Quem Se dirige pessoalmente a igreja de Laodiceia?– Comentário do Teólogo e pastor Ezequiel Gomes

Você pode baixar o arquivo em pdf desse precioso livro, cedido pelo autor. Recomendamos fortemente a leitura de toda a obra.

O livro de Apocalipse nos é apresentado como uma “revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu” (Apocalipse 1:1), e que foi transmitida a João através de um mensageiro celestial. O livro é profundamente interessante e importante para todos os cristãos. O personagem que origina e carrega a mensagem ao anjo da igreja de Laodiceia (3:14-22) é o mesmo personagem que se direciona a todas as igrejas anteriores (cf. 1:12-18). Esse personagem se autodescreve usando imagens retiradas da visão de Apocalipse 1:4, 5, 12-20 como: “Aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos candeeiros de ouro” (2:1; cf. 1:13, 16); “o primeiro e o último, que esteve morto e voltou a viver” (2:8; cf. 1:18); “Aquele que tem a espada afiada de dois gumes” (2: 12; cf. 1:16); “o Filho de Deus, que tem os olhos como chamas de fogo e os pés semelhantes ao bronze polido” (2:18; cf. 1:14, 15); “Aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas” (3:1; cf. 1:4, 16); “o santo, o verdadeiro, Aquele que tem a chave de Davi” (3:7; cf. 1:5; 3:14); e “o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus” (3:14; cf. 1:5). Portanto, inequivocamente quem se dirige às igrejas é o Cristo ressurreto e glorificado. Vamos agora analisar mais detidamente os três títulos cristológicos presentes em Apocalipse 3:14.

O Amém

A palavra “amém” carrega a ideia daquilo que é verdadeiro, firme- mente estabelecido e digno de confiança. Essa era uma palavra comum aos adoradores do Antigo Testamento que participavam de uma doxo-logia,1 fazendo sua própria confirmação em relação àquilo que ouviram em uma reunião com propósitos espirituais (1Cr 16:36; Sl 106:48). O amém é um enfático “sim” como resposta afirmativa a uma ideia, oração ou doxologia (Romanos 1:25; 9:5; 16:27; Gálatas 6:18; Apocalipse 1:7; 5:14; 7:12; 19:4).

Precedido pelo artigo definido, o amém se tornou a personificação do Deus da verdade (Isaías 65:16; cf. 2Corintios 1:20).2

Jesus toma esse título para Si mesmo, e esse é o único lugar em todo o texto bíblico onde a palavra “amém” isoladamente é um nome próprio, e nessa única ocasião “ela se refere ao nome de Cristo”.3 Cristo é a “última palavra de Deus” (cf. Hebreus 1:1-2), a palavra final, escatológica, a plena revelação (Jo 1:18). Amém é uma palavra que comumente carrega conotação “de conclusão ou cumprimento (2Coríntios 1:20)”.4

Em Cristo todas as promessas de Deus são cumpridas. A descrição de Cristo como o amém é “uma descrição única”5 e bastante apropriada para designar Aquele que é a verdade em sentido absoluto (João 14:6).

Estudiosos do texto bíblico concluem que “Cristo é o amém no senti- do de que Ele é o Deus da verdade encarnado”,6 e que, assim sendo, “Cristo é a encarnação da fidelidade e da verdade de Deus”.7

Isso nos conduz a pensamentos profundos e sublimes sobre a identidade dAquele que se dirige às suas igrejas como alguém que as “conhece” (Apocalipse 2:2, 9, 13, 19; 3:1, 8, 15).

Ele é alguém que conhece todas as coisas (1Jão 3:20; cf. João 2:25). Cristo é a verdade, o amém, e, “como tal, Sua mensagem aos laodicenses deve ser aceita sem ser colocada em dúvida”.8

Isso é extremamente importante no caso da igreja de Laodiceia, que certamente será tentada a duvidar do diagnóstico espiritual que o Senhor tem a lhe oferecer: “Pois dizes: estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (Apocalipse 3:17, grifo nosso).

