Lendo Ellen White: Aplicação Prática aos Outros: Cuidado e Afeição – Capítulo 22

Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh

“Não julgueis, para que não sejais julgados. […] Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? […] Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.” (Mateus 7:1-5; cf. Conselhos Sobre o Regime Alimentar 295; Mensagens Escolhidas vol. 3, 294)

A cirurgia ocular é uma tarefa delicada, necessita de muito carinho e um grande amor. Desejamos que as pessoas sejam atenciosas conosco e a regra de ouro ensina que devemos ser também atenciosos para com os outros.

Segundo o sermão da montanha e o que lemos no capítulo precedente, chega um momento em que podemos ajudar os outros a distinguirem a verdade de uma maneira mais completa. Mas isto acontece apenas quando nossos corações são suavizados pela percepção de nossas próprias fraquezas e por nossa gratidão em relação a Deus que nos salvou do fundo do desespero.

Um dos grandes problemas com o qual a Igreja tem sido confrontada ao longo de sua história tem sido os que nunca conheceram o fundo do desespero. Tais “santos” geralmente têm um alto conceito de seu nível espiritual, e acham justo condenar os outros que não atingiram seu “alto” nível. Eles têm um pedigree que vem de muito longe e compartilham o espírito dos fariseus.

Ellen White passou sua vida inteira a lutar contra tal comportamento. Ela mesma recusou publicar “algumas coisas que são perfeitamente verdadeiras […] porque creio que alguns a utilizarão com a intenção de ferir outros.” (Cartas 32, 1901)

Embora ela tenha tido fortes convicções em diversos assuntos da vida, ela deixou a cada um (inclusive os que conviveram com ela) a liberdade de escolha. Assim escreveu ela, por exemplo, em relação à reforma sanitária: “os outros membros de minha família não comem as mesmas coisas que eu. Não me ponho como critério para eles. Deixo cada um seguir suas idéias quanto ao que é melhor para si. Não obrigo a consciência de outros pela minha. Uma pessoa não pode ser critério para outros em questão de comida. Impossível é fazer uma regra para ser seguida por todos.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 491; cf. Ministry of Healing 320 e Mensagens Escolhidas, vol. 3, pág. 294)

Mas, os professos discípulos de Ellen White não foram assim tão generosos como ela: “Satanás deseja e faz planos para introduzir entre nós extremistas, pessoas de espírito estreito, críticos e absolutos, muito ligados à ideia que fazem do que é a verdade. Eles serão exigentes, procurarão impor deveres rigorosos e se estenderão longamente sobre assuntos de pouca importância, negligenciando as exigências mais importantes da lei – a justiça, a graça e o amor de Deus.” (Medical Ministry 269)

Satanás tem agitadores extremistas que vão até ao fanatismo, em numerosos domínios do adventismo. Mas, (como numerosas citações deste capítulo vão demonstrar) nenhum domínio tem conhecido tanto extremistas como o da reforma sanitária. Ela escreveu um dia a um advogado: Meu irmão, não deveis fazer da questão do regime uma prova para o povo de Deus; pois perderão a confiança em ensinos que são levados ao extremo. Deseja o Senhor que Seu povo seja íntegro em todos os pontos da reforma de saúde, mas não devemos ir a extremos.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 205). Ela diz ainda que deveríamos ser “cautelosos em não insistir indevidamente, mesmo quanto a idéias justas. (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 398)

Talvez a maior incompreensão dos conselhos de Ellen White se encontre na Reforma de Janeiro à março de 1991. O redator num artigo intitulado “O Consumo da Carne nos Últimos Dias”,reuniu muitas declarações nas quais Ellen White disse que não seria necessário fazer um teste, em relação à alimentação, vestimentas, consumo de carne e criação de porcos etc.

Ele reconhecia a grandeza de seus escritos, mas concluiu que os tempos haviam mudado e que tudo se tornara testes. Ele discursava dizendo que “a atitude tolerante que a Igreja havia adotado na época dos pioneiros deve ser considerada como uma coisa passada e critérios mais elevados de conduta deveriam ser adotados hoje. […] Os conselhos da irmã White que não deveriam servir de teste, não poderiam ser considerados como uma lei eterna, mas como algo de medida temporária de tolerância. Tratamos o consumo de carne como os “outros pecados”. Dizemos à pessoa que deseja tornar-se membro do movimento da reforma, que ela deve sacrificar seu ídolo. […] Um apetite pervertido que inclui o consumo da carne é um pecado.”

