Segredos do Apocalipse: Comentário Dr. Jacques B. Doukhan – Apocalipse 8:2-11:19

Os Shofars da Morte: O Apocalipse Através de Olhos Hebraicos

Rosh Hashanah

A próxima visão leva-nos de volta ao trono de Deus, onde sete anjos preparam o som das trombetas (Apocalipse 8:2). Um novo ciclo de sete eventos está para tomar lugar. Mas, assim como nas sete cartas e sete selos, temos um prelúdio para a visão profética que nos leva de volta ao santuário, ao coração das festas judaicas, uma evocação da missão de Yeshua o Messias. Uma visão de Yeshua ressuscitado, no contexto da Páscoa, precedeu as cartas às sete igrejas, e a visão da entronização de Yeshua no contexto de Pentecostes veio antes da visão dos sete selos.

Agora, exatamente antes do som dos shofars (as antigas trombetas judaicas), nós divisamos o altar (Apocalipse 8:3), onde um anjo queima incenso. Repentinamente o anjo arremessa o conteúdo do incensário sobre a terra!

A visão tem sua origem no ritual do antigo Templo no qual o sacerdote queimava incenso perfumado continuamente perante Deus “toda manhã” e “no crepúsculo” (Êxodo 30:7, 8). O ritual acontecia o ano inteiro em um altar cúbico. O sacerdote despejava no altar brasas de um incensário de ouro. Uma vez por ano, no Kippur, o incenso era colocado diretamente dentro do incensário cheio de brasas, e levado para “dentro do véu” no Santo dos Santos (Levítico 16:12, 13). Nossa visão nos transporta ao contexto do ritual diário, no qual o sacerdote lançava as brasas no chão entre o alpendre do Templo e o altar do incenso. O anjo apocalíptico aqui reflete as ações do sacerdote. Uma pesquisa rabínica, o Tamid, contém material do primeiro século AEC, incorporado ao Mishna um século mais tarde, apenas uns poucos anos depois do Apocalipse1. Ele descreve toda a cerimônia, e é notável a semelhança com nossa passagem. “Um dos sacerdotes tomou a espada e lançou-a entre o alpendre e o altar, e ninguém podia ouvir a voz de seu vizinho por causa do barulho da espada.”2

“Depois o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o lançou sobre a terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto.” (Apocalipse 8:5).

De acordo com outra passagem no Tamid o som da espada foi tão alto que ele pode ser ouvido tão longe quanto Jericó, distante aproximadamente 26 quilômetros de Jerusalém3. A forma da espada (magrefa) explica o barulho de sua queda. De acordo com o Talmud de Jerusalém, a magrefa era furada por centenas de furos (ou tubo), cada um dos quais podia emitir muitos sons diferentes4. Com cada impulso, a espada podia emitir um número diferente de sons, quase igual ao um órgão de tubos. Em todo caso, o som do impacto da espada, associado com brasas, evoca a ideia de juízo e ira de Deus.

O profeta Ezequiel desenvolve depois esta conexão quando ele reconta a mesma visão de um anjo sacerdotal, vestido de linho lançando brasas sobre Jerusalém (Ezequiel 10:2). O gesto antecipou a sentença que sobreviria a Jerusalém. De fato, depois o fogo destruiria Jerusalém. (Ezequiel 24:9; II Reis 25:9).

O arremesso de brasas pelo anjo apocalíptico leva a mesma ameaça. Muito semelhante o impacto da espada entre o pórtico e o altar, “e houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto” (Apocalipse 8:5).

O ritual do anjo refletindo a cerimônia do Templo é carregado de significado simbólico. O incenso queimando diante do trono de Deus representa as orações agoniadas dos oprimidos clamando por justiça: “Ó Senhor, a ti clamo; dá-te pressa em me acudir! Dá ouvidos à minha voz, quando a ti clamo! Suba minha oração, como incenso, diante de ti, e seja o levantar das minhas mãos como o sacrifício da tarde!” (Salmo 141:1, 2).

Nossa passagem faz eco às lamentações do quinto selo, que também se elevam do mesmo altar do incenso (Apocalipse. 6:9, 10). O ato simbólico do anjo agora se enche de significado – é a resposta de Deus às orações dos oprimidos.