Tal realidade dificilmente seria encarada com aceitação tranquila e imediata por parte de uma igreja descrita como estando tão profunda- mente envolvida em sua própria ilusão. Essa pode ser a razão pela qual Cristo, para desmascarar definitivamente todas as pretensões do engano de Laodiceia, Se apresenta sob o título de “o amém”,9 como forma de evocar a mais alta autoridade do universo (Mateus 28:18) e demandar uma extrema seriedade na consideração de Seu juízo sobre a condição de tal igreja (Apocalipse 3:15-17), e sobre como essa condição poderia ser vencida (3:18-20), bem como sobre quais seriam os destinos de perdedores(3:16) e vencedores (3:21) no conflito contra a mornidão.

A mornidão é a característica negativa mais específica, singular e enfatizada na mensagem à Laodiceia e resume todas as facetas de seu autoengano, mas Cristo é fiel (1Tessalonicenses 5:24) e “sua imutável fidelidade como ‘o amém’ contrasta com os propósitos vacilantes ‘nem frios nem quentes’ da última igreja do Apocalipse”.10 O amém é também um título de Cristo conectado intimamente com título seguinte que vamos analisar a seguir.

A testemunha fiel e verdadeira

A descrição de Jesus Cristo como a “testemunha fiel e verdadeira” indica que Cristo conhece todas as realidades referentes à Sua igreja em cada pormenor particular, e significa também que todos os Seus testemunhos, juízos e promessas são verdadeiros em sentido absoluto. Cristo é o Verbo (João 1:1; cf. Apocalipse 19:13), o pensamento de Deus tornado audível e visível (cf. Hebreus 1:3), e isso é a verdade (João 17:17; cf. 14:6).

Cristo não é somente a testemunha fiel e verdadeira da Palavra de Deus, mas também o esquadrinhador dos “pensamentos e desígnios do coração”. E o evangelho afirma que Cristo, mesmo antes de ser glorificado, “não precisava que alguém Lhe desse testemunho a respeito do homem, porque Ele mesmo sabia o que era a natureza humana” (João 2:25, grifo nosso). E agora adicione a isso Sua glorificação (João 17:15; cf. 7:39) e você será capaz de vislumbrar a seriedade que as afirmações de Cristo evocam em um mundo tão rebelde contra Deus até o ponto de praticamente não haver nele “verdade” (Oséias 4:1).

Tudo aquilo que Jesus Cristo fala, entretanto, é indubitavelmente verdade, e no fim do Apocalipse nós lemos a afirmação: “Essas palavras são fiéis e verdadeiras” (Apocalipse 21:5; 22:6),11 e isso obviamente inclui tudo o que ele afirma sobre Laodiceia. Essa fidelidade e veracidade de Cristo como testemunha são “particularmente relevantes em uma carta para os infiéis laodicenses”12 e são invocadas de antemão para envergonhar qualquer tentativa de se negar o que será dito muito em breve.

Antes de prosseguir, porém, Cristo deseja estabelecer Sua identidade e autoridade de forma ainda mais ampla, e o faz através do terceiro e último título com o qual Ele Se apresenta à última igreja do Apocalipse.

O princípio da criação de Deus

Esse é o título mais polêmico atribuído a Cristo nessa passagem, e muito se pode dizer a respeito dele de forma que seu sentido fique claro para nós. Por exemplo, Paulo exortou que a carta que ele escrevera aos colossenses fosse lida em Laodiceia (Colossenses 4:16). Nela, Paulo desenvolve uma cristologia madura e distingue a Cristo como “a imagem de Deus, o primogênito de toda a criação”. Ensina que tudo foi criado “por meio dele e para Ele”, sendo Ele antes de todas as coisas e tudo nEle subsistindo. Também se afirma que “aprouve a Deus que nEle residisse toda a plenitude” (Colossenses 1:15-19), e que em Cristo “habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2:9). Todas essas verdades estão contidas de forma resumida notítulo “o princípio da criação” em Apocalipse 3:13.

