Guerras Mundiais – Daniel 11 – Comentário de Jacques B Doukhan

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A visão de Miguel acalma a Daniel. Um trovejante momento de verdade revelou a consequência vitoriosa da guerra cósmica. Então, o anjo Gabriel desenvolve o tema do próprio conflito. Entramos no capítulo de guerra. O conflito aparece como um tema recorrente no livro de Daniel, ressoando em segundo plano, até finalmente deflagrar neste capítulo. Até aqui o ouvimos apenas de uma maneira um pouco abafada, desde a vitória de Babilônia sobre Jerusalém no capítulo 1 (Dan. 1:2) até o conflito entre o governante de Babilônia e os hebreus, servos de Deus (capítulo 3 e 6). Depois, o encontramos na oposição entre o humano e o bestial (Dan. 2:34, 44; 4:15, 23, 32, 33; 7:13, 14; 8:11, 25). No capítulo 9, o conflito assume um tom universal, com o aparecimento do Messias dos Messias, cuja morte violenta, é anunciada pela visão. Finalmente, no capítulo 10, o conflito irrompe abertamente como a “grande guerra” (tsva gadol [verso 1]). A luta e o jejum pessoais de Daniel têm seu paralelo em uma batalha envolvendo poderes sobrenaturais, indicando a natureza cósmica e espiritual do conflito que está por vir. Agora no capítulo 11 entramos na essência desta guerra.

As primeiras palavras que seguem imediatamente àquelas do capítulo 10, nos levam de volta à era de Dario, o Medo, quando Daniel recebeu a visão das setenta semanas (Dan. 9:1). É na perspectiva da esperança Messiânica que podemos, então, nos ocupar dos tempestuosos eventos do capítulo 11.

I. As Guerras Persas

O anjo Gabriel conta novamente a história do início. Ele volta à época tempo do “primeiro ano de Dario” (Dan. 11:1). É significativo, a profecia focaliza ninguém menos que Artaxerxes, o persa, identificado em nosso comentário como o ponto de partida da profecia dos 70 anos e das 2300 tardes e manhãs. “Agora, eu vou lhe dizer a verdade: eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será muito mais rico do que todos eles. Fortalecido por suas riquezas, instigará todos contra o reino da Grécia.” (verso 2).

Os três reis são de origem persa. Estamos no reinado de Ciro (com o co-regente Dario). Assim, os três reis seriam Cambises (530-522), Dario (522-486)1, e Xerxes, o Assuero mencionado no livro de Ester (486-465), sendo o quarto Artaxerxes (465-423). Não só a tradição judaica adotou esta interpretação2, mas a história também a confirma. Artaxerxes, como descrito na profecia, foi extremamente rico. Um documento histórico o descreve como o rei “mais astuto (de todos os seus predecessores) e subornou seus aliados (das cidades gregas conquistadas), enfraquecendo-os ao criar dissensões entre eles,”3

A menção de Artaxerxes no surgimento do grande conflito é particularmente significante.  Foi ele que marcou o ponto de partida da profecia das 70 semanas e das 2300 tardes e manhãs.

Assim como Deus conduziu a história até a vinda do Messias, no capítulo 9, e até o tempo do fim, no capítulo 8, do mesmo modo Ele vai fazê-lo com o grande conflito que está por vir.

O reino mencionado depois de Artaxerxes é fácil de ser reconhecido. A linguagem do anjo no verso 3 e 4 é a mesma de Daniel 8:8:

Daniel 8:8 https://www.bible.com/pt/bible/1840/DAN.8.NAA  Daniel 11: 3-4 https://www.bible.com/pt/bible/1840/DAN.11.NAA  
O bode se engrandeceu cada vez mais. Porém, quando estava no auge do seu poder, o seu grande chifre foi quebrado, e em seu lugar saíram quatro chifres bem visíveis, que cresceram na direção dos quatro ventos do céu.Depois, se levantará um rei poderoso, que reinará com grande domínio e fará o que quiser. Mas, no auge do seu poder, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu, mas não para a sua posteridade, nem com o mesmo poder com que ele reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes.”

Estamos, portanto, lidando com Alexandre o Grande, cujo império, depois que ele morreu, foi dividido por seus quatro generais “para os quatro ventos do céu”. A totalidade do reino da Grécia, incluindo as suas colônias, está incluída na palavra “reino” (malkuth [versos 2, 4]) assim como foi também o caso com o reino da Pérsia (Dan.10:13). A próxima frase é mais difícil de compreender. Ela literalmente diz: E não será para sua posteridade, nem segundo o domínio com que governou, porque será arrancado e [entregue] a outros que não estes.