A abertura do quinto selo despeja o sangue das vítimas clamando por vingança contra os “habitantes da terra” (verso 10).

Agora os shofars anunciam a vinda, a vingança sobre os “habitantes da terra” (Apocalipse 8:13). A intenção de vingança claramente ressoa na mensagem do sétimo shofar: “Veio a tua ira, e o tempo de serem julgados os mortos, […] de destruir os que destroem a terra” (Apocalipse 11:18).

Os shofars respondem aos selos como a vingança responde à opressão. Os selos revelaram para nós opressão, e agora os shofars proclamam juízo.

A imagem de trombetas é particularmente sugestiva. Agora, o texto fala de shofars, não de trombetas. A palavra grega salpigx, traduzida em nossas bíblias como “trombetas,” é a tradução que a Septuaginta emprega para a palavra hebraica shofar. Os antigos faziam soar o chifre de carneiro em ocasiões solenes como as guerras e juízos. Os sacerdotes tocaram o shofar na conquista de Jericó (Josué 6:4, 6, 8, 13) para anunciar vitória, e a festa da expiação (Lev. 25:9) para proclamar o dia do juízo de Deus.5

Até aqui o Apocalipse menciona o shofar apenas esporadicamente – uma vez antes das cartas às igrejas (Apocalipse 1:10) e uma vez antes dos selos (Apocalipse 4:1). Agora os toques do shofars se intensificaram, ressonando através da história. Da mesma forma as orações emanando dos céus, agora ouvimos os shofars constantemente. A associação entre os shofars e as orações ocorre no contexto da festa das “trombetas” (isto é, dos “shofars”). Esta festa segue Pentecostes e é celebrada no primeiro dia do sétimo mês (Tishri: setembro-outubro) do calendário hebraico (Levítico 23:23-25). É o Ano Novo judaico (Rosh Hashanah).

Por 10 dias o uso do shofar recorda aos judeus que eles devem se preparar para o Dia da Expiação (o décimo de Tishri).

Toda manhã eles recitam o selihot (pedido de perdão) assim como os 13 atributos da graça de Deus (Êxodo 34:6, 7). As leituras da Torah incluem seleção de passagens referentes ao nascimento e sacrifício de Isaac, evocativo do Deus que se lembra e que responde até pedidos impossíveis (Gênesis 21 e 22).

No contexto de Apocalipse, a alusão aos shofars amplia a visão profética com a mesma nota de esperança, juízo e chamado ao arrependimento.

O anjo em linho que queima o incenso perante Deus representa Yeshua, que desde sua entronização intercede perante o Deus dos Céus. Ao mesmo tempo o incenso das brasas, lançado entre o alpendre e o altar anuncia um chamado ao arrependimento, ecoando o dramático toque do shofar.

O livro de Joel também equivale ao som do shofar que convoca Israel ao arrependimento e a intercessão do sacerdote “entre o alpendre do templo e o altar”: “Ainda agora”, diz o Senhor: “convertei-vos a mim de todo vosso coração….rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes; e convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque Ele é misericordioso e compassivo…tocai a trombeta (shofar) em Sião….chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, entre o alpendre e o altar, e digam: Poupa a teu povo, ó Senhor” (Joel 2:12-17).

Através da alusão à Festa das Trombetas e às exortações do profeta Joel, a visão do Apocalipse anima-nos para a vinda do juízo, mas também nos confirma da resposta de Deus. É um chamado ao arrependimento, um apelo ao retorno para Deus.

Na perspectiva profética, a Festa dos Shofars precede o grande dia do juízo. A entronização do Messias no contexto de Pentecostes introduziu o ciclo de sete selos. A Festa dos Shofars, um evento para preparar para o juízo, agora inaugura o ciclo dos sete shofars. A Festa dos Shofars liga o festival de primavera ao festival de outono (Números 29:1). O toque dos sete shofars que pontua a história serve para animar o povo da terra sobre dia do juízo de Deus. Por que embora o grande dia do juízo só vá ocorrer no fim dos tempos, isso tem implicação para nosso viver diário ainda agora.

