Ano Bíblico 2021 – 141° Dia – O Apocalipse de João: O Povo de Deus nas Cidades – Comentário Dr. Ranko Stefanovic

As mensagens para as igrejas

Jesus deixou mensagens especiais para João as transmitir à igreja, as quais se aplicam em três níveis:

Aplicação histórica. É importante ter em mente que as igrejas existiam de verdade na Ásia Menor e enfrentavam desafios reais. Elas ficavam em centros urbanos importantes e prósperos, localizados à beira da principal estrada postal, a qual os interligava. Governadas pelos romanos, as cidades desfrutavam, de modo geral, paz e prosperidade. Como prova de sua gratidão e lealdade a Roma, uma série de cidades instituiu a adoração ao imperador em seus templos. Essa prática era obrigatória e um dever de todos os cidadãos. Também se esperava que os moradores se envolvessem nos eventos públicos da cidade e participassem das cerimônias religiosas pagãs. Consequências sérias aguardavam aqueles que não participassem, como os cristãos para quem João escreveu.

Aplicação Universal. Embora originalmente enviadas às igrejas da Ásia Menor, essas mensagens não foram escritas somente para os cristãos dessas congregações. Embora Paulo tenha escrito suas epístolas em primeiro lugar às igrejas de sua época, elas continuam a conter mensagens atemporais para gerações subsequentes de cristãos. De maneira semelhante, as mensagens às sete igrejas contêm lições valiosas que se aplicam aos cristãos de todas as épocas. Porém, acima disso, as mensagens predisseram a condição da igreja cristã em todas as suas fases.

As mensagens não foram enviadas separadamente, mas juntas em uma só carta (Apocalipse 1:11). A epístola inteira deveria ser lida pelas igrejas. Uma vez que cada mensagem é encerrada com uma exortação para dar ouvidos ao que o Espírito diz às igrejas, cada uma se aplica a todas as igrejas, mesmo tendo sido escrita para uma congregação específica. Logo, as mensagens falam a todos os cristãos e podem representar, de modo geral, diferentes tipos de cristãos em determinados períodos da história ou em lugares diferentes.

Aplicação Profética. O Apocalipse afirma ser um livro profético e reforça a relevância profética das sete mensagens (v. 1-3). Além disso, a condição espiritual das sete igrejas corresponde, de forma notável, à situação espiritual do cristianismo em diferentes períodos da história.3 Tudo isso revela que as sete mensagens têm a intenção de apresentar, da perspectiva celestial, uma visão panorâmica do cristianismo desde o l° século até o tempo do fim. Cada igreja representa um período da história cristã, partindo do tempo de João até o período anterior à segunda vinda de Cristo.

Analisaremos as dificuldades de cada igreja, como a mensagem se aplicava naquela época e como ela se aplica hoje, bem como a que período cada igreja corresponde. As mensagens seguem o mesmo formato: (1) um destinatário; (2) uma introdução de Jesus; (3) uma avaliação da igreja feita por Ele; (4) Seu conselho e a advertência à igreja; (5) um apelo para dar ouvidos ao Espírito; e (6) promessas aos vencedores. Ao comparar as partes paralelas das mensagens, podemos adquirir uma compreensão mais profunda do significado delas.

Éfeso

Localizada na encruzilhada entre duas estradas principais, Éfeso era um famoso centro político, comercial e religioso. Com uma população de aproximadamente 250 mil habitantes, era uma das maiores cidades do império Romano. Na cidade, havia dois templos dedicados à adoração do imperador, além de 15 templos para outras divindades. O maior deles era o templo de Artêmis (ou Diana dos romanos), uma das sete maravilhas do mundo antigo. No entanto, a cidade era conhecida pela criminalidade, imoralidade e superstição.