“Mas, no auge do seu poder, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu, mas não para a sua posteridade, nem com o mesmo poder com que ele reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes.” (Dan. 11:4).

Em outras palavras, estamos testemunhando aqui a transição do poder, quando o “reino” (Malkuth) passar a “outros que não estes.” A forma plural de “estes” (elleh) o relaciona com os quatro ventos do céu, também na forma plural.4 O reino, então, cai sob o controle de um poder que se levanta depois da divisão do império helenístico. Este novo poder, como já temos visto nas profecias anteriores, é Roma.

Alguns comentaristas interpretam a expressão “estes” como se referindo a outros generais além dos quatro mencionados acima. Assim, eles pensam na dinastia da Armênia e Capadócia, que adquiriram sua independência 150 anos depois da morte de Alexandre.5 Mas essa interpretação não se encaixa no texto bíblico. A Armênia e a Capadócia envolviam apenas parte do império; porém, a narrativa bíblica claramente menciona os “quatro ventos do céu,” implicando assim a totalidade do império. Claramente, a profecia se refere ao próprio reino de Roma.

Como no capítulo 8, Daniel 11 apenas faz alusão ao reino de Roma e focaliza no próximo estágio que vai durar até “o tempo do fim” (verso 40).

II. Norte Versus Sul

Os eventos introduzidos no verso 5 vem cronologicamente depois de Roma e não se aplicam aos reinados helenísticos de Ptolomeu e dos Selêucidas, como infere a linha tradicional de interpretação.6 O período coberto pelo conflito narrado em Daniel 11:5-45 é, portanto, o mesmo daquele coberto pelo chifre pequeno em Daniel 7 e 8, e pelos dedos dos pés em Daniel 2. Isto já é insinuado pelo paralelismo estrutural entre os capítulos 8 e 11. A seção relacionada com o chifre pequeno no capítulo 8 corresponde à seção relacionada com o conflito Norte-Sul no capítulo 11.

Capítulo 8Capítulo 11
Pérsia (versos 3, 4)Pérsia (verso 2)
Grécia (versos 5-8)Grécia (versos 2, 3)
Roma (versos 8, 9)Roma (verso 4)
Chifre pequeno (versos 9-12)Conflito norte-sul (versos 5-39)
Tempo do fim (versos 13, 14, 17, 25)Tempo do fim (versos 40-45)

Deve ser adicionado que o poder no Norte como descrito no capítulo 11, tem muito em comum com o chifre pequeno, até nas semelhanças linguísticas:

No capítulo 8 o chifre pequenorei no Norte capítulo 11
se levanta contra as hostes celestiais (8:10,11) contra o “Príncipe dos príncipes” (8:25).desafia Deus e procura usurpar Seu lugar (11:36-37).
profana o santuário (8:11) e tira o sacrifício diário (8: 12).  rei do Norte profana o santuário e tira o sacrifício diário (11:31)
O chifre pequeno cresce em direção da Terra Gloriosa (8:9) e destrói o “povo santo” (11: 24).  rei do Norte se estabelece “Terra Gloriosa” (tsevi)7, uma expressão que simboliza a Palestina (11: 11:16, 41, 45), e ataca a santa aliança (11: 28, 30).
Como o reino do Norte, o chifre pequeno do capítulo 8 se origina do Norte (8: 9).reino do Norte
o chifre pequeno “será quebrado sem auxílio de mãos” (8:25; cf. 2:45).  O rei do norte chega ao seu fim sem ajuda de ninguém (11:45) – a mesma morte do chifre pequeno

O poder do norte e o chifre pequeno, portanto, apresentam os mesmos traços característicos, têm o mesmo comportamento, vêm da mesma direção, e partilham da mesma morte trágica. Por fim, eles cobrem o mesmo período, se estendendo desde a queda do Império Romano até o tempo do fim. Concluímos, então, que o rei do norte e o chifre pequeno representam o mesmo poder, desfrutando de reconhecimento político e exercendo prerrogativas divinas. A história do conflito norte-sul em Daniel 11:5-45 é a mesma daquela do chifre pequeno do capítulo 8. Agora precisamos descobrir o significado deste conflito e suas implicações históricas.

Um Significado Espiritual

Tanto a estrutura literária do texto quanto o simbolismo da referência Norte-Sul implicam em um conflito de natureza espiritual.

