Os Anjos de Deus Velam por Nós – Comentário de Daniel 10 – C Mervyn Maxwell

lntrodução

Se você pensa que Daniel já nos ensinou tanto, que pouco resta por ser aprendido, prepare-se para uma surpresa.

Os capítulos 10,11 e 12 formam uma nova unidade. O capítulo 10 constitui a introdução a esta unidade; ao mesmo tempo que oferece uma das mais fascinantes revelações do que vai “por detrás das cortinas”, de todos os tempos.

Daniel e seus acompanhantes estavam caminhando ao longo do rio Tigre (ou Hidequel), que neste ponto corria a apenas 55 quilômetros de Babilônia. Era a primavera do “terceiro ano do rei Ciro”, provavelmente 535 a.C.1 Setenta anos haviam decorrido desde que Daniel fora compelido a acompanhar os exércitos de Nabucodonosor, em sua marcha de Jerusalém para Babilônia. Naquela época, ele era um jovem de seus dezessete anos. Agora, aproximava-se dos noventa.

Deus havia sido muito bom. Cuidara de Daniel em todas as crises enfrentadas pelo profeta, respondera suas orações, mantivera-o em boas condições físicas (Daniel 10:8) e utilizara-o para abençoar toda a sua geração.

Mas agora desenvolvera-se uma nova crise. Os trabalhos de reconstrução do templo de Jerusalém, recentemente iniciados em resposta à autorização de Ciro, encontravam renhida oposição das tribos circunvizinhas. Esdras 4:5 indica que os hostis samaritanos haviam até mesmo ‘alugado conselheiros’ contra os judeus, o que provavelmente significava que eles haviam subornado oficiais governamentais para que estes influenciassem o rei Ciro no sentido de rescindir o decreto. Sendo que até esse momento apenas o altar havia sido completado, o único templo do Deus verdadeiro em toda a face da Terra achava-se ameaçado. Caracteristicamente, Daniel confiou o assunto a seus joelhos.

Que pessoa de oração era Daniel!

Ao invés de queixar-se, Daniel fora levado a orar, quando sob ameaça de execução, segundo vimos em Daniel 2. Ele havia dado graças a Deus três vezes ao dia, no exato momento em que se defrontava com leões famintos. Enquanto estudava a profecia dos setenta anos de Jeremias, ele havia confessado seus pecados e os de seu povo. Agora, eis que o encontramos outra vez em oração.

Em sua profunda sinceridade, desta vez ele jejuou por “três semanas”, desde o quarto até o vigésimo quarto dia do “primeiro mês” do ano (veja Daniel 10:2-4). Seu jejum ocupou a maior parte do mês de Nisã, tendo incluído os sete dias de pães ázimos que vinham após a Páscoa (14 de Nisã). A Páscoa lhe fizera recordar o extraordinário poder de Deus manifestado na libertação de lsrael do cativeiro egípcio, quase mil anos no passado.

Desta forma Daniel procurou um lugar apartado, junto ao rio Tigre, onde pudesse implorar que Deus manifestasse novamente o Seu poder maravilhoso em favor de lsrael. Durante três semanas ele utilizou apenas alimentos simples, rejeitando os pratos mais elaborados e as sobremesas, de modo que sua mente pudesse encontrar-se tão livre quanto possível, nesta busca de comunhão com o Pai celestial.

Agora, em avançada idade, Daniel obteve de Deus uma resposta tão maravilhosa quanto a que obtivera quando ainda era jovem. De fato, Deus foi além. Em Daniel 2, Ele respondera ao conceder-lhe uma repetição do sonho da estátua de Nabucodonosor. Em Daniel 6, Deus criara um anjo para livrá-lo dos leões. Em Daniel 9, Ele enviara a mais exaltada de Suas criaturas, o Anjo Gabriel. Agora, em Daniel 10, Deus enviou o Seu próprio Filho.