Tanto pelo ponto de vista do Novo Testamento sobre a questão (veja, por exemplo, Romanos 14:17; João 2: 9-12) como para muitos comentários moderados de Ellen White! Tais pessoas fazem pressão pela interpretação mais extrema.

Mas alguns dirão sem dúvida: “Ellen White não agiria desta maneira se vivesse em nossos dias?” Respondendo a esta questão, é preciso considerarmos vários pontos. O primeiro, é que ela não está mais em vida. Além do mais, tudo o que possuímos de seus conselhos é o que ela escreveu. Tudo o que vai mais além é especulação humana. Segundo, costumeiramente ela se opunha aos que empregavam seu raciocínio para levar adiante suas ideias extremistas. Terceiro, tudo o que ela escreveu nos afasta do tipo de comportamento recomendado mais acima por alguns elementos extremistas.

Deixemos Ellen White falar: “Vós, ou qualquer outra pessoa iludida, poderia arranjar, e mandar arranjar certos textos de grande força, aplicando-os segundo vossas próprias ideias” [o mesmo princípio se aplica às citações de Ellen White]. “Qualquer pessoa poderia desvirtuar e aplicar mal a Palavra de Deus, acusando pessoas e coisas, e então achar que os que recusaram receber sua mensagem haviam rejeitado a mensagem de Deus, e decidiram seu destino para a eternidade.” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 44)

Em outra ocasião ela declarou: “Quando você faz referência aos testemunhos, não é um dever convencer as pessoas. Lendo, assegure-se de não colocar seus sentimentos nas palavras, pois isto impede aos ouvintes distinguir entre a palavra que o Senhor lhes dirige e às vossas próprias palavras.” (Gospel Wolkers 374) A introdução de termos humanos para ampliar o conselho, não levando em consideração o contexto literário e histórico, foi encontrada na origem de grande parte do fanatismo que levou os conselhos de Ellen White para além de sua intenção original.

Tais comportamentos tendem a desencorajar os cristãos fiéis. “Eu vi, disse irmã White, que alguns se aproveitaram do que Deus tem revelado, com relação aos pecados e os erros dos outros. Eles tomaram a significação extremista do que foi mostrado em visão e a desenvolveram ao ponto de enfraquecer a fé em muito do que Deus mostrou, e a desencorajar e enojar a Igreja.” (Testemunhos Para a Igreja, vol. 1, 166)

Ellen White não cansou de repetir que a tais extremistas faltava o amor e que eles fazem mais mal do que bem. Ela ressaltou em 1889 que “existem muitos para os quais a religião é feita de críticas no tocante à maneira de se vestir e de se conduzir. Eles querem submeter os outros às suas próprias regras. […] O amor de Deus não está mais em seus corações, mas eles pensam possuir um espírito de discernimento. Creem que lhes pertence a prerrogativa de criticar e de pronunciar julgamentos, mas eles deveriam se arrepender de seus erros e os abandonar. […] Amemo-nos uns aos outros. […] Observemos à luz que existe em Jesus por nós. Lembremo-nos o quanto Ele foi indulgente e paciente com os filhos perdidos dos homens. Estaríamos em uma triste situação se o Deus dos Céus fosse como um de nós e nos tratasse como somos inclinados à nos tratar uns aos outros.” (Review and Harald, 27 de agosto de 1889)

Um dos primeiros sinais de alguém não se conduzindo como cristão, é quando a crítica aos outros, à Igreja etc., começa a lhe dominar. O Espírito de Cristo é um Espírito de compaixão, de atenção e de amor e não um espírito de crítica e de justiça própria.

A declaração de Ellen White mais contundente em relação aos que empregam mal seus escritos é a seguinte. Os que se interessam por seus escritos deveriam ler Mensagens Escolhidas, vol.3, pág. 283-288. Em razão de sua importância para o nosso estudo, citaremos.

“Estão chegando perguntas de irmãos e irmãs que fazem indagações a respeito da reforma pró-saúde. São feitas declarações de que alguns estão tomando a luz nos testemunhos sobre a reforma pró-saúde e tornando-a uma prova. Eles escolhem declarações feitas acerca de alguns artigos de alimentação que são apresentados como censuráveis – declarações escritas como advertência e instrução para certos indivíduos. […] Eles se demoram nessas coisas, tornando-as tão fortes quanto possível, entretecendo seus próprios e censuráveis traços de caráter nessas declarações, e as impõem com grande força, tornando-as assim uma prova e inculcando-as onde só causam dano. 