Os Sete Shofars

Os shofars fazem eco aos sete selos, e cobrem o mesmo espaço de tempo: a apostasia da igreja e opressão dos outros. O primeiro e o sétimo selos, que cobrem este período de tempo, não têm conexão com a opressão. Durante o primeiro selo a igreja ainda é fiel aos seus princípios e se deixa dirigir por Yeshua o Messias. O último selo marca o fim da história humana e anuncia a descida de Deus. Os shofars ressoam o período histórico entre o segundo e o sexto selo:

Primeiro Selo:  Cavalo branco (não têm conexão com a opressão): a igreja ainda é fiel aos seus princípios e se deixa dirigir por Yeshua o Messias         
Segundo Selo Cavalo vermelho ardente, matando. (sangue implícito)    Primeiro e Segundo Shofars “Fogo,” “sangue”  
Terceiro Selo Escassez de grãos Cavalo preto  Terceiro Shofar Escassez de água  
 Quarto Shofar Escuridão  
Quarto Selo Morte (“morte,” “Hades”)  Quinto Shofar Destruidor (“Abaddon,” “Apollyon”)  
Quinto Selo Vozes no altar Número incompleto dos salvos A ser terminado depoisSexto Shofar Vozes no altar Número incompleto dos assassinados. A ser terminado depois  
Sexto Selo “O… dia de … ira chegou  Sétimo Shofar “Sua ira chegou.”    
Sétimo Selo: Silêncio no Céu (não têm conexão com a opressão). Marca o fim da história humana e anuncia a descida de Deus 

Além disso, como os selos, os shofars seguem uma progressão cronológica caracterizada pelo seguinte: (1) transições que apontam a finalização de eventos de um shofar e anuncia os eventos do próximo. (Apocalipse 8:13; 9:12); (2) o paralelo estrutural entre os dois ciclos – igual aos selos, os shofars se subdividem dentro de um grupo de quatro visões e outro de três visões; e (3) a nota final do último shofar, o qual anuncia a vinda de reinado de Deus.

Estas considerações literárias nos dão forte razão de acreditar que os eventos dos shofars correspondem aos eventos dos selos.

Fogo e Sangue

O primeiro e o segundo shofar completam-se um ao outro. Os desastres que eles trazem atingem a terra e o mar. O primeiro shofar produz uma mistura sangrenta de fogo e granizo que queima a terra (Apocalipse 8:7). O segundo shofar, uma massa solida de fogo, uma “gigantesca montanha toda incandescente” que torna o mar em sangue (verso 8). Ambos os desastres atingem o mesmo resultado: destruir um terço da terra e do mar. Fogo e sangue representam a violência da luta e também nos lembram das pragas no Egito.

Lá também o fogo e o granizo ferem o opressor (Êxodo 9:23- 25). Quanto ao “terceiro”, significa que o efeito desastroso das pragas é apenas parcial e que a maioria da terra vai sobreviver (Ezequiel 5:2; Zacarias 13:8). Os dois shofars correspondem ao segundo selo e se aplicam ao tempo quando suas guerras contra os bárbaros racharam a igreja (quarto e quinto séculos EC).

Sem Água e Sem Luz

Ambos o terceiro e o quarto shofars envolvem corpos celestiais: as estrelas, o sol e a lua. Qualquer que tenha sido a fonte de luz agora escurece mortalmente. Curiosamente, o processo começa com uma estrela, contrariando a tradicional sequência de sol, lua e estrela (Gênesis 1:16). A anomalia enfatiza a primazia da estrela sobre os outros corpos celestiais. É a estrela que começa a cadeia de eventos.

Outro aspecto incomum é que “estrela” está no singular. A Bíblia normalmente emprega a palavra na forma plural e associa-as com o sol e a lua. O autor aqui quer que focalizemos uma “estrela” particular. Interessantemente, às vezes uma estrela é uma referência direta ao Messias tanto no Antigo como no Novo Testamento. Na profecia de Balaão a estrela simboliza o reinado do Messias, chamado para salvar seu povo Israel de seus inimigos (Números 24:17). E no Novo Testamento a estrela representa Yeshua como o Messias (Mateus 2:2; cf. Apocalipse 2:28; 22:16). A única passagem onde “estrela” no singular não designa o Messias aparece no livro de Isaias, que a aplica ao anjo caído, Lúcifer, personificado pelo rei de Babilônia (Isaías 14:12). Ela representa um poder maligno que procura usurpar o lugar de Deus, como fizeram os construtores da antiga torre de Babel (Genesis 11:1-9), mas acaba caindo dentro do abismo: “Veja como você caiu do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Veja como você foi lançado por terra, você que debilitava as nações! Você pensava assim: ‘Subirei ao céu, exaltarei o meu trono acima das estrelas e me assentarei no monte da congregação, nas extremidades do Norte. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo’. Mas você descerá ao mundo dos mortos, no mais profundo do abismo.” Isaías 14:12-15)6