Uma gloriosa visão de Jesus. Que o glorioso Ser que apareceu a Daniel nesta sua quinta visão*, ocorrida junto ao rio Tigre, era realmente Jesus, o Filho de Deus, é algo que pode ser comprovado ao se comparar o relato de Daniel acerca do que ele contemplou, com aquilo que o apóstolo João descreveu a respeito do glorificado Jesus que lhe apareceu em visão na ilha de Patmos. Apocalipse 1:13-16.

Tanto João quanto Daniel contemplaram um Ser de transcendente beleza e inefável fulgor, vestido com vestes sacerdotais. As complexas metáforas por eles utilizadas para descrever o fulgurante Ser, estavam bem ao gosto do pensamento poético hebraico. (Compare, por exemplo, a descrição de uma mulher bela, feita em Cantares de Salomão, capítulo 4:1-8, com aquele que os dois profetas fazem.) O mesmo Cristo é descrito em linguagem mais simples a partir do quadro glorioso em que Ele apareceu cheio de sublime majestade diante de Pedro, Tiago e João, no Monte da Transfiguração:

‘E [Ele] foi transfigurado diante deles; o Seu rosto resplandecia como o sol, e as Suas vestes tornaram-se brancas como a luz…  sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na Terra as poderia tornar. S. Mateus 17:2; S, Marcos 9:3.

Quando os três discípulos viram Jesus naquele estado de glória, “caíram de bruços, tomados de grande medo”. Em breve Jesus tocou neles tranquilizando-os: “Erguei-vos, e não temais.” S. Mateus 17:6 e 7. Quando João contemplou a Jesus em visão, caiu “a Seus pés como morto”, mas – uma vez mais -Jesus repousou a mão sobre o apóstolo e disse: “Não temas.” Apocalipse 1:17. Quando Daniel contemplou a Jesus, também ele caiu ao solo, até que uma mão repousou sobre ele e uma voz foi ouvida: “Não temas.” Daniel 10:10-12.

Em três ocasiões Daniel quase sucumbiu ante a glória divina. Por alguns momentos ele até mesmo deixou de respirar. Três vezes foi encorajado. Por fim, ele foi significativamente “fortalecido” (versos18   e 19), de modo a poder observar a visão que prosseguia.

Quando Paulo, nas proximidades de Damasco, teve a sua visão de Cristo, ele e seus companheiros caíram ao solo, mas apenas ele pôde discernir todo o impacto da visão (veja Atos 9:1-19; 22:4-16; 26:9-18). No caso de Daniel, “grande temor” tomou conta de todos os que o acompanhavam; à semelhança` de Paulo, Daniel teve sozinho aquela visão. Daniel 10:7.

Por ocasião de Sua segunda vinda, uma vez mais Jesus aparecerá em plenitude de glória, e “todos os povos da Terra se lamentarão”. S. Mateus 25:31; 24:30. Seus santos, contudo, regozijar-se-ão e erguerão brados de louvor: “Este é o Senhor, a quem aguardávamos; na Sua salvação exultaremos e nos alegraremos.” Isaías 25:9.

“Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.” S. Mateus 5:8.

A oração de Daniel é respondida. Depois de contemplar a visão de Jesus em Sua glória, e depois de ter sido reanimado, Daniel aprendeu do anjo assistente – que muitos imaginam ter sido mais uma vez o anjo Gabriel, que lhe aparecera em visão nos capítulos 8 e 9 – que as suas orações feitas ao longo de três semanas, haviam começado a ser respondidas desde o dia em que as orações iniciaram! Disse o anjo: “Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e por causa das tuas palavras é que eu vim.” Daniel 10: 12.

Anjos em conflitos com demônios. O anjo acrescentou depois: “Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para` ajudar-me.” Verso 13.

Quem era este “príncipe do reino da Pérsia” que ousou resistir diante de um anjo de Deus durante vinte e um dias?