Jesus Se apresenta à igreja de Éfeso como “Aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (Ap 2:1), representando Sua presença na igreja e o conhecimento da situação que ela enfrenta. Ele a elogia por suas qualidades positivas. Apesar de viver num ambiente idólatra, cercados por um estilo de vida pagão e práticas imorais, os membros daquela comunidade trabalhavam duro e demonstravam perseverança na causa do evangelho, permanecendo firmes diante da perseguição. A igreja também era correta na doutrina, exercendo discernimento ao testar falsos apóstolos, sem tolerar os falsos ensinos (v. 2, 3).

Em particular, eles resistiam aos nicolaítas (v. 6). Embora a identidade precisa dos nicolaítas não seja clara, alguns autores cristãos primitivos os identificam como os seguidores de Nicolau de Antioquia, um dos sete diáconos da igreja de Jerusalém, que acabou se tornando um herege (At 6:5).4

Os nicolaítas defendiam concessões e conformidade com práticas pagãs, a fim de evitar o desconforto e as dificuldades do isolamento social e a perseguição iminente. Esse grupo agia de forma semelhante a alguns membros da Igreja de Pérgamo, que sustentavam a doutrina de Balaão, apostatando, comprometendo sua fé e se vendendo para obter ganhos pessoais (Ap 2:14, 15; comparar com Nm 31:16).

A igreja de Éfeso, porém, não foi seduzida pelas doutrinas perversas dos falsos mestres. Fez todos os esforços a fim de preservar a pureza do evangelho e evitar que a falsidade corrompesse seus membros. Inácio, bispo de Antioquia, elogiaria os efésios por essa atitude não muito tempo depois.

Apesar das excelentes qualidades, a igreja de Éfeso tinha um defeito grave: estava perdendo seu amor. Nos primeiros dias, os cristãos de Éfeso eram conhecidos pela fé “no Senhor Jesus” e seu “amor para com todos os santos” (Ef 1:15). Contudo, esse amor estava se desvanecendo. Ao colocar toda ênfase nas ações corretas e na sensatez da doutrina, os membros estavam perdendo o amor a Cristo e, por consequência, o amor uns pelos outros. Sua religião havia se tomado legalista e sem amor. Estavam fazendo o que era certo, mas suas obras eram frias e desprovidas de amor.

A situação da igreja de Éfeso refletia a situação de lsrael antes do exílio, que havia perdido o amor e a devoção ao Senhor que existia no início de sua história (Jr 2:2). Posteriormente, os israelitas renunciaram ao seu amor a Deus. Como resultado, eles perderiam o privilégio de ser uma nação portadora de luz.

Um castigo semelhante recairia sobre a igreja de Éfeso. Senão refletisse o amor a Deus, ela perderia a própria razão de existir, correndo risco de que o candeeiro fosse removido do lugar (Ap 2:5) – uma perda de privilégio semelhante à do Israel histórico.

Jesus apela à igreja com três imperativos (v. 5). Em primeiro lugar, os efésios deveriam continuar lembrando. Conforme o texto grego indica, eles não haviam se esquecido do relacionamento que tinham com Cristo, mas haviam falhado em dar continuidade. Ao recordar o amor intenso por Jesus e uns pelos outros, os membros reconheceriam sua condição espiritual presente.

Assim, os efésios deveriam se arrepender. Na Bíblia, o arrependimento está intimamente ligado a uma virada radical na vida. Jesus chama os efésios a se afastarem de sua condição presente e a se voltar para Deus.

Por fim, os efésios deveriam começar a praticar as primeiras obras. Jesus não os chamou para amar em detrimento de fazer aquilo que é correto.

A revitalização do primeiro amor por Cristo resultaria em fazer o que é certo. Se os cristãos de Éfeso voltassem à sua primeira devoção a Cristo, o amor por outros seres humanos transbordaria no meio deles.

Ao longo de toda a história, os cristãos sempre estão sob a pressão de cumprir práticas religiosas rigorosas e expressar o amor de Cristo. A mensagem à igreja de Éfeso consiste em uma advertência perene a todos os cristãos cuja preocupação principal é fazer o que é certo. Eles devem sempre ter em mente que o tema central do evangelho é o amor a Deus.