Nosso texto alude a esta passagem. Encontramos o mesmo motivo da estrela caída: o poder usurpador. Somente a estrela de nossa passagem chega à terra e administra o tumulto histórico da igreja. O profeta Daniel já antecipou isso em sua visão do chifre pequeno que tentou elevar-se até o “exército” do céu e ao “Príncipe do exército” (Daniel 8:10-11).

No Apocalipse, assim como no livro de Isaias, a queda da estrela simboliza morte. Isaias também a identifica com morte. A estrela em Apocalipse polui os rios e as fontes, causando a morte de “muitas pessoas” (Apocalipse 8:10, 11) tanto pela sede como pelo veneno. As Escrituras podem empregar rios e fontes para representar nutrição espiritual7. Por outro lado, a identificação da estrela com amargura relembra o desapontamento dos israelitas em Mara onde as águas eram “amargas” (Êxodo 15:23; cf. Apocalipse 8:11).

A Bíblia geralmente associa “amargura” com apostasia8. O povo morre porque águas estão poluídas. A verdade está corrompida e, consequentemente não pode nutrir o crente.

O quarto shofar fala muito a mesma coisa, mas em termos diferentes. Alguma coisa eclipsa o sol, a lua, a as estrelas – isto é, as testemunhas da revelação de Deus (Gênesis 37:9; cf. Apocalipse 12:1).

Com o terceiro shofar, a verdade está corrompida, e com o quarto, ela é apagada. O terceiro e o quarto shofars pintam a Idade Escura, o período da grande usurpação dos divinos atributos pela igreja (do sexto ao décimo séculos). Roma substituiu a “cidade de Deus”.

Tradição e poder varreram a espiritualidade. A verdade se tornou um vestígio e o povo morre de fome e de sede espiritual, como fizeram no terceiro selo (Apocalipse. 6:6). Por causa da sede de poder, a igreja perdeu seu senso de missão e verdade. Tendo procurado se elevar a si própria ao nível de Deus, agora se encontra em nada diferindo da antiga cidade de Babel, condenada à confusão.

Como fizeram os selos, os shofars agora atingem um ponto de retorno. Depois do quarto shofar, Apocalipse 8:13 marca a transição ao introduzir os três próximos shofars com a seguinte admoestação: “Ai! Ai! Ai! Dos que habitam sobre a terra! Por causa dos outros toques de trombeta dos três anjos que ainda vão tocar!”.

Gafanhotos

O quinto shofar está situado historicamente na mesma perspectiva do shofar anterior. De novo Yohanan menciona a estrela caída (Apocalipse 9:1), evocando uma mentalidade usurpadora remanescente do antigo poder de Babel. Previamente os shofars têm falado de eventos além do controle humano, trazidos pela mão de Deus. Agora os shofars anunciam forças que emergem das profundezas da terra, do “Abismo”. “uma estrela… e foi-lhe dada a chave do poço do abismo. E abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço, como fumaça de uma grande fornalha” (Apocalipse 9:1,2). A Septuaginta usa o termo grego abussos para traduzir o hebraico tehom (abismo), uma palavra empregada para descrever a terra antes da Criação (Gênesis 1:2), Significantemente, Gênesis 1 associa o tehom com o conceito de água, escuridão e vazio. A segunda explicação dos paralelos da Criação é com a palavra “não” e “ainda” (Gênesis 2:5)9. O tehom/abussos é a negação de Deus. Depois, o profeta o colocaria como morada de Seus inimigos, o grande monstro marinho (Isaías 51:9; Salmo 74:13). A pseudoepígrafe de Enoque descreve tehom como o lugar de morada dos anjos caídos.10