O título primogênito de toda a criação em Colossenses 1:15 “aponta para a exaltada posição de Cristo como o Rei supremo do universo” e não é uma expressão que sugira por si mesma, ou de forma irrefutável, “que Ele tenha emanado do Pai ou tenha sido criado por Deus em algum ponto da eternidade passada”.13 Além do mais, o termo “princípio” não precisa necessariamente ser traduzido no sentido passivo, o que implicaria em que Cristo foi criado por Deus, mas pode perfeita e legitimamente ser traduzido no sentido ativo, significando que Cristo é o principal agente ativo da criação de Deus, ou seja, o próprio agente Criador (cf. João 1:3; Atos 3:15). Portanto, o título “o princípio da criação” apenas enfatiza “a proeminência de Cristo sobre todas as criaturas de Deus”14 como fonte de sua existência.

Jesus, portanto, é Aquele através de quem e para quem todas as coisas existem, e aqui está o fundamento mais básico para explicar de onde vem Sua autoridade para repreender e disciplinar aqueles que estão em qualquer erro (Apocalipse 3:19). Além disso, Ele o faz porque ama Sua criaturas iludidas e falhas e não permite que elas tomem caminhos de morte pensando ser caminhos direitos (Provérbio 14:12; 16:25), sem avisá-las do terrível perigo em que elas estão.

Antes, Ele as repreende com amor e seriedade para que “se convertam e vivam” (cf. Ezequiel 18:31-32).

Cristo é o legítimo autor e possuidor de todas as coisas, e Laodiceia despreza essa realidade ao se imaginar “rica e abastada, e sem nada precisar” (Ap 3:15) em nome de sua própria prosperidade. Entretanto, esse desprezo, além de ilusório e pecaminoso, é justamente um dos principais fatores que lhe impedem de conhecer sua real condição miserável e deplorável. No entanto, à igreja enganada é dada a oportunidade inigualável de conhecer ao Senhor que unicamente a pode livrar da condenação de sua ilusão de autossuficiência (3:18, 21). Mas quem são os laodicenses descritos em termos tão negativos?

A quem se destina a Mensagem Profética de Apocalipse 3: 14 – 22?

Os laodicenses originais eram os primeiros cristãos da cidade de Laodiceia, na Ásia Menor, ainda que a mensagem profético-apocalíptica possa ter em mente um público-alvo mais amplo além daquelas pessoas.

Ranko Stefanovic nos diz que “o livro de Apocalipse afirma ser uma profecia (1:3; 22:7, 10, 18-19) e como tal deve ser abordado”.15 E conclui que “a mensagem de um profeta ao povo de seu tempo também se estende para além do seu próprio tempo”.16

A região da Ásia Menor, onde estavam situadas as sete igrejas incluídas na profecia do Apocalipse (Ap 1:11), abrigava outras importantes igrejas cristãs. As igrejas de Colossos17 e de Hierápolis, por exemplo, são mencionadas no Novo Testamento (Cl 1:2; 4:13), e o fato de não figurarem na profecia das sete igrejas do apocalipse pode implicar que Cristo usou um critério de seleção18 para a inclusão das igrejas que haveriam de receber essa mensagem profética/apocalíptica de Sua parte como Senhor glorificado.