Os vencedores de Éfeso – aqueles que dão ouvidos ao conselho de Cristo – recebem a promessa de se alimentar “da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus” (v. 7). Depois que Adão e Eva pecaram, foram proibidos de comer da árvore da vida, mas a boa notícia é que os habitantes de Éfeso que permanecessem fiéis e não participassem de práticas pagãs receberiam permissão para comer da árvore no Éden restaurado (Ap 22:2).

A situação da igreja de Éfeso corresponde à condição espiritual da igreja como um todo no l° século, por volta de 31 d.C. a 100 d.C. Esse período foi caracterizado por amor e fidelidade ao evangelho. No entanto, na ocasião em que João escreveu o Apocalipse, a igreja havia começado a perder o primeiro amor, afastando-se assim da simplicidade e pureza do evangelho.

Esmirna

Esmirna estava localizada em uma grande encruzilhada da rota comercial greco asiática e abrigava o porto mais acessível e seguro da Ásia. Naturalmente, isso transformava Esmirna em um centro cultural, religioso e político. Ostentando um estádio famoso, uma biblioteca e o maior teatro público da província, mereceu o título de “glória da Ásia”.

A cidade também era o centro da adoração ao imperador. Como ato de lealdade, todos os cidadãos tinham a obrigação de comparecer ao templo uma vez por ano a fim de queimar incenso diante da estátua do imperador e proclamar: “César é Senhor!” Quem cumpria essa exigência recebia um certificado que permitia ter um negócio ou emprego. Aqueles que se recusavam enfrentavam perseguição ou morte.5

Jesus Se apresenta à igreja de Esmirna como “o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver” (Ap 2:8). As características de Cristo correspondem de forma adequada à situação da igreja. Ele entende a condição dela, pois também foi perseguido até a morte. Os membros enfrentavam extrema pobreza; muitos estavam desempregados e eram excluídos, alguns sofriam prisão e até a morte – tudo por Cristo. Os judeus que se distanciavam dos cristãos e os difamavam foram chamados por Jesus de “sinagoga de Satanás” (v. 9).

É compreensível que os cristãos de Esmirna vivessem em constante temor, pois enfrentavam perseguições. Jesus, porém, apelou aos fiéis para que permanecessem até a morte a fim de que recebessem a “coroa da vida” (v. 10). A guirlanda entregue ao vencedor dos Jogos Olímpicos da Antiguidade era passageira, mas a coroa prometida por Cristo aos fiéis de Esmirna era a vida eterna, concedida por ocasião de Sua segunda vinda (2Tm 4:8).

Os vencedores de Esmirna recebem a promessa de que não sofrerão “dano da segunda morte” (Ap 2:11). A morte física não passa de um sono temporário; por isso, não é uma tragédia, graças à esperança da ressurreição.

É a segunda morte que deve ser temida, pois é a morte eterna, da qual não haverá ressurreição.

A experiência da igreja de Esmirna simboliza profeticamente a perseguição aos cristãos em todo o Império Romano durante o 2° e o 3° séculos.

Os “dez dias” mencionados no verso 10 apontam para a notória perseguição iniciada pelo imperador Diocleciano e levada adiante por seu sucessor Galério (303-313 d.C.). Dessa maneira, a igreja de Esmirna representa um período da história da igreja, começando por volta do início do 2° século até 313 d.C., quando Constantino, o Grande, emitiu o conhecido Edito de Milão, concedendo liberdade religiosa aos cristãos.