O oráculo apocalíptico vai até mesmo personificar o abismo com o nome hebraico Abaddon, ou condenação11. Esta palavra vem da raiz de abad (morrer, desaparecer), usada geralmente nas Escrituras Hebraicas especialmente a literatura de Sabedoria (Provérbios, Salmos, Eclesiastes etc.), para indicar o destino do culpado.12 A palavra grega Apollyon (Apocalipe 9:11) vem do verbo apolynai (arruinar, destruir, perder). Outra palavra do mesmo verbo, apoleia, significa danação ou perdição, e como abussos traduz na Septuaginta a palavra. A palavra hebraica abaddon e a palavra grega apollyon assim partilham a mesma conotação de vazio e de negação de Deus.

A escuridão que invade a cena (Apocalipse 9:2) difere daquela do quarto shofar. Aqui ela resultou de alguma coisa acontecendo aos luminares (Apocalipse 8:12). Agora a escuridão vem de outro lugar. Ela agora é parte do tehom, a escuridão da pré-Criação. Os gafanhotos surgem do abismo, formando uma nuvem densa que bloqueia a luz e o céu acima. O quinto shofar revela os agentes que dominaram na Idade Escura. A estrela cai dentro do abismo, abre-o, e libera os poderes do mal. Em outras palavras, a usurpação de Deus libera as forças da perversão, pretensão, intolerância, e opressão que procura negar Deus, seu lugar e governo no mundo.

O quinto shofar também descreve a vingança de Deus. As origens dos castigos da igreja repousam latentes em suas próprias ações. Ao usurpar Deus da terra, por meio da intolerância e da opressão, levou a humanidade a rejeitar o Deus verdadeiro que ela procurou representar.

A história confirma a profecia. A Revolução Francesa e os movimentos anticlericais dos séculos dezessete e dezoito constituem a resposta da humanidade às Cruzadas, à Inquisição e às guerras religiosas que marcaram a história do Ocidente do século nono até o décimo sexto.

A profecia usa a imagem do gafanhoto para conduzir a natureza deste ataque. Os cinco meses das pragas correspondem ao ciclo de vida do inseto – de seu nascimento até sua morte. Nós encontramos a mesma imagem no livro de Joel. Ele também compara o juízo de Deus a uma invasão de gafanhotos parecendo cavalos (Joel 2:4; cf. Apocalipse 9:7). A analogia é evidente se alguém considerar aparência, velocidade, e até a estratégia militar dos gafanhotos (cf. Oséias 14:3; Amós 6:12). Os gafanhotos destroem a colheita e cobrem o céu numa multidão como uma nuvem espessa (Joel 1:10), durante uma geração inteira (verso 4,6).

Os efeitos das pragas preditas pelo quinto shofar são limitados tanto no tempo como no espaço. Os gafanhotos atacam apenas aqueles “que não têm na fronte o selo de Deus” (Apocalipse 9:4).

A imagem do selo deriva do uso no antigo Oriente Próximo para indicar propriedade. Mercadorias ou cartas eram seladas para identificar ou atestar a quem eles pertenciam. Quando aplicada aos seres humanos, a imagem significa uma relação pessoal única.

No Cantares de Salomão, por exemplo, a Sulamita emprega a imagem do selo para expressar seu relacionamento especial com seu amado: “Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço; porque o amor é forte como a morte; o ciúme é cruel como o Seol; a sua chama é chama de fogo, verdadeira labareda do Senhor” (Cat. 8:6). A falta de um selo, portanto, revelaria todos aqueles que realmente não são de Deus. Ela expõe a igreja como uma instituição vazia que perdeu seu senso da soberania e propriedade de Deus. A Revolução Francesa afetou a igreja apenas como uma instituição. Quanto às pessoas, eles emergem ainda mais livres e mais arrojados em sua procura pela verdade.

Os gafanhotos, além disso, ferroam como os escorpiões, embora sua picada não seja mortal (Apocalipse 9:5). Apesar disso, a igreja vai sobreviver às pragas. De acordo com a profecia, o tormento da igreja não vai exceder cinco meses (5 x 30 dias), isto é, 150 anos (de acordo com a regra profética de um dia igual a um ano)13. Um desastre assim é sem precedente na história da igreja.