Segundo alguns estudiosos, a existência de um critério de seleção pode implicar na escolha de igrejas que estariam aptas para ilustrar e/ou tipificar “a condição da igreja como um todo, na era apostólica, e (posteriormente) por toda a história cristã”.19

Paulien observou paralelos entre a linguagem da mensagem direcionada à igreja de Laodiceia (Ap 3:17-18) e a última advertência dirigida ao povo de Deus em conexão com a batalha do Armagedom (Ap 16:15). Os conceitos-chave em paralelo, presentes em ambas as profecias, são: vestiduras, nudez e vergonha.20 Isso pode indicar que talvez João tenha usado a mesma linguagem da profecia feita a Laodiceia para descrever a mensagem final ao povo de Deus no fim do tempo, na última batalha. Assim é que alguns acreditam que a igreja de Laodiceia, a última na ordem da profecia das sete igrejas, está relacionada com o último período da história do mundo.21

Por outro lado, pode-se perceber que as visões do Apocalipse, dentre elas as mensagens proféticas dirigidas às sete igrejas nos capítulos 2 e 3, “oferecem esboços históricos de amplitude universal”.

E é “por isso que a interpretação dessas visões apocalípticas deve respeitar a extensão cósmica iniciada na própria época dos escritores, mas que conduz o leitor até o fim”.22 Ou seja, não necessariamente estamos tratando com um cronograma profético da história ilustrado na seleção e sequência entre as sete igrejas, mas todas as mensagens são relevantes em todo o tempo para todas as igrejas.

Baseados nesses princípios podemos concluir, junto com Stefanovic, que as mensagens às sete igrejas têm significação tanto para as igrejas locais às quais a profecia foi dirigida primariamente, como para a igreja universal, e também para cristãos individuais, em qualquer lugar como em qualquer momento da história da igreja. Elas são dirigidas a todos que têm ouvidos e estão dispostos a ouvir o que o Espírito diz às igrejas (Ap 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22).23

A mensagem à igreja de Laodiceia é uma denúncia pesada e certamente permanece aplicável ao povo de Deus no tempo presente, ou, no mínimo, a uma parte desse povo até os dias de hoje. Dessa forma, na ausência de um critério prévio para definir destinatários diretos da repreensão, todos os que afirmam ser cristãos deveriam se interessar por ela e escrutinar seu próprio coração na presença do Senhor em razão de sua força incisiva. A mensagem para Laodiceia deve ir a todas as igrejas, especialmente àquelas que têm tido grande luz espiritual e teológica, mas não têm andado nela na prática da fé que atua pelo amor.

De acordo com as considerações acima, a mornidão característica de Laodiceia não deve ser interpretada simplesmente como sendo um aspecto peculiar ou específico de uma igreja no primeiro século de forma isolada, como se não tivesse relevância à igreja que vive ou viverá no último período da história, antes da volta de Jesus. A profecia também não aponta de forma objetiva a uns poucos cristãos individuais vivendo em meio à comunidade cristã de forma geral, mas deve abarcar, pelo menos potencialmente, todos que afirmam ser cristãos, em todas as eras da igreja, até o tempo em que o Senhor retorne nas nuvens do céu.

O Remédio de Laodicéia

[…] A ideia da mornidão, […] esconde complexidades interessantes, profundas e instigantes, capazes de desmascarar tantos problemas e pecados em sua simplicidade, que ficamos maravilhados com a amplitude potencial da repreensão de Jesus Cristo para cada um de nós e para nossas igrejas.

Em grande medida, toda a discussão sobre o sentido do termo mornidão pode ser resumida no conceito de pecado, uma vez que são os pecados da igreja que estão sendo escancarados a fim conduzir o povo de Deus à compreensão de sua situação espiritual com vistas à cura de graves e perigosos problemas espirituais. Especialmente no ponto em que não estão sendo discernidos correta e seriamente pelas pessoas a quem se dirige.

A forte repreensão explícita no texto, porém, nasce do amor de Jesus Cristo por aqueles a quem Ele comprou com Seu próprio sangue (cf. Apocalipse 3:19). Não há por trás dessa mensagem um espírito desejoso de massacrar a igreja com o quadro aterrador dos problemas espirituais que se manifestam em seu seio. Nem é a igreja deixada sozinha ou sem orientação específica sobre como encarar o problema e superá-lo, ainda que nada na profecia indica que esse processo seja fácil ou isento de lutas e dificuldades.