Pérgamo

Ao longo de mais de dois séculos e meio, Pérgamo serviu como a capital política, intelectual e religiosa da Ásia. Era também uma das cidades mais elitizadas do mundo helênico. Ostentava uma biblioteca que rivalizava com a de Alexandria, abrigando quase 2 mil obras. De todos os templos magníficos de Atena, Dionísio e Esculápio, a obra-prima era o enorme altar a Zeus, com uma fumaça que ascendia constantemente dele. Histórias de curas milagrosas pelo “salvador” Esculápio, o deus grego da cura, espalhavam-se a partir do imenso asclepieion. (templo de Esculápio ou Asclépio, do lado de fora da cidade. Essa saturação de paganismo realmente fazia de Pérgamo o lugar “onde Satanás habita” (v. 13).

Jesus aparece como “Aquele que tem a espada afiada de dois gumes (v. 12). 0 imperador romano detinha o ius gladii. (o direito à espada) – o poder da execução6, usado com muita frequência contra os cristãos.

Mas o poder sobre a vida e a morte pertence somente a Cristo (cf. Ap 1:17, 18). Jesus sabia que os cristãos de Pérgamo viviam bem no coração das atividades de Satanás. Eles eram excluídos por se recusarem a adorar o imperador e honrar os deuses pagãos. Alguns, como Antipas, pagaram com a própria vida. No entanto, a maioria permaneceu inabalavelmente fiel diante dessa perseguição.

Cristo passa então a destacar aqueles que estavam comprometendo seu cristianismo: os nicolaítas e “os que sustentam a doutrina de Balaão” (Ap 2:14,15). Assim como Balaão havia seduzido os israelitas a ter relacionamentos ilícitos com as mulheres moabitas e a praticar idolatria (Nm 31:16), esses indivíduos incentivavam os irmãos cristãos a fazer concessões à adoração ao imperador e a outras atividades sociorreligiosas pagãs (Ap 2: 14); ao contrário da igreja de Éfeso, que resistiu com firmeza aos nicolaítas.

Jesus incentiva os cristãos de Pérgamo a se opor às transigências com o paganismo e os adverte de que, caso não se arrependessem, viria até eles com “a espada de dois gumes” do juízo em Sua boca (v. 12, 16).

Da mesma forma que Balaão foi morto à espada (Js 13:22), os nicolaítas seriam julgados. O único modo de evitar essa destruição seria por meio do arrependimento, dando uma reviravolta decisiva em seu relacionamento com Cristo.

Além do maná escondido, que é “o pão dos anjos” (Sl 78:25), Cristo promete aos vencedores que Ele substituiria os certificados de prática comercial emitidos por Roma, ao qual não tinham acesso por se recusarem a adorar o imperador, por pedras brancas com um novo nome inscrito.

Essas pedras concederão privilégios muito superiores a qualquer prazer pagão. A igreja de Pérgamo simboliza profeticamente a terceira fase histórica da igreja, a partir de 313 d.C. Naquele ano, marcado pela conversão de Constantino, o Grande, os cristãos deixaram de temer a perseguição ou a pressão externa. No entanto, as transigências ainda assolavam a igreja à medida que filosofias e costumes pagãos se infiltraram, substituindo aos poucos a Bíblia como fonte de ensino e crença. Ao passo que muitos permaneceram inabalavelmente fiéis, o 4° e o 5° séculos testemunharam declínio espiritual e apostasia à medida que a igreja lutava contra a tentação das concessões impróprias.

Tiatira

A cidade de Tiatira abrigava muitas associações comerciais locais. Em lugar de templos ou centros administrativos, era a menos importante das sete cidades mencionadas no Apocalipse. Essas associações controlavam as numerosas profissões existentes na cidade, e não era permitido ter um negócio sem ser membro de uma delas. Contudo, cada associação tinha um deus padroeiro e fazia festas em homenagem a ele, muitas vezes acompanhadas de atividades imorais, como por exemplo a prostituição ritual.

A recusa em participar resultava em consequências terríveis, sanções severas ou expulsão das associações. Essas penalidades eram um desafio significativo para os cristãos do l° século.