. A estrutura Literária

A partir do versículo 5, a narração se desenvolve em seis seções. As três primeiras (versos 5-12; A, B, C) são simétricas às três últimas (versos 13-39: A1, B1, C1). As duas partes ABC e A1 B1C1 refletem uma à outra tematicamente (os mesmos temas) e linguisticamente (as mesmas palavras e expressões). Além disso, os ataques dos dois poderes se alternam (A sul; B norte; C sul, A1 norte; B1 sul; C1 norte). Quando A se refere ao Sul, A1 se refere ao Norte, e assim por diante.

A Sul (versos 5-8)A1 Norte (versos 13-25a)
Com grande (rab) poder (verso 5)Com um grande (gadol) exército e muito (rab) equipamento (verso 13)
Acordos (yesharim) entre o Sul e o Norte (iniciados pelo Sul) (verso 6)Acordos (yesharim) entre o Norte e o Sul (iniciados pelo Norte) (versos 17; cf. 22, 23)
O acordo fracassa (Io yaamod) (verso 6)O acordo fracassa (Io taamod) (verso 17)
Uma filha (bat) é dada (verso 6)  Uma filha (bat) é dada (verso 17)
Irá se levantar em seu lugar (we amad […] kanno) e entrará em sua fortaleza (maoz) (verso 7)  Levantar-se-á em seu lugar [we amad al kanno) vai voltar para a fortaleza (maoz) (versos 18-25a)
B Norte (versos 9.10)B1 Sul (versos 25b-27)
Um grande exército (hayil) (verso 9)Um grande exército (hayil) (verso 25)
Os filhos do rei do Norte prepararão uma guerra (yitgare) contra o domínio do rei do Sul (verso 10)Ele despertará sua força (yitgare) contra o rei do Norte (verso 25)
Varre como uma inundação (shtf) (verso 10)O exército varrido como uma inundação (shtf) (verso 26)
C Sul (versos 11.12)C1 Norte (versos 28-39)8
[O coração (lev) do] rei  Se encherá de orgulho (verso 12)Mas seu coração (lvb) se levantará (verso 28)
Matará muitos Milhares (ribboth) (verso12)  E muitos (rabbim) se unirão a eles (verso 34)

O resto do capítulo 11 se refere ao “tempo do fim.” Versos 40-45 são separados do resto do capítulo, como uma declaração de conclusão. Lá também o conflito segue determinada estrutura:

1. O Sul ataca o Norte (verso 40a)

2.O Norte ataca o Sul (verso 40b)

vitória parcial contra a “Terra Gloriosa” (verso 41)

3. O Norte ataca o Sul (verso 42, 43a)

4.O Sul se alia com o Norte (verso 43b)

“ataque de cima contra o monte santo: fim sobrenatural do rei do norte, “não haverá quem o socorra” (verso 44, 45); vitória,

A simetria e a estrutura dessas passagens nos previnem contra uma interpretação estritamente literal e histórica. Estamos lidando com uma técnica estilística, sugerindo mais do que o evento em si, mas também com o que ele pretende simbolizar.

O simbolismo Norte-Sul.

De modo significativo, começando com o versículo 5, os dois reinos já não são mais explicados, como havia sido o caso até agora (Pérsia, Grécia). As alusões ao Norte e ao Sul se tornam abstratas e metafóricas.

Em diversos outros textos, a Bíblia usa a unidade “Norte-Sul” para expressar a ideia de totalidade e espaço terrestre.9

“São teus os céus, e tua é a terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste. O Norte e o Sul, tu os criaste” (Sal. 89:11, 12).

“E dize à terra de Israel: Assim diz o Senhor: Eis que estou contra ti, e tirarei a minha espada da bainha, e exterminarei do meio de ti o justo e o ímpio… a minha espada sairá da bainha contra toda a carne, desde o Sul até o Norte. (Ezequiel 21:3, 4).10

Tomadas separadamente, as referências tanto ao Norte como ao Sul, têm seus próprios significados. O Norte é a representação bíblica do mal, que usurpa Deus. O chifre pequeno vem do Norte. Do mesmo modo, os profetas identificaram o mal e tragédias como vindo do Norte:

“Tu, ó Filístia, estás toda derretida; porque do Norte vem fumaça; e não há vacilante nas suas fileiras.” (Isaías 14:31).

“Do Norte se estenderá o mal sobre todos os habitantes da terra.” (Jeremias. 1:14).

Essa linguagem tem sua origem na ameaça representada pelos exércitos babilônicos, que subiram sobre o “Crescente Fértil” e desceram do Norte. Babilônia, a grande usurpadora, rapidamente foi assimilada na imagem do Norte. “Diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Eis que eu castigarei a Amon de Tebas, e a Faraó, e ao Egito, juntamente com os seus deuses e os seus reis, sim, ao próprio Faraó, e aos que nele confiam. E os entregarei na mão dos que procuram a sua morte, na mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia, e na mão dos seus servos.” (Jeremias 46:25, 26).

A ligação entre Babilônia e o Norte encontra confirmação na literatura do antigo Oriente Médio. Na mitologia cananita, o deus Baal residia no Norte. A referência ao Norte, seja por meio de Baal ou de Babilônia, carrega implicações religiosas à usurpação da posição de Deus. Isaias compôs sua poesia épica sobre o rei da Babilônia com estas ideias em mente:

“E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono; e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte; subirei acima das alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14:13, 14)

Uma alusão similar a Babilônia ocorre no livro de Apocalipse, em que é dito que o chifre pequeno é o usurpador de Deus, “Babilônia” (Apocalipse 14:8; 16:19; 17:5; 18:2, 10, 21). Por outro lado, o Sul, na tradição bíblica, simboliza o poder humano sem Deus. O Sul simboliza o Egito (Daniel 11:43), e especialmente Faraó em sua rejeição orgulhosa de Deus: “Quem é o Senhor, para que eu ouça a sua voz […] Não conheço o Senhor” (Êxodo 5:2)

Os profetas entendiam que fazer uma aliança com o Egito significava deslocar a fé em Deus para a humanidade – a fé na humanidade substituindo a fé em Deus. “Ai dos que descem ao Egito a buscar socorro, e se estribam em cavalos, e têm confiança em carros, por serem muitos, e nos cavaleiros, por serem muito fortes; e não atentam para o Santo de Israel, e não buscam ao Senhor… Ora os egípcios são homens, e não Deus; e os seus cavalos carne, e não espírito” (Isaías 31:1-3).11

Por outro lado, temos o Norte representando o poder religioso que se empenha em usurpar o lugar de Deus; por outro, temos o Sul, representando o esforço humano que rejeita Deus e tem fé apenas na humanidade.

Tais referências ao Norte e ao Sul eram muito bem conhecidas pelos israelitas comuns e eram parte da história da nação. Localizado entre o Egito e a Babilônia, Israel chegou a entender e imaginar seu destino estritamente em relação a essas duas forças dominantes. Assim, não é de surpreender que Daniel devesse usar as referências tradicionais ao Norte a ao Sul para descrever o destino do povo de Deus.

Já a alusão ao chifre pequeno testemunha do caráter espiritual do conflito. O livro de Daniel sempre descreve este poder em linguagem simbólica. Em Daniel 2, o barro representa o humano. Daniel 7 e 8 mostra o chifre pequeno com características humanas. Já vimos como as características humanas representam o espiritual no livro de Daniel.

Devemos compreender em sentido simbólico anto a conclusão do capítulo (versos 40-45) quanto o desenvolvimento precedente (versos 5-40). Eles têm a mesma linguagem poética de regularidade e simetria ao falar dos poderes do Norte e do Sul, ambos, envolvidos na conclusão e no desenvolvimento. Estamos lidando com o mesmo rei do Norte: “o rei do Sul lutará com ele” (verso 40). O “ele” é o rei do Norte, mencionado nos versos precedentes. Devemos, portanto, entender a referência Norte-Sul em um sentido simétrico por todo o caminho, não só do verso 40 até o fim, mas também antes do versículo 40, isto é, do versículo 5 em diante.

Seu desenvolvimento em sete estágios (o sétimo estágio sendo o tempo do fim), oferece apoio adicional ao aspecto alegórico ou simbólico da narrativa. De A1 em diante, no entanto, o antagonismo Norte-Sul une-se com o conflito paralelo entre o Norte e o povo de Deus.

Em A1, os versículos 16 e 20 descrevem o conflito como uma batalha conduzida pelo Norte contra a “Terra Gloriosa”, uma expressão idiomática que designa a Palestina, onde o Templo está localizado (Zacarias 7:14; Ezequiel 20:6, 15).12 Portanto, o termo deve ser compreendido em sentido religioso, e não simplesmente em sentido geográfico.

Em C1, o conflito deflagra novamente nos versículos 30-32, mediante a agressão do Norte contra a aliança santa, o santuário e o povo de Deus. De baixo de paralelismo e símbolos, o texto aponta a um progresso cronológico e de certa forma um desenvolvimento histórico obscuro.

Significado Histórico

Não é fácil encontrar a contraparte histórica de nossa passagem. Neste estágio de nossa pesquisa, contudo, ainda é possível delinear três temas principais nos versos 5 a 39.