A Revolução da França até ousou prender o papa (1798). A igreja se recuperaria somente depois da época da II Guerra Mundial graças ao tratado de Latrão (1929). Seu ressurgimento seria depois fortalecido pela propagação da nova facção política do pós-guerra através do cenário político da Europa, que se denominaram “Democratas Cristãos” Grandemente dominados por membros da igreja católica, essas facções muitas vezes formaram os principais governos de coalizão. Hoje a igreja se tornou um super-poder. Sua influência permeia relações internacionais em todos os níveis, de sua luta contra o comunismo até sua preocupação com a fome no mundo e sua visão religiosa de ecumenismo. Existem muitas interpretações desta profecia, mas quaisquer que sejam as diferenças, a mensagem permanece a mesma. Nós precisamos entender a invasão dos gafanhotos como juízos de Deus contra o opressor. A Bíblia emprega consistentemente gafanhotos como um símbolo de juizo14. Isso é também salientado ainda pelos cinco meses, um número chave na contagem do Dilúvio, o primeiro juízo universal na história humana (Genesis 7:24).

Tropas Armadas

O sexto shofar faz eco ao lamento do sexto selo. O clamor das vozes sob o altar (Apocalipse 6:10) recebe uma resposta da voz que liberta os quatro anjos do grande rio Eufrates (Apocalipse 9:13, 14). De novo, devemos lembrar o evento que está por vir como uma punição contra o opressor, identificado em nossa passagem com Babilônia. Já a menção do Eufrates alude à queda de Babilônia15.

Do mesmo modo os “ídolos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira” (Apocalipse 9:20) sugerem a idolatria de Babilônia como descrita pelo profeta Daniel na noite anterior da destruição do (Daniel 5:23). Os “demônios” e os “feiticeiros” (Apocalipse 9:20,21) também caracterizam Babilônia, de acordo com o profeta Isaias, e precipitaram sua queda (Isaías 47:12).

O quinto shofar remeteu gafanhotos com cauda de escorpião, como um exército de cavalos “que correm ao combate” (Apocalise 9:9), e o sexto shofar convoca-os de novo. Agora o Apocalipse compara esta invasão a cavalos cujo poder está em suas caudas (verso 19; cf. verso 10).

O sexto shofar continua onde o quinto shofar parou, mas a batalha agora se intensifica. Os inimigos de Babilônia adotam uma posição mais ameaçadora. Os cavalos do quinto shofar tinham dentes de leão, enquanto agora suas cabeças inteiras são como de leões (verso 17). O poder de destruição dos guerreiros do quinto shofar se concentrou na cauda, mas sob o sexto shofar a boca também é mortífera (verso 19). Suas couraças de ferro (verso 9) se tornaram em “fogo” (verso 17). O ferrão dos gafanhotos anteriormente não era letal (verso 5), agora se tornaram mortíferos (verso 18). A nuvem do quinto shofar (verso 2) agora é reforçada com fogo e enxofre (verso 18). O poder da invasão tem ainda aumentado em número. Sobrepujado pelo seu tamanho, o profeta usa o superlativo, “duas miríades de miríades” (verso 16). A palavra grega traduzida como milhão (em outra tradução, 10.000) myrias, geralmente denota um grande número16. O termo aparece na tradução Septuaginta das bênçãos cantadas pelos filhos de Betuel a sua irmã Rebeca como eles queriam dela uma descendência de “milhares de miríades” (gen. 24:60). Lembramos também do louvor das mulheres no desempenho militar de David: “Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares” (I Samuel 18:7). Esta palavra está em nossa passagem não somente 10.000 x 10.000, mas 2 x 10.000 x 10.000.

As forças armadas jamais atingiram tais proporções. As forças do abismo, secular e anticlerical, estão sobrepujando. Nosso século tem testemunhado uma explosão de reações políticas e filosóficas contra a igreja. Ideologias emergindo da Revolução Francesa, Marxismo, materialismo, evolucionismo e racionalismo permeiam nossa vida intelectual. Correntes seculares e ateístas penetram até os círculos religiosos. Aqui nós temos uma das mais impressionantes ironias da história humana. Ao procurar substituir Deus na terra, a igreja ajustou a si própria em cima de uma reação vinda de toda esta terra – de um abismo que não admite Deus. O Apocalipse confirma a visão do profeta Daniel. No capítulo 11 de seu livro ele previu um conflito entre os mesmos dois poderes17.