Para Tiatira, Jesus Se apresenta como o Filho de Deus. Seus olhos flamejantes simbolizam Sua habilidade de ver a parte mais íntima dos seres humanos (Ap 2:23) – sondando a mente e o coração (o centro da inteligência) -, uma capacidade que pertence somente a Deus (Jr 17:10). Os pés de bronze polido enfatizam Sua posição intransigível contra as influências sedutoras dentro da igreja.

Cristo descreve a igreja de Tiatira como amorosa, fiel, voltada para o serviço e perseverante. Em contraste com Éfeso, suas obras posteriores de amor são maiores do que as primeiras. No Novo Testamento, amor e fé andam juntos (Gl 5:6; Ef 1:15; 1Ts 3:6). Além disso, o serviço é resultado do amor, e a perseverança é produto da fé (Cl 1:23; 2Ts 1:3, 4).

Entretanto, possivelmente, Tiatira tolerasse uma mulher influente, a quem Jesus dá o apelido de Jezabel, que também pode ser entendida simbolicamente.

No Antigo Testamento, Jezabel foi a famosa rainha esposa de Acabe que levou Israel à apostasia (1Rs 16:31-33). De maneira semelhante aos nicolaítas, essa “Jezabel” afirmava ser profetisa de Deus, alegando que não havia problema os cristãos cumprirem as exigências das associações comerciais (Ap 2:20) e aceitar “comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (v. 14). Sua influência levou muitos a transigirem com o paganismo.

A prostituição espiritual de Jezabel é precursora da Babilônia, a grande meretriz, que, no tempo do fim, seduzirá os líderes mundiais para o serviço a Satanás (Ap 17:1-7). Uma vez que a atuação da prostituta ocorre na cama, é no leito que Jezabel e seus consortes – aqueles que aceitam seus ensinos – serão julgados (ver Ap 2:22). Jesus trará grande aflição a estes e à sua descendência caso não se arrependam, enfatizando a gravidade de seus atos.

Ao remanescente que não experimentou o conhecimento oculto de Jezabel, Jesus promete não aumentar seus fardos, exortando-o simplesmente a conservar o que têm. Além disso, promete aos fiéis uma parte de Sua vitória, concedendo-lhes “autoridade sobre as nações” (Ap 2:26, 27).

Também lhes dá a estrela da manhã, um símbolo de Jesus (Ap 22:16). Tudo isso quer dizer que Cristo, em última instância, dá a Si mesmo, o maior presente de todos.

A igreja de Tiatira simboliza a igreja cristã de 538 a 1565 d.C. Durante a idade média, a igreja enfrentou perigos que não vinham de fora, mas de dentro. Aqueles que alegavam ter autoridade divina colocaram a tradição acima das Escrituras. Um sacerdócio humano e relíquias sagradas substituíram o sacerdócio de Jesus, e as obras se tornaram o meio para obter a salvação. Aqueles que defendiam a fé bíblica enfrentavam perseguição severa e morte.

Sardes

Sardes tem uma história esplêndida. Seis séculos antes do Apocalipse ser escrito, era uma das maiores cidades do mundo, a capital do opulento reino lídio. Era conhecida como o centro comercial das indústrias têxteis, de tingimento e lã, oferecendo a seus cidadãos um estilo de vida luxuoso.

Localizada em um morro bem íngreme e com apenas uma rota de acesso, consistia em uma fortaleza natural. Compreensivelmente, seus habitantes tinham excesso de confiança e vigiavam mal os muros da cidade, quando o faziam. Em razão disso a cidade foi capturada de surpresa em duas ocasiões, primeiro por Ciro, o Grande (547 a.C.), e posteriormente por Antíoco III (214/213 a.C.). Em ambas as ocasiões, soldados inimigos escalaram o precipício à noite e encontraram os muros sem vigilância, invadindo depressa aquela cidade arrogante e sem defesa.