Em resumo, a igreja de Laodiceia deve levar muito a sério o que Jesus diz. Ele é o Amém, a testemunha fiel e verdadeira e o princípio da criação de Deus. O Senhor afirma explicitamente “conhecer” a situação tal qual ela é a partir da manifestação das obras da igreja morna, e elas não Lhe parecem positivas.

Jesus então evoca a imagem da mornidão e afirma estar a ponto de vomitar Laodiceia de Sua boca em função dela, o que demonstra a seriedade de uma situação limite onde a paciência do Deus longânimo parece estar muito perto de se esgotar (cf. Êxodo 34:6; 2Pedro 3:9), como se Cristo estivesse cansado (cf. Jeremias 15:6).

O ponto primordial do problema é a absoluta disparidade entre a realidade e o julgamento de Laodiceia a respeito de si mesma. Ela se percebe rica, abastada e plenamente autossuficiente enquanto Jesus a percebe como infeliz, pobre, cega e nua.

Quando o texto parece não dar mais margem à esperança na situação, eis que Cristo gentilmente “aconselha” Laodiceia a tomar atitudes aparentemente simples, mas das quais depende seu destino eterno. Ele usa as metáforas de comprar ouro refinado pelo fogo para se enriquecer realmente, vestir roupas brancas para que não seja manifesta a sua nudez vergonhosa e ungir os olhos com o colírio que unicamente permite ver.

Naturalmente, se a análise do termo mornidão nos permitiu desenvolver um amplo quadro do problema, uma atitude análoga entre as metáforas usadas para indicar a solução do problema poderiam facilmente ser tratadas na mesma amplitude. Mas dados os limites de espaço e tempo, bem como as intenções por detrás deste livro, vamos nos contentar com a indicação das principais questões em torno das imagens.

Todas as metáforas negativas e positivas na profecia de Jesus Cristo à última igreja do Apocalipse fazem referência à Laodiceia histórica.

A cidade rica financeiramente, famosa por seus tecidos e por sua escola de medicina e seu colírio renomado, agora vê-se diante de um quadro onde não se deve deixar enganar pelas aparências.

Ouro Refinado pelo Fogo

Na parábola do semeador, Jesus já havia alertado que a fascinação das riquezas e demais ambições, junto com as preocupações do mundo, sufoca a palavra, deixando-a infrutífera (Marcos 4:19). Nada poderia ser pior para um cristão e uma igreja do que se verem diante do cumprimento dessa imagem em sua vida espiritual. Ser sufocado é, sem sombra de dúvida, experiência desesperadora e de morte, de forma que Jesus aponta para uma realidade muito forte e perigosa ao tratar do assunto.

Há muito que se poderia dizer a esse respeito, mas o foco é que Laodiceia provavelmente estava confusa sobre a natureza da verdadeira riqueza. Em sua má análise da realidade via na prosperidade mundana um sinal de uma riqueza na relação com Deus que simplesmente não existia.

Laodiceia estava perto de “ganhar o mundo, mas perder a alma” (cf. Marcos 8:36-38). Jesus não poderia ficar indiferente à situação e expõe a pobreza de Laodiceia ao lado da solução: comprar dEle ouro refinado no fogo para enriquecer genuinamente.

Um amplo chamado à reavaliação do que seja a verdadeira riqueza indica que Jesus Cristo deseja que Laodiceia esteja disposta a reavaliar suas convicções à luz da Revelação. Não há outra forma de ser verdadeiramente rico para com Deus, que certamente deseja nos conduzir ao amadurecimento da fé e do amor, em Cristo Jesus (Efésios 4:13; Hebreus 5:11– 6:3). A satisfação com o que já foi alcançado, especialmente quando isso representa “pouca coisa”, é perigosa, e quando a pobreza do que já foi atingido é entendida como “riqueza”, aí Jesus precisa intervir para dar a direção correta.