Não se tratava do rei Ciro, cujos títulos incluíam: Grande Rei, Rei de Babilônia, e Rei das Nações. A pessoa em referência era o “príncipe” da Pérsia, e ele nos é apresentado como estando a ocupar uma posição e possuir capacidade similar àquela de outros “príncipes” que são mencionados neste capítulo – o “príncipe da Grécia”, no verso 20, e Miguel, o “nosso príncipe, no verso 21.  Em Daniel 12:1 Miguel recebe a designação adicional de ‘grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo”.

O príncipe da Pérsia era evidentemente o anjo-príncipe que se identificava com o lmpério persa. Pelo fato de ele haver-se oposto a um anjo de Deus durante três semanas, devemos concluir que se tratava de um anjo mau. II S. Pedro 2:4 fala dos anjos que pecaram e foram expulsos do Céu. Paulo disse que os deuses adorados pelas nações de seu tempo, na realidade eram demônios. I Coríntios 10:20. Paulo também revelou que nossos verdadeiros inimigos não são pessoas comuns, feitas de ‘carne e sangue’, mas que em verdade são ‘principados’ e ‘potestades’, as ‘forças espirituais do mal’ e os ‘dominadores deste mundo tenebroso.  Efésios 6: 12. Por três vezes Jesus identificou a Satanás como ‘príncipe’. São João 12:31; 14:30, 16:11

É assim que algumas versões bíblicas, como The New English Bible e Today’s English Version apresentam o texto de Daniel 10: 13 fazendo referência ao “anjo príncipe do reino da Pérsia”. 0 comentário The Interpreter’s Bible1.1 refere-se ao ‘anjo patrono da Pérsia”, ao passo que The Anchor Bible2.1 fala acerca do ‘espírito tutelar do anjo guardião do reino da Pérsia, conforme os rabinos e a maioria dos comentaristas cristãos corretamente concluíram”. John F. Wàlvoord3 conclui: “Este ‘príncipe’ não é o rei do império persa, e sim um líder angélico da Pérsia, um anjo caído sob a direção de Satanás, em contraste com o angelical príncipe Miguel, que dirige e protege o povo de lsrael.”

Repentinamente a estação de TV das Escrituras focalizou uma cena totalmente inesperada. Para além dos fatos visíveis, durante três semanas – de dia e de noite – um anjo de Deus esteve a contender com um demônio poderoso e decidido, numa tentativa de’ contrabalançar sua influência, procurando evitar que Ciro rescindisse o seu importante decreto anterior. Pelo menos Miguel – que em certa oportunidade derrotou todo o exército de demônios (Apocalipse 12:7) -veio em reforço à ação de Gabriel. O demônio foi derrotado, e o rei da Pérsia tomou a decisão correta. Ciro recusou-se a compartilhar do esquema dos samaritanos, que previa o fim da reconstrução do templo. Em nenhum momento futuro Ciro voltará a vacilar no tocante  esse assunto.

Sentimos verdadeira curiosidade ante esta batalha sobrenatural. E|a eclipsa qualquer luta de super-homem no planeta Terra. O assunto em jogo é, na verdade, todo o futuro da humanidade.

Após essa introdução – uma visão do glorificado Jesus e uma revelação do grande conflito que transcorre por detrás do palco dos acontecimentos visíveis – o anjo prosseguirá nos capítulos 11 e 12, alinhando os eventos da História até o tempo do fim.

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1- Presumindo-se que Daniel estivesse contando os anos de acordo com o calendário civil judaico, que iniciava no outono.

2- São as seguintes as cinco visões de Daniel:

(1) A repetição do sonho de Nabucodonosor (Daniel 2: 19);

(2) A visão das quatro bestas, do chifre pequeno e da cena de julgamento (Daniel 7);

 (3) A visão das duas bestas, do chifre pequeno e dos 2.300 dias-anos (Daniel 8);

(4) a visão das setenta semanas (Daniel 9); e

(5) a história do povo de Deus, descrita desde os dias de Daniel até o tempo do fim, e que aparece nos três últimos capítulos do livro.

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