Um nascendo do norte e incorporando o poder usurpador da igreja, enquanto que o outro vem do sul e representa a ideologia secular e ateísta que têm caracterizado o pensamento ocidental moderno.

O Apocalipse faz eco então com a profecia de Daniel, e alude tanto à Babilônia como ao Egito. A estrela cadente (quinto shofar) por sua associação com o rio Eufrates (sexto shofar) representa Babilônia. Os gafanhotos, escorpiões, serpentes, e escuridão, todos nos lembram as pragas que sucederam ao Egito, por causa de sua teimosa recusa do Deus de Israel. (Êxodo 5:2). Os carros e cavalos, característicos do arsenal militar do Egito, também nos apontam de volta ao Egito18.

Tanto Daniel como o profeta do Apocalipse recontam o mesmo evento através de sua alusão à Babilônia e ao Egito. Mas a convergência das duas visões proféticas não para ali. Como em Daniel 11, nossa passagem no Apocalipse prediz a vitória de Babilônia. Será o poder “religioso” que toma o lugar de Deus19. Os guerreiros do sexto shofar destroem apenas um terço da humanidade (Apocalipse 9:18). Os outros dois terços sobrevivem autoconfiantes e idólatras, longe de arrependimento. Não mais encontramos menção do inimigo vindo da Babilônia – isto é, o poder “secular” que nega a existência de Deus. Parece que ele foi engolfado pelo outro. Como em Daniel 11, as forças egípcias juntam-se às da Babilônia (cf. Daniel 11:43).

Nós nem mesmo ousamos antecipar o cumprimento dessa profecia. Os últimos eventos já apontam para uma fraqueza na linha do secularismo. O colapso do Marxismo e a falha do racionalismo demonstram a plausibilidade das profecias de Daniel e do Apocalipse.

Não é um processo limitado à cristandade do Ocidente. O conflito entre as duas forças incorporadas por Egito e Babilônia vai além da igreja católica e seus oponentes seculares. A influência da Revolução Francesa se estende além das fronteiras política e religiosa. O secularismo penetrou em ambos, o círculo Islâmico e o Judaico, no espírito do humanismo anticlerical. Como reação, testemunhamos hoje uma explosão de fundamentalismo religioso em ambas as religiões. Mais do que nunca, ayatolás e rabinos tem um poder decisivo em assuntos políticos. Nas nações islâmicas, tais como o Irã, Argélia e Egito, como em Israel, as políticas rendem-se mais e mais ao poder religioso.

Por algum tempo o secularismo desacreditou a religião no círculo cristão. Mas agora o fundamentalismo cristão contra-ataca a tendência secular, liberal e racional. Nos Estados Unidos, os Direitos Religiosos aspiram por poder políticos de forma a ajudar a construir uma nação “verdadeiramente” cristã. A mesma tendência tem encontrado terreno fértil também na Europa. Os novos Direitos Religiosos têm um forte espírito nacionalista que certamente vai apelar a muitos.

Em suma, devemos resumir a história da igreja como segue:

1. A igreja inconscientemente estabeleceu se como Babel quando ela reivindicou autoridade única em assuntos de moral e religião.

2. No século dezoito um novo espírito revolucionário reagiu contra o clero, encorajando tendências humanistas e seculares que depois se desenvolveriam em filosofias marxistas, racionalistas, positivistas e evolucionistas. Isso foi o ataque do Egito contra Babilônia.

3. Durante o século dezenove e começo do século vinte o secularismo espalhou-se para outras religiões e culturas não ocidentais através do trabalho missionário e da colonização.

4. Depois a Segunda Guerra Mundial o surgimento dos movimentos nacionalistas e a memória dos horrores da guerra despertaram uma reação contra o racionalismo e o liberalismo e um retorno aos valores religiosos e culturais. Este tem sido o tempo dos best-sellers religiosos e de estrelas da mídia evangélica.