O tom de Jesus é alarmante e severo desde o princípio, dando apenas repreensões. Elas não dizem respeito a nenhum pecado específico, mas à complacência e letargia espiritual. Apesar da reputação que` a igreja tinha de estar viva, Ele a encontra espiritualmente morta, refletindo uma cidade que sobrevivia da reputação passada. As obras de Sardes não estavam à altura daquilo que Deus esperava, pois careciam do poder transformador do evangelho (Ap 3:2). Suas concessões ao ambiente pagão haviam de fato matado sua espiritualidade e seu testemunho.

Jesus incentiva a igreja a se manter alerta, lembrando como ela ouvira e aceitara o evangelho no início (v. 2, 3). A única maneira de reacender a devoção a Deus seria mantendo vivas na mente as experiências passadas, aplicando-as ao presente. O arrependimento resultante tiraria seus membros da letargia e, pelo Espírito de Deus, daria uma nova energia a seu amor e devoção.

Caso, porém, os cristãos de Sardes não se arrependessem, Jesus viria inesperadamente a eles em Juízo, como um ladrão no meio da noite. Se a igreja não vigiar, seu destino espelhará a história da cidade, conquistada duas vezes de maneira inesperada, por falta de vigilância. De maneira semelhante, Cristo a visitará em juízo e, caso fracasse em permanecer alerta, será tarde demais para se arrepender (v. 3b).

Entretanto, nem todos estavam espiritualmente mortos. Alguns mantiveram suas vestes limpas, sem vestígios de` paganismo (v. 2, 4). Jesus promete que essas pessoas são dignas de andar com Ele vestidas de branco, o que simboliza a fidelidade delas para com Ele. O cumprimento dessa promessa é apresentado em Apocalipse 7:9 a 17. Ao vencedor, Cristo dará vestes brancas e promete não apagar seu nome do Livro da Vida, confessando-o perante o Pai e Seus anjos.

A mensagem da igreja de Sardes simboliza profeticamente o período da Reforma Protestante, de aproximadamente 1565 a 1740. Durante esse período, a igreja passou pela Escolástica Protestante, que sucedeu as renovações trazidas pe]a Reforma, mergulhando a igreja em um formalismo sem vida. Cada vez mais, as pessoas se concentraram em polêmicas e controvérsias doutrinárias, degenerando para um estado de letargia espiritual.

No fim, a maré crescente de racionalismo filosófico e secularismo subjugou a graça salvadora do evangelho, dando lugar ao racionalismo e a argumentos teológicos. Apesar da aparência de vitalidade, a igreja estava, na verdade, morta.

Filadélfia

Filadélfia era uma cidade próspera que ficava na estrada imperial, a qual conectava todas as partes do oriente com o ocidente. Desde o princípio, havia a intenção de que Filadélfia fosse uma cidade missionária de promoção da língua e cultura grega para todas as áreas da Lídia e da Frígia, mas sua localização geográfica a sujeitava a terremotos ocasionais.

O mais grave de todos aconteceu por volta de 17 d.C., devastando Filadélfia, Sardes e outras cidades próximas.

O discurso de Jesus a Filadélfia é rico em alusões ao AntigoTestamento: “o Santo” é uma descrição de Deus (Ap 3:7; cf. Is 43:15; 54:5; Hc 3:3), bem como uma designação do Novo Testamento para Jesus (Mc 1:24; Jo 6:69).

A posse da chave de Davi consiste em uma alusão a lsaías 22:22. Jesus é Aquele que possui plena autoridade e acesso aos depósitos celestiais, explicando porque é capaz de fazer promessas grandiosas a Sua igreja.

Em contraste com Sardes, Filadélfia não recebe repreensão nenhuma. Seus membros guardavam as palavras de Jesus e não O negavam (Ap 3:8b).

Assim como os habitantes de Esmirna, eles também sofriam com a oposição dos judeus, mas Cristo garante à igreja que estava lidando com seus adversários. Está chegando o dia em que aqueles que lhe causam dano serão forçados a admitir que Deus está com Sua igreja.