Um alerta muito interessante sobre esse tópico tem que ver com o contexto atual da igreja cristã, muitos séculos após o contexto imediato da existência da igreja de Laodiceia. Vivemos um momento da história do mundo em que temos riquezas e confortos jamais sonhados pelos antigos em inúmeras direções, ao mesmo tempo que temos problemas complexos em função de toda a exploração do meio ambiente para o sustento de nosso rico estilo de vida. Nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais sonhou em andar de carro ou avião, ou de falar em um celular e acessar a internet, realidades normais mesmo entre pessoas consideradas pobres no século 21.

Além disso, a igreja cristã hoje tem posse de um tesouro gigantesco em termos de teologia que remonta a séculos de estudo da parte de cristãos comprometidos com a Palavra de Deus em diversas áreas do pensamento. Ainda assim, a igreja atual continua sendo assolada por heresias e má compreensões teológicas da Palavra de Deus em função de apego ao erro ou falta de aprofundamento na verdade, o que claramente reflete o problema da mornidão em ampla medida.

A imagem do tornar-se realmente rico através do ouro purificado no fogo, comprado da pessoa de Jesus, ressoa fortemente a ideia de que a fé é “muito mais preciosa que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo” em 1 Pedro 1:7. O ponto principal da metáfora deve ser que Laodiceia precisava aprender a ponderar em que consiste a verdadeira riqueza e segurança e desistir de qualquer forma de apego a formas passageiras de riqueza e segurança, que podem decepcionar os que nelas confiam ao final da jornada (cf. Lucas 12:20-21).

Vestiduras Brancas

Jesus alertou contra a excessiva preocupação com “o que vestir”, ainda que tenha reconheça a necessidade e aponte a providência divina a respeito (Lucas 12:22, 29-30), de forma que Seu conselho de que Laodiceia comprasse vestes brancas é claramente metafórica.

Na Bíblia, é dito que devemos nos revestir do próprio Cristo e nada dispor à carne relativamente às suas concupiscências (Romanos 13:14). Isso indica que as vestiduras brancas referidas na profecia podem evocar toda a experiência de graça mediante a fé para a salvação (cf. Efésios 2:8), na qual o homem se refaz no conhecimento do Senhor (cf. Colossenses 3:10).

O tema das vestiduras brancas é recorrente por todo o Apocalipse (Apocalipse 3:4-5, 18; 7:9, 13-14; 19:14; 22:14), e sempre indica uma experiência de fé e fidelidade puras em meio às imagens de contaminação da parte dos infiéis (Apocalipse 2:20; 13; 16; 17).

Sem desejar retomar a discussão sobre o perfeccionismo que prega fanatismo em nome de santificação, é importante alertar para a ideia de que os salvos vestem branco, inclusive linho, que representa “os atos de justiça dos santos” (Apocalipse 19:8), indica, sim, uma forte imagem de pureza, santidade e santificação.

Entretanto, é importante alertar de que toda e qualquer vitória do povo de Deus no Apocalipse só ocorre em função do derramamento do sangue do Cordeiro, que nos ama (Apocalipse 12:11; cf. 1:5; 15:2-3), e não como fruto de adesão ao fanatismo perfeccionista, de qual matiz e denominação cristã seja. Além disso, o próprio profeta da Revelação é descrito pecando ao final do livro (cf. Apocalipse 22:8-9), demonstrando na prática que os crentes, na mentalidade apocalíptica, não são seres absolutamente sem pecado, mas revestidos da justiça de Jesus (cf. 2Coríntios 5:21) em contexto de graça (Apocalipse 22:21).

Colírio para ungir os olhos

A última imagem, sem prejuízo das anteriores, é provavelmente a mais importante e aponta para a premente necessidade de discernimento (cf. Efésios 3:3-4), que é o foco do problema do autoengano da parte de Laodiceia.