. O tema do conflito entre o Norte e o Sul.

Isso pode se referir ao conflito que tradicionalmente contrapôs dois inimigos implacáveis. De um lado, o poder religioso eclesiástico (o Norte) desempenha o papel de Deus na Terra, atuando como o único intercessor entre a humanidade miserável e Deus. E, do outro lado, os movimentos filosóficos e políticos (o Sul) lutam contra o obscurantismo e fanatismo com a arma da razão. Ambos os movimentos constantemente entram em guerra um contra o outro. Vemos essa luta interminável revelada nos ataques dos Neoplatonistas, as perseguições dos imperadores pagãos (Nero, Diocleciano, Juliano e outros), as correntes humanistas surgidas no Renascentismo, a Revolução Francesa e, por fim, em nossas ideologias e formas de governo secular e materialistas atuais.

. O tema de aliança entre o Norte e o Sul nos versos 6, 17, 22, 23. Pensamos nas tentativas de compromisso entre a Igreja e o Estado de Constantino, as alianças medievais em questões de lei, controle territorial, poder e filosofia, e muitas forças político-religiosas atuando no presente.

. O tema do conflito entre e Norte e o povo de Deus nos versos 16, 28, 30, 31,35.

Perseguições e intolerância marcaram a história da igreja desde o quarto século até a revolução francesa.

Esta imagem não consta neste livro. É apenas para ajudá-lo na compreensão de nosso estudo de Daniel 11 dentro do esquema profético. Focalize, por exemplo, este tempo nos 1.810 dias-anos. Sem esquecer que as perseguições ao povo de Deus estiveram presentes ao longo da História do povo de Deus.

A forma literária de nosso texto, particularmente sua simetria, nos adverte contra uma interpretação literalista dos detalhes. Estes três temas preparam o caminho para os eventos do tempo do fim. Por enquanto, os conflitos Norte-Sul, suas alianças, e os ataques do Norte contra o povo de Deus, têm sido meramente preliminares. Devemos esperar pela última fase, em relação ao tempo do fim (versos 40-45), para realmente captar o significado total por trás destes conflitos e acordos. A passagem fala da perspectiva do fim, esboçada no desenvolvimento (versos 5-40), apenas aqueles temas relevantes para o tempo do fim. Somente na conclusão da narração estaremos, de algum modo, capacitados a captar o significado dos três temas traçados no desenvolvimento.

Esta última batalha ocorre em duas ofensivas, cada uma envolvendo algum tipo de ataque contra o povo de Deus.

1. Testemunhamos primeiramente um ataque do Sul contra o Norte. A batalha é curta, mas intensa, com o Sul sendo esmagado pelo Norte: “— No tempo do fim, o rei do Sul lutará contra ele, e o rei do Norte arremeterá contra ele com carros de guerra, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas terras, e as inundará, e passará.” (verso 40). Esta primeira vitória massiva precede a vitória final do Norte. Ele alcança finalmente a “Terra Gloriosa”, mas a vitória ainda não é total: “Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas Edom, Moabe e as primícias dos filhos de Amom escaparão do seu poder.” (verso 41).

Historicamente, isso significa que o poder político-religioso vai triunfar sobre os movimentos ateístas e políticos. Durante o calor da ação, serão feitas tentativas contra o povo de Deus. Apesar disso, se crermos em Daniel, a vitória do Norte não é nem total, nem definitiva. Em linguagem simbólica, a profecia indica uma resistência do Sul pressionando, de Edom, Moabe e Amom.13 Isso significa que os vários movimentos ateístas e humanistas resistirão, e por pouco tempo, prevalecerão sobre as forças religiosas.

2. No entanto, a profecia de Daniel olha para além. Ocorre uma segunda ofensiva. O rei do Norte penetra nas regiões mais meridionais do Sul: Egito, Líbia e Etiópia. Contudo, rumores do Norte, isto é, da Palestina (se considerarmos que ela está na Etiópia neste momento), forçam-no a retornar naquela direção. Ele começa com “grande furor” (verso 44). Suas intenções são claras: para “destruir e exterminar.” Ocupado com as conquistas do Sul, até aqui ele tem negligenciado tais distúrbios periféricos. Nada mais o segura. Já não mais sozinho, porque seus inimigos marcham ao seu lado (verso 43). Pela primeira vez, o Norte e o Sul são aliados. Os povos do Sul (líbios, etíopes e egípcios) reconhecem o Norte como seu líder e seguem-no para a última batalha, contra o “glorioso monte santo.” Eles levantam suas tendas “entre os mares” (verso 45), isto é, entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Morto, que cercam a terra de Israel.”14 O aparecimento deles ameaça o Templo de Deus. Na linguagem bíblica, o “glorioso monte santo” designa o local do Templo, e por extensão, o próprio Templo.”15

É o Templo que torna a terra sagrada e bela (tsevi). Uma terra assim só pode ser descrita em termos poéticos, pois além de suas paisagens, o poeta de Israel percebe as dimensões sagradas da habitação de Deus. O salmista (Sal. 48:1, 2) assemelha o “santo monte” às alturas do Zafom (o extremo norte), uma expressão idiomática que designa as alturas celestiais da habitação de Deus (ver Isaías 14:13). Encontramos um uso similar por ocasião da dedicação do Templo de Salomão: “Que os teus olhos estejam abertos noite e dia sobre este templo, sobre este lugar do qual disseste: “O meu nome estará ali”, para ouvires a oração que o teu servo fizer neste lugar. Ouve, pois, a súplica do teu servo e do teu povo de Israel, quando orarem neste lugar. Ouve no céu, lugar da tua habitação; ouve e perdoa.” (I Reis 8:29, 30). Os israelitas deveriam então fazer suas orações voltados para a direção ao Templo, habitação do nome de Deus, e, então do Céu, o lugar da morada de Deus, viria a resposta.

Portanto, a expressão “glorioso monte santo” de Daniel 11:45 é então a localização celestial da morada de Deus. Daniel 2 já havia mencionado essa montanha no contexto do fim, especificamente durante a última tentativa dos reinos terrenos de se unirem (Daniel 2:35, 44, 45).

Encontramos os mesmos elementos na famosa profecia do Armagedom, em Apocalipse 16:14. Ele também caracteriza o tempo do fim pela união dos “reis do mundo inteiro.”  

O Armagedom do livro do Apocalipse, assim como a montanha, do livro de Daniel, não deve ser entendido como uma localização geográfica, mas como uma alusão a uma batalha espiritual de dimensões cósmicas. Devemos especialmente manter isso em mente assim como consideramos as implicações históricas do monte. De acordo com Daniel 2 e Apocalipse 16, “todos os reis da terra,” isto é, tanto do Norte quanto do Sul (Daniel 11), se unem pela primeira vez em uma batalha de implicações espirituais. O objetivo mútuo deles é o trono de Deus, o reino de Deus. Embora isto possa parecer um exagero para alguns, um olhar para o que está acontecendo no mundo em nossos dias deve nos convencer da verdade desta profecia.

Ninguém mais acredita no reino de Deus. Muitos tratam, com complacência essa esperança dos primeiros cristãos, a própria essência do cristianismo.16 Muitos cristãos têm integrado em suas crenças, ideologias humanistas e materialistas. Em lugar de olharem para a Cidade de Deus que está por vir, eles buscam construí-la aqui e agora. O enfoque mudou para os empreendimentos humanos. Hoje, a religião segue os passos das tendências sociais e existencialistas de justiça, amor e felicidade que deixam Deus de fora. Encontramos isso na teologia da libertação dos países subdesenvolvidos, e na dialética de Teilhard Chardin, que promete “cantar os amanhãs.” É também a dialética de Rudolf Bultmann, que limita a espera do reino de Deus à experiência da existência individual, eliminando assim Deus da arena histórica. Essas teologias já não definem o reino de Deus em termos de realidade histórica. Preferimos os termos mais elegantes da evolução, do progresso e da iluminação. A Fé se torna mais realista. A igreja nunca esteve tão envolvida politicamente como hoje. Desde a queda do comunismo, a voz da Igreja tem novamente se tornado audível nos países do leste europeu. Do mesmo modo, o extremismo da direita do Ocidente capitalista tenta combinar religião com política.

Traços da mesma mentalidade aparecem no mundo islâmico. Movimentos extremistas proliferam em todo lugar, inclusive no Marrocos, Tunísia, Iraque, Líbano, Arábia Saudita, Turquia, Argélia e Egito. O Islã extremista está intensamente interessado no poder político e tem como objetivo máximo o domínio mundial. Ele tem surgido até no estado de Israel, revelando-se na influência dos yeshivoth de New York e nos rabinos Lubavitch na política de Israel. Partidos religiosos políticos têm exercido grande influência em Israel, para indignação dos jovens israelenses ateus.

Um conceito similar permeia os vários movimentos da Nova Era, que exaltam a humanidade a um status divino. “Vós sereis como deuses” (Gên. 3:5), disse Satanás. A antiga tentação que incendiou por meio das primeiras páginas da Bíblia novamente seduz massas modernas. Como um maremoto, ela arrasta milhares de homens e mulheres ao seu reduto.

O rei do norte reúne todos os movimentos religiosos que de algum modo exercem poder político sob a capa de intenções piedosas, bem como todas as organizações que promovem o Céu na Terra, enquanto sepultam toda esperança de um reino celestial.

Acontecimentos políticos recentes confirmam a profecia de Daniel muito bem. Os líderes mundiais enfrentam o desafio de fundir seus poderes em uma “Nova Ordem Mundial,” um desenvolvimento que, dificilmente, alguém poderia ter imaginado alguns anos passados. Aconteceu tudo tão rápido! A indestrutível cortina de ferro caiu. O sólido comunismo não é apenas uma lembrança. A antiga utopia de Babel está viva, e unidade é de novo uma possibilidade. Tudo o que precisamos é de um líder, aceito por todos, para ser justo – independente das nações consideradas muito poderosas.

A batalha descrita pelo profeta não se refere diretamente ao moderno estado de Israel. O Templo não existe mais. Alguns imaginam o Armagedom na Palestina cercada por árabes sedentos de sangue. À primeira vista, parece muito bíblico! Poderia até ser feito um filme sobre isso! Mas o Armagedom não tem nada a ver com o moderno Israel. Armagedom é a nossa batalha. É a luta entre duas mentalidades, duas concepções de felicidade e de religião. Por um lado, temos Deus, fé em Sua criação e a convicção de que a humanidade depende dEle para salvação e felicidade. É a esperança no reino do céu. Por outro lado, é a ilusão de nossa autossuficiência, nosso poder de construir um mundo de paz e felicidade. A batalha é tão antiga quanto o mundo. Dos ramos sedutores da árvore do Éden, ela tem se propagado pelas sucessivas eras até o presente. É a batalha de cada pessoa no momento da decisão de voltar para Deus. A batalha do Armagedom atingirá seu pior estágio nos últimos dias quando, no meio das multidões inflamadas com sua fé em deuses  de carne e concreto, o povo de Deus se apegará  à  esperança no Deus invisível. O verdadeiro campo de batalha é o mundo inteiro.

ESTRUTURA DE DANIEL 11

Introdução (verso 1)

Um relance ao primeiro ano de Dario o Medo (cf. 9:1).

I- Conflito Persa-Grego (versos 1-4)

1. Três reinos persas.

2. Quatro reis valiosos contra a Grécia (Artaxerxes).

3. Um rei poderoso (Alexandre); divisão em quatro reinos (Período Helenista)

II- Conflito Norte-Sui (versos 5-39)

A o Sul ataca o Norte (versos 5-8)

   B o Norte ataca o Sul (versos 9, 10)

      C o Sul ataca o Norte (versos 11, 12)

A1 o Norte ataca o Sul (versos 13-25a)

   B1 o Sul ataca o Norte (versos 25b-27)

     C1 o Norte ataca o Sul (versos 28-39)

III. “Tempo do Fim” (versos 4-45)

A o Sul ataca o Norte (verso 40a)

    B o Norte ataca o Sul (versos 40b, 41)

A1 o Norte ataca o Sul (versos 42, 43a)

    B1 o Sul se alia com o Norte contra o “monte santo”.

    A Vitória vem do alto. Fim do Norte.

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1- Alguns comentaristas incluem o nome de Esmérdis, o impostor (521), uma sugestão do neoplatonista Porfírio, defendida recentemente por E. J. Bickerman, Four Strange Books of the Bible: Jonah, Daniel, Koheleth, Esther (New York: 1967), pp. 117-118. Escolhemos omiti-lo por diversas razões: 1. Ele reinou menos de um ano (sete meses); 2. Ele foi um impostor originário da Média, e a profecia fala de reis Persas. 3. É bem provável que ele nunca tenha existido e tenha sido só um rumor um rumor inventado por Dario para justificar sua ascensão ao trono. Heródoto teria aceitado e registrado a versão oficial. Isaac Asimov se refere a isso como talvez “um daqueles casos em que uma grande mentira foi imposta na história” (The Near East: 10,000 Years of History [Boston: 1968)], p. 125). De fato, inúmeros comentaristas omitem Esmérdis (Ver L. F. Hartman e A. A. Di Leila, The Book of Daniel, Anchor Bible, [Garden City, 1978], p. 288)

2- Tais como Ibn Ezra, Ralbag, Ibn Yachiah, Malbim etc. Ver também Rosh Hashanah 2b.

3- Boniface and Marechal, Histoire: Orient-Grèce, p. 99; of. pp.198, 199. Ver também o testemunho dos historiadores gregos Tucídides em História da Guerra do Peloponeso; Diodoro Sículo 11,71,74, 77; Heródoto, Histórias, 6. 106.

4- Algumas versões usam a palavra “descendentes,” uma transliteração da palavra feminina acharith (aqui “depois,” como “descendente”). Esta palavra (aharith) não é, contudo, usada na forma plural na Bíblia (ver Sal. 37-38; 109:13; Prov. 21-21; Ecl. 7:8, Eze. 23:25).

5- Ver André Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta: John Knox, 1979,p. 61; e Maties Delcor, Le Livre de Daniel (Paris: Gabalda, 1971), p. 220; cf. também, Rashi e Ibn Ezra em Miqraoth Gdoloth.

6- Nossa abordagem se afasta da linha tradicional de interpretação. Do neoplatonista anticristão Porfírio (300 d.C., ver o apêndice) até hoje, críticos racionalistas têm compreendido esta passagem como se referindo à guerra entre os Selêucidas (rei do Norte) e os Ptolomeus (rei do Sul) que se estendeu até o reino de Antíoco Epifânio (versos 21-45). Os exegetas conservadores têm mantido esta interpretação do conflito entre os Ptolomeus e Selêucidas e de Antíoco Epifânio, mas a têm aplicado a diferentes seções do texto. De acordo com eles, só os versos de 5-13 fazem referência ao conflito entre os Ptolomeus e Selêucidas, enquanto os versos 14-30 apontariam tanto a Roma ou a Antíoco Epifânio. Versos 31 -39 teriam em mente o poder descrito em Daniel 8 como o chifre pequeno, e os versos 40-45 se aplicariam à Turquia ou ao papado (F.D. Nichol, ed., Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, CPB, vol. 4 pp. 957-959; cf. William H. Shea, Selected Studies on Prophetic Interpretatlon, Daniel and Revelation Committee Series [Siver Spring, MD: Biblical Reseach Institute, 1982], vol. 1, pp. 44-55). Em qualquer caso, o problema permanece sem solução. A grande diversidade de interpretações em relação a esta passagem testemunha um estado geral de confusão, e de soluções de caráter inconclusivo. As a interpretações espiritual e escatológica defendidas em nosso comentário são confirmadas por fontes confiáveis como C. F. Keil, Biblical Commentary ofthe Book os Daniel, Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans1991), vol 9, p. 421; E. B. Pusey, Daniel the Prophet (New York: Funk & Wagnalls, 1885), p. 136; e estão implicitamente apoiadas por Ellen G. White (ver Testemunhos para a Igreja, vol. 9, pp. 14-16).

7- Ver Jer. 3:19; Eze. 20:6, 15; cf. Zac. 7:14; Sal. 106:24.

8- O contexto imediato do verso 28 sugere que o rei do Norte é o sujeito do verbo “retomar” (shuv). O verso anterior (27) menciona dois reis, já implicando que o rei do Norte estava ao lado do rei do Sul. No versículo seguinte (29) o verbo “retornar” (shuv), que está relacionado ao rei do Norte, ecoa o verbo “retomar” (shuv) no versículo 28. Pelo fato de que o rei do Norte estava retornando para casa, seu ataque no rei do Sul é descrito como um “retorno.”

9- Uma figura de linguagem tecnicamente chamada um “merismus.”

10- Ver também Isa. 43:6, 7: I Cron. 26:17; Sal. 107:3; Ecle. 1:6; Cant. 4:16, etc. As crônicas do Antigo Egito usam a mesma linguagem para se referir a Artaxerxes como o “rei do Sul e do Norte”, isto é, rei do mundo inteiro (Robert William Rogers, A History of Ancient Pérsia: From Its Earliest Beginnings to the Death of Alexander the Great [New York: 1929], p. 176).

11- Ver também II Reis 18:21; Jer. 2:18; etc.

12- Ver André Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta: John Knox, 1979,p. 166.

13- Cf. Isaías 11:14 e Jeremias 25:21, em que os três países aparecem na mesma ordem como um modo de sugerir movimentos do Sul para o Norte no mesmo contexto de uma campanha militar.

14- Ver Números 34:6, 12.

15- Ver Isaías 2:2; Salmo 68:17; 132:13; etc.

16- Ver Mateus 9:35; Marcos 1:14; Lucas 4:43; 8:1, Atos 1:3: 8:12; Colossenses 4:11

Você pode ler os estudos dos capítulos do Livro de Daniel aqui

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