 Está faltando a mansidão e humildade de Cristo. A moderação e cautela são muito necessárias, mas eles não possuem estes desejáveis traços de caráter. Precisam receber o molde de Deus. E essas pessoas podem tomar a reforma pró-saúde e causar grande dano com ela, imbuindo as mentes de preconceitos, de modo que os ouvidos se fechem para a verdade. […]

Vemos os que escolhem as expressões mais fortes dos testemunhos e sem fazer uma exposição ou um relato das circunstâncias em que são dados os avisos e advertências, querem impô-los em todos os casos. Assim eles produzem maléficas impressões na mente das pessoas. Há sempre os que são propensos a apossar-se de alguma coisa de tal índole que possa ser usada por eles para prender as pessoas a rigorosa e severa prova, e que inserirão elementos de seu próprio caráter nas reformas. […] Empreenderão a obra fazendo injúria contra as pessoas. Escolhendo algumas coisas nos testemunhos, impõem-nas a todos, e, em vez de ganhar almas, repelem-nas. Causam divisões, quando podiam e deviam promover a harmonia. […]

Deixai, porém, que os testemunhos falem por si mesmos. Não apanhem os indivíduos as declarações mais fortes, feitas a pessoas e famílias, impondo essas coisas porque desejam usar o açoite e ter algo para impor.” Ao contrário, quando “o próprio coração abrandado e enternecido pela graça de Cristo,” quando “com espírito humilde e cheio da essência da bondade humana, eles não produzirão preconceitos, nem causarão dissensões, e não debilitarão as igrejas.” (Mensagens Escolhidas vol. 3, 285-287)

Willie White lidou com os que procuravam se servir “dos fortes testemunhos” de Ellen White como de uma vara. Em 1919, ele escreveu em relação a um grupo que se preparava para publicar uma compilação independente. “A obra de alguns membros me parece aquelas de homens que forjam regras de ferro para se servir delas para medir seus irmãos. Alguns tiram partido do que irmão Daniells (presidente da Conferência Geral) não fez, do que irmão Knox (tesoureiro da Conferência Geral) faltou com relação às regras, e do que George Thompson falhou. Quando eu os encontrei e conversei com eles, não procurei lhes provar que eles estavam errados em dizer que outros haviam se enganado, mas procurei lhes mostrar que eles não chegariam a corrigir seus erros pelos métodos que estavam empregando. […]

Penso que eles não tinham nada à ganhar ao aproximar as pessoas de maneira tão combativa e, ao invés de discutir com eles procurando lhes mostrar em que eles estavam errados, eu lhes disse que se minha mãe fosse viva, ela se sentiria profundamente magoada por eles agirem como eles visavam fazê-lo.” (W. C. White à D. E. Robinson, 27 de Julho de 1919.)

A mensagem deste capítulo é clara. Devemos ter cuidado com a maneira como empregamos os conselhos de Ellen White, tanto quanto com a maneira como os lemos e os interpretamos. Toda aplicação deve ser feita com o bom senso do amor cristão e com espírito de humildade.

Terminamos este estudo com uma citação de M. L. Andreasen, um líder adventista durante mais da metade do século XX. “Creio, meus amigos, que devemos estar atentos às mensagens que Deus deu (através de Ellen White), para aplicá-las a nós mesmos e não aos outros. Oh! A intolerância de alguns que pensam ter razão! Que eles tenham razão, mas não julguem aos outros.

Creio que chegamos ao ponto onde é preciso dar um lugar definido a Ellen White em nosso ensinamento. Não devemos colocá-la acima da Bíblia, nem a rejeitar. É preciso que empreguemos a razão que Deus nos deu. […] Cuidado com as vossas aplicações e as vossas declarações. Não diga nunca que alguém não crê nos testemunhos porque este alguém não está de acordo com vocês. Ele pode não aderir à vossa interpretação, mas pode crê neles tão profundamente como vocês e ter um ponto de vista mais equilibrado.” (M. L. Andreasen. Mensagem não publicada, 30 de novembro de 1948). No contexto do que temos examinado, esta declaração merece ser refletida.

Chegamos ao final do livro. Mas esperamos ter chegado também ao início de uma leitura mais enriquecida dos conselhos de Deus a Seu povo do tempo do fim. Uma coisa é ler este livro, outra coisa é por em prática os princípios estudados, em nossas leituras e em nossas vidas. Deus tem ricas bênçãos em reserva para cada um dos que estudam a Bíblia e os escritos de Ellen White com uma compreensão mais aberta e uma consagração renovada.

Que Deus seja louvado por todas essas bênçãos!

Você pode ler outros capítulos aqui

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *