade. Essa evidência
estrutural oferece um apoio incontestável à probabilidade de que o
significativo paralelo verbal entre Apocalipse 14:7 e Êxodo 20:11 tenha sido
intencional. Não há absolutamente nenhuma relação entre Apocalipse e Sl 146 que
se assemelhe a essa.
A
evidência cumulativa é tão forte que um intérprete bem pode afirmar que não há
nenhuma alusão direta ao Antigo Testamento (em Apocalipse) que seja mais certa
do que a alusão ao quarto mandamento em Apocalipse 14:7. Quando o autor de
Apocalipse descreve o apelo final de Deus à raça humana no contexto do engodo
do tempo do fim, ele o faz em termos de um chamado à adoração do Criador no
contexto do quarto mandamento.
A
questão da relevância
Não
obstante, ainda que biblicamente correto, faz qualquer sentido ver o sábado
como uma espécie de questão definidora na crise final da história deste
planeta? Por que Deus escolheria esse tipo de questão como centro focal da
crise escatológica?
No
centro da questão está o fato de que o sábado é uma forma ideal de testar se as
pessoas são, de fato, leais a Deus. O mandamento sabático é diferente dos
outros nove. Todos os demais têm uma fundamentação racional motivada pelo
interesse próprio; afinal de contas, os princípios da segunda tábua do decálogo
são mesmo a legítima base de governo em muitos países. “Não matarás” é uma lei
lógica para qualquer um que não queira morrer. “Não furtarás” faz perfeito
sentido para qualquer um que queira proteger suas propriedades adquiridas com
muito esforço pessoal. Mandamentos assim são racionais e chegam até a apelar a
uma certa parcela de interesse próprio. A mesma coisa acontece com os três
primeiros mandamentos, que dizem respeito a nosso relacionamento com Deus. Se
Deus é quem Ele alega ser, não faz sentido adorar a nenhum outro.
A única
parte do decálogo que não é lógica é o mandamento de adorar no sábado em vez de
em qualquer outro dia da semana! Tal mandamento é tão destituído de lógica que
as pessoas seculares o acham até difícil de considerar seriamente, pois não
veem nenhum benefício ou interesse próprio em tal princípio. Afinal de contas,
ninguém conseguiu até hoje demonstrar qualquer base científica ou racional para
se considerar um dia mais especial para Deus do que os demais. O sol brilha e a
chuva cai de igual maneira tanto no sábado quanto no domingo.
Guardar
o sábado requer que confiemos em Deus mesmo quando os cinco sentidos nos
informam que não há nenhuma razão lógica para fazer isso. O sábado representa,
escatologicamente, aquilo que a árvore do conhecimento do bem e do mal
representava no princípio. O fruto da árvore era, provavelmente, tanto
palatável quanto nutritivo. A única razão para não comê-lo era o fato de Deus o
ter proibido.
Assim é
com o sábado. A única razão de preferir o sábado ao domingo é porque Deus assim
o ordenou, não há nenhuma outra explicação. Aceitamos o sábado respaldados
unicamente pela Palavra de Deus, pois cremos que as Escrituras são um relato
confiável da mente e da vontade de Deus.
O
sábado é, portanto, um bom teste de nossa fidelidade a Deus e Sua Palavra. As
Escrituras são um registro tão fiel das ações de Deus no passado quanto das
realidades futuras no tempo do fim. É porque cremos nas Escrituras que damos
crédito àqueles eventos do tempo do fim por elas descritos.
Em
conclusão, o Apocalipse pinta o fim do mundo como tempo de um grande engodo
mundial, que vai transcender os cinco sentidos, mesmo entre o povo de Deus.
Entretanto, aqueles que crerem, aceitarem e seguirem os reclamos da Palavra de
Deus, esses não perderão o rumo durante esse tempo de derradeiro engodo.
Pr. Jon
Paulien
1- Jon Paulien, Ph.D. (Andrews University), é diretor da Faculdade de Teologia da Universidade de Loma Linda (EUA). Ele é considerado um dos maiores especialistas do mundo no livro de Apocalipse. Publicado originalmente como: “Revisiting the Sabbath in the Book of Revelation”, Journal of the Adventist Theological Society, v. 9, n. 1-2 (1998), p. 179-186. A tradução está disponível em vários sites.
Para
estudo mais aprofundado sobre o assunto, leia: Anthony MacPherson, “A marca da
besta como ‘mandamento-sinal’ e ‘antissábado’ na crise de adoração de
Apocalipse 12-14”, publicado originalmente em Andrews University Seminary
Studies (leia aqui o texto original completo). Esse artigo, bem como o de Paulien, estão
disponíveis em Doutrina do sábado: implicações, Parousia, v. 2 (Engenheiro
Coelho, SP: Unaspress, 2012). O livro pode ser adquirido no site da Unaspress.
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