O discernimento correto da verdade cristã e do que Deus espera de cada pessoa e de cada igreja em particular só pode ser realmente desfrutado em conexão com a obra do Espírito Santo. Unicamente essa obra pode guiar em toda a verdade (João 16:13), sempre conectada à pessoa de Jesus Cristo (Apocalipse 14:6) e à Palavra/ lei de Deus (Apocalipse 17:17; cf. Salmo 119:142).

Dessa forma, o que realmente Laodiceia precisa é mais do Espírito Santo, mais de Jesus Cristo, mais da Palavra e da lei de Deus, e menos de si mesma, especialmente nas coisas em que ela se demonstra totalmente disposta a se iludir sobre sua condição espiritual e seu destino correspondente.

A solução, afinal, até que parece simples demais para a complexidade dos problemas identificados na imagem da mornidão. Mas, ao final das contas, tudo não passa de uma manifestação específica, ainda que bastante ampla, do princípio bíblico que ensina ousadamente: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Romanos 5:20). Aquilo que Jesus realmente precisa é que Laodiceia simplesmente não se apegue aos seus pecados.

Através da Sua repreensão à última igreja do Apocalipse, Jesus Cristo ao mesmo tempo ilumina e disciplina um povo a fim de o conduzir de uma situação desesperadora de infidelidade ao arrependimento, em função de um convite de puro e perfeito amor (Apocalipse 3:19-20). Os resultados de uma resposta positiva da parte de Laodiceia virão na concretização do exato oposto do “ser vomitada” (Apocalipse 3:16). O fim será uma experiência de partilhar do próprio trono de Jesus Cristo (Apocalipse 3:21), onde Ele sentou-Se após Sua vitória sobre o mundo (João 16:33), o pecado (Romanos 8:2) e a morte (Atos 2:24).

Vislumbrar essas verdades e nelas crer é a maior bênção que pode atingir uma pessoa ou uma igreja. E o privilégio de conhecer a si mesmo como objeto do amor e da graça de Deus, a despeito da imensidão do pecado, é o que nos dá força para encarar o mundo, o pecado e a morte ao lado de um Salvador onisciente e todo-poderoso que prometeu: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mateus 28:20).

A história de Laodiceia contada por si mesma é uma história de profunda ilusão e pecado, cujo resultado natural é ser vomitada da boca de Jesus e condenada no tribunal divino. Mas a história de Laodiceia contada por Cristo é de repreensão e disciplina, sim, mas sobretudo de graça com vistas à imerecida salvação eterna da igreja.

Acima de tudo, meu interesse em escrever este livro foi fruto do desejo em esclarecer as questões aqui debatidas a cada leitor. Dentro do possível e dos limites de minha habilidade teológica, espero que todos e cada um tenham experimentado, através deste texto, um encontro poderoso com o Senhor cujos frutos sejam na direção do esclarecimento teológico, do perdão e da salvação. Mesmo ao leitor que se sinta indigno e pecador e esteja vivendo um período de trevas. Este livro é um testemunho de que a graça de Deus é maior do que todo pecado e mal envolvidos na mornidão.

Ao final, me despeço com um alerta teológico oportuno: bênçãos e vitórias como as descritas neste capítulo só podem ser encontradas na pura e simples graça que vem ao pecador unicamente mediante uma verdadeira, ousada e inabalável fé em Jesus, o Messias.

Referências

Introdução

1. OSBORNE, GRANDE R. Revelation. Baker Exegetical Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Baker Academic, 2002, p. 205.

1. Uma carta à última igreja

1. Uma fórmula ou frase breve expressando louvor a Deus (FREEDMAN, DAVID N.; MYERS, Allen C.; BECK, Astrid B. Eerdmans Dictionary of the Bible. Grand Rapids: Eerdmans, 2000. Ou uma conclusão engrandecendo a Deus sobre a qual todos concordam.