Estamos agora, na quarta fase do ciclo, exatamente antes da unificação dos dois campos em uma Babel. Já podemos testemunhar os primeiros sinais de tal desenvolvimento. O reavivamento da religião tem um tom antropocêntrico. Não diferente daqueles que caracterizaram os assuntos seculares do século passado. Religião tem estado se desenvolvendo em torno de um ideal mais “humanístico”. O Deus “interior”, latente em cada um, toma preferência sobre o Deus transcendente que Se revela de cima, usualmente frente aos projetos humanos.

A popularidade do movimento da Nova Era também sinaliza uma corda inesperada no reavivamento religioso de nosso atual século. Ela tem afetado quase todas as religiões. Ambos, cristãos e não-cristãos, ensinam sua mensagem de tolerância. Pai Teilhard de Chardin assim como os “ecoteólogos” tais como Thomas Berry tem inspirado um novo respeito pela “mãe terra”.

Eles interpretam evolução como um “processo sagrado” através do qual Deus Se encarnou. Deus está dessa forma em qualquer lugar – na natureza, na morte, e na vida, uma tendência depois reforçada por teorias da imortalidade da alma, reencarnação, e por atividades tais como a consulta aos paranormais e astrólogos. Todas essas tendências desenvolvem da mesma premissa: o Deus-Criador não está mais fora do alcance. Ele está aqui. Ele veio. Ele se encarnou na humanidade. Que necessidade há de esperança, orar, ou esperar por Ele? A humanidade hoje substituiu Deus.

No contexto não-cristão, a “procura pelo universo sagrado” encontrou um porta-voz na pessoa de Vaclav Havel. Em uma palestra na Universidade de Stanford, o presidente Tcheco defendeu a tese de que todas as culturas – de fato, o total da humanidade – estão unidas por uma dimensão espiritual comum.

Tais apelos pela “democracia planetária” fazem eco àquela do ideal Marxista de Internacionalismo. Mas depois da queda do Marxismo, esta linguagem toma um novo significado. Interesses humanistas e antropocêntricos unem-se aqui com valores religiosos.

Toda a mídia testemunha tais desenvolvimentos. Das crucificações do Nirvana ao Black Yeshua de Madonna. Das joias de cristal aos corpos com piercings, uma cultura nova tem nascido.

Egito e Babilônia parece terem chegado a um entendimento. Claro, estes são apenas sintomas. Igreja e religião como um todo ainda antagonizam movimentos secular e ateísta. Mas todos os ingredientes estão presentes para a mistura predita pelo profeta.

Logo Egito e Babilônia vão submergir dentro da panela fundida em Babel.

Interludio: O Anjo de Luz, o Livro e as Duas Testemunhas Assim como no sexto selo, o sexto shofar tem um período de transição antes do sétimo shofar. E do mesmo modo que os selos, o interlúdio é uma pausa para uma olhada no acampamento de Deus.

Continuaremos…

Referências:

1- Ver L. Ginzberg, “Tamid,” Journal od Jewish Lore and Philosophy 1 (1919); 33, 38, 197, 263, 291.

2- Tamid 5. 6.

3 – 3. 8.

4- Sukkah 55. 6.

5- Ver Doukhan, Secrets of Daniel, p. 128.

6 -Ibid., PP. 13, 14.

7 – Ver Deuteronômio 8:7, 9; Sal. 36:8, 9; Jeremias 17:8, 13.

8 Ver Deut. 29:17, 18; Jer. 9:15; 23:15.

9 Ver Jacques B. Doukhan, The Generis Creation Story Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series (Berrien Springs, MIch.: Andrews University Press, 1978), vol.5, PP. 64, 65.

10 I Enoque 18:12-16, 19:1, 2, na secção escrita no segundo século AEC.

11 Ver Jó 26:6; 28:22; 31:12; Prov. 15:111; 27:20.

12 Prov. 10:28; 11:10; 19:9; 21:28; 29:3, etc

13 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, PP. 108, 109, 143-145.

14 Ver Jer. 51:14; Joel 1:4; Amós 7:1; Sal. 105:34.

15 Ver Jer. 51:59-64; cf. Isa. 44:27, 28; Jer. 50:38.

16 Ver II Sam. 18:3; I Cor. 4:15; 14:19.

17 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, PP. 171-175.

18 Ver Isa. 31:1-3; II Reis 10:28; Jer 46:8, 9, etc

19 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, PP. 171-176.

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