Essa congregação, porém, não era espiritualmente forte. Como Sardes, sofria a influência do ambiente pagão no qual estava inserida, o qual impactava de forma significativa sua vida espiritual e testemunho. Apesar de sua fraqueza, Cristo promete lhes abrir uma porta de oportunidades. Quando Ele abre essa porta, nem todo o poder do inimigo é capaz de fechá-la.

Jesus também prometeu preservar os filadelfenses durante o período de provação severa que sobreviria aos ímpios, a “hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra” (Ap 3:10). Apesar da aproximação de momentos difíceis, Cristo promete proteger Seu povo fiel durante esse período de prova. Tudo o que Ele pede é que permaneçam firmes diante da pequena chama de fidelidade que possuem. Caso façam isso, nem Satanás, nem seres humanos serão capazes de tirar a coroa da vitória que lhes foi reservada.

Os vencedores recebem a promessa de se tornar colunas permanentes – símbolos da igreja do Novo Testamento (1Tm 3:15) – no templo da nova Jerusalém, com o nome de Deus, da nova Jerusalém e de Jesus escrito neles. Os fiéis recebem a promessa de permanecer sempre na presença de Deus e servi-Lo em Seu templo (Ap 7:15).

A mensagem à igreja de Filadélfia simboliza profeticamente a situação do cristianismo ao longo dos séculos 18 e 19, período caracterizado por um grande reavivamento do protestantismo. Diversos movimentos revitalizaram a fé genuína na graça salvadora de Cristo, resultando em uma restauração do espírito de comunhão e sacrifício pessoal cristãos. Durante essa época, a igreja foi impulsionada por um desejo genuíno de levar o evangelho ao mundo inteiro. Ao longo desses anos, houve uma circulação mais significativa do evangelho do que nunca antes.

Laodiceia

Por causa de sua localização favorável na principal estrada comercial entre Éfeso e a Síria, Laodiceia era um dos grandes centros comerciais do mundo antigo. Sua riqueza provinha, em grande parte, da luxuosa lã negra usada para fabricar roupas, bem como de sua posição como importante centro bancário, armazenando grandes quantidades de ouro.

Laodiceia também ostentava uma escola de medicina que produzia um unguento para os olhos, feito com pó da Frígia misturado com óleo.

A cidade era tão rica que rejeitou auxílio imperial após ser devastada por um terremoto em 60 d.C., explicando que a ajuda era desnecessária. De fato, o único revés foi a falta de água, a qual era levada até a cidade por meio de um aqueduto de quase 10 km de extensão. Abastecida tanto por uma fonte termal quanto por água gelada das montanhas, a cidade ganhou a fama de ter água morna.

Laodiceia está em uma condição tão ruim que Jesus não tem nada de positivo para dizer a respeito dela. Apesar da ausência de acusações específicas de pecado, apostasia ou heresia, nenhuma outra igreja recebe uma repreensão tão severa da parte de Cristo. Ele compara o suprimento de água da cidade aos membros, nem agradavelmente frios, nem quentes, mas mornos. Por esse motivo, Jesus estava prestes a vomitá-Ios da boca (Ap 3:16).

A igreja reflete a complacência de uma cidade cheia de si. Crendo que a riqueza é um sinal de favor divino, por isso não sente necessidade alguma.

Infelizmente, sua riqueza material não se traduz em riqueza espiritual. Pelo contrário, os cristãos de Laodiceia acabam experimentando o efeito oposto. Nesse caso, a palavra grega para “pobre” (ptochos) significa pobreza extrema. Além disso, a falta de consciência da própria condição os deixou espiritualmente cegos. Que irônico para uma cidade conhecida por tratamento para os olhos! Jesus aconselhou a igreja a comprar três coisas dEle. A primeira é ouro refinado pelo fogo, o que tornaria os laodicenses verdadeiramente ricos – um símbolo da fé testada e provada (1Pe 1:7). Em segundo lugar, Cristo oferece vestiduras brancas para cobrirem a nudez – um símbolo da salvação (Ap 3:4-6; 7:9, 13, 14; Is 61:10) e de um relacionamento correto com Deus (Ap 3:4). Por fim, oferece colírio para curar os olhos, a fim de conseguirem enxergar com precisão a própria condição e o valor da herança que Jesus torna disponível a eles (cf. Ef 1:17, 18). O fato de que esses itens não estão disponíveis de graça indica que os habitantes de Laodiceia precisariam dar algo em troca por aquilo que necessitavam. Deveriam entregar o orgulho, a complacência e a autossuficiência, a fim de receber as riquezas de Cristo.