2. KISTEMAKER, Simon J.; HENDRIKSEN, William. Exposition of the Book of Revelation. New Testament Commentary, v. 20 (Grand Rapids: Baker, 1953-2001), p. 168.

3. MCGEE, J. Vernon. Thru the Bible Commentary. v. 5. Nashville: Thomas Nelson, 1997, p. 921. 4. YEATTS, John R. Revelation. Believers Church Bible Commentary. Scottdale: Herald Press, 2003, p. 77.

5. FOGLE, Lerry W. Revelation Explained. Plainfield: Logos International, 1981, p. 118.

6. MACARTHUR, John. Revelation 1-11. Chicago: Moody, 1999, p. 133.

7. CARSON, D. A.; FRANCE, R. T.; MOTYER, J. A.; WENHAM (Orgs.), Nuevo comentario bíblico: siglo veintiuno (Miami: Sociedades Bíblicas Unidas, 2000), Ap 3:14.

8. NICHOL, Francis D. (Ed.), Seventh-day Adventist Bible Commentary: The Holy Bible With Exegetical and Expository Comment, Commentary Reference Series. Washington, DC: Review and Herald, 1978, Ap 3:14.

9. “Esse termo [amém] é particularmente bem adaptado para nosso Senhor, que é a verdade – João 14:6, não apenas como um nome geral, mas especialmente em conexão com suas solenes afirmações aos laodicenses” (SPENCE-JONES, H. D. M. Revelation. The Pulpit Commentary. Bellingham: Logos Research Systems, 2004, p. 115).

10. JAMIESON, Robert Jamieson.; FAUSSET, A. R.; BROWN, DaviD. A Commentary, Critical and Explanatory, on the Old and New Testaments. Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997, Ap 3:14.

11. KISTEMAKER, Simon J.; HENDRIKSEN, William. Exposition of the Book of Revelation. New Testament Commentary, v. 20 (Grand Rapids: Baker, 1953-2001), p. 168.

12. YEATTS, John R. Revelation. Believers Church Bible Commentary. Scottdale: Herald Press, 2003, p. 77.

13. MUELLER, Ekkehardt. “O primogênito de toda a criação”. Disponível em: <https://bit.ly/2XFPe68>. Acesso em: 30/07/2020.

14. DAVIS, Christopher A. Revelation. The College Press NIV Commentary. Joplin: College Press, 2000, p. 134.

15. STEFANOVIC Ranko. Revelation of Jesus Christ: Commentary on the Book of Revelation. Berrien Springs: Andrews University Press, 2002, p. 90.

16. Ibid.

17. A proximidade entre Colossos e Laodiceia é testificada na Bíblia no fato de que esta última é mencionada quatro vezes na carta de Paulo aos Colossenses (cf. Cl 2:1; 4:13, 15, 16).

18. “O número sete indica também que as sete igrejas foram escolhidas como representantes de todas as igrejas” (BARTON, John; MUDDIMAN, John. Oxford Bible Commentary. Nova York: Oxford University Press, 2001, Ap 1:11).

19. NICHOL, Francis D. (Ed.), Seventh-day Adventist Bible Commentary: The Holy Bible With Exegetical and Expository Comment, Commentary Reference Series. Washington, DC: Review and Herald, 1978, Ap 1:12.

20. PAULIEN, Jon. The Book of Revelation. Bible Explorer Series. Harrisburg: Ambassador Group, 1996, audiocassete, v. 2, 3.

21. STEFANOVIC Ranko. Revelation of Jesus Christ: Commentary on the Book of Revelation. Berrien Springs: Andrews University Press, 2002, p. 90.

22. William G. Johnsson, “Apocalíptica bíblica”, em Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, ed. Raul Dederen. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011, p. 884.

23. STEFANOVIC Ranko. Revelation of Jesus Christ: Commentary on the Book of Revelation. Berrien Springs: Andrews University Press, 2002, p. 62.

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