Jesus não desiste deles e faz todo o possível para que reconheçam sua condição e quebrem as correntes da autossuficiência. O único remédio é o arrependimento verdadeiro e um novo começo com Cristo. Jesus conclui Seu apelo com a imagem emocionante ‘de Sua presença batendo à porta (Ap 3:20; cf. Ct 5:2-6), De repente, Cristo passa a falar aos indivíduos da igreja. Aqueles que abrirem a porta desfrutarão um jantar especial com Ele, indicando um relacionamento profundo e pessoal.

Em geral, o número de promessas é proporcional ao declínio da condição espiritual da igreja. Mas Laodiceia só recebe uma promessa: sentar-se no trono com Jesus. Entretanto, essa promessa, que se cumprirá quando Cristo voltar à Terra (Ap 20:4-6), abrange todas as outras. Sentar-se com Jesus no trono é ter tudo.

A atitude morna e autossuficiente de Laodiceia anuncia profeticamente a condição da igreja desde l844 até a volta de Jesus. Lutamos para ter autenticidade e fazer mais do que apenas deixar a vida nos levar. O tempo é urgente. Enfrentamos tumulto político, religioso e secular de uma forma mais experimentada por qualquer geração anterior. A advertência de Cristo a Laodiceia é uma mensagem direta para nós e tem desdobramentos abrangentes para todos que vivem no fim da história da Terra.

Referências

imagens: Infográficos Infolição e Entenda as Grandes Profecias de Daniel e Apocalipse

1Plínio menciona Patmos como um local de exílio (National History 4.23.11). Ver lrenaeus, Against Heresies 5.30.3. Eusébio Eclesiastical History,3.18-20).

2 Ver Davíd E. Aune, Revelation 1-5, Word Biblical Commentary (Dal[as, TX: Word Books, 1997), v. 52 a, p. 104-115.

3 Ver Phi[ip Schaff, ftj.s£ory o/£4e C4r4.síg.cz# CÃ#ncÁ, 3Ê ed. (Nova York; Charles Scribner’s Sons, 1910), v. 1, p. 13-20,

4 Irenaeus, Against Heresias 1.26,3; 3.11 (The Anti-Nicene Fathers eds. A. Roberts; J. Donaldson [Nova York, NY. Charles Scribner’s Sons,1913], v.1, p. 352, 426-429); Hippolytus of Rome, 77# Refutation of All Heresles 724 (The Ante-Nicene Fathers, eds A. Roberts, J. Donaldson Nova York: Charles Scribner’s Sons,1919]), v. 5, p.115.

5 Ver William Barclay, The Revelation of John, The Daily Study Bible, 2Ê ed. (Filadélfia, I’A: Westminster John Knox Press, 1976), v. 1, p. 76-78.

6 William Ramsay, The Letters to the Seven Churches, 2a ed. (Peabody, MA: Hendrickson, 1994), p 214.

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2 respostas para Ano Bíblico 2021 – 141° Dia – O Apocalipse de João: O Povo de Deus nas Cidades – Comentário Dr. Ranko Stefanovic

  1. Silvia diz:

    Que estudo mas deleitoso. É maravilhoso demais. Obrigado por nos proporcionar esses conhecimento da palavra do nosso SENHOR JESUS CRISTO.

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