Lendo Ellen White: Outros Princípios de Interpretação – Capítulo 20

Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh

Durante os quatorze capítulos precedentes, examinamos os princípios básicos de interpretações dos escritos de Ellen White. Antes de concluir esta parte de nosso estudo, é necessário que consideremos alguns pontos complementares muito úteis.

Primeiro devemos estar conscientes que a Bíblia e Ellen White empregavam de tempos em tempos hipérboles e outras figuras de linguagem. Assim, o apóstolo João pôde escrever que “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos.” (João 21:25) E em Hebreus 11:13 lemos que “Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; enquanto que era evidente que nem todos morreram, estando Enoque entre as pessoas enumeradas (Hebreus 11:5). De maneira similar, o livro de Daniel emprega metáforas quando ele fala de um forno aquecido 7 vezes mais. (Daniel 3:19) e do valor dos Hebreus em dez vezes mais (Daniel 1:20) do que os outros jovens interrogados por Nabucodonosor. Por essa linguagem figurada, o autor quer dizer que a fornalha estava muito mais quente e os jovens hebreus eram muito superiores, mas não estabeleceu o percentual do seu quociente intelectual ou do nível da temperatura.

Alguns defendem interpretações erradas, porque eles se recusam a reconhecer que os escritores bíblicos fizeram uso de metáforas. Os adultos que escandalizaram Martinho Lutero brincando de argolas na rua porque o Evangelho diz que a menos que não nos tornemos como crianças, não poderemos entrar no reino dos céus, fazem parte desta categoria. É o mesmo que aconteceu com adventistas que, após a decepção, não usaram mais facas e garfos e andavam de quatro pela cidade quando iam fazer suas compras, querendo demonstrar assim que eles eram como as crianças e então membros do reino. Algumas formas de fanatismos nascem da recusa de reconhecer as metáforas existentes na Bíblia e nos escritos de Ellen White.

Um estudo de suas obras com relação ao chamado mais elevado dado aos homens pode nos ajudar a compreender o emprego que Ellen White faz dos superlativos como um meio literário para encorajar as pessoas a serem fiéis em suas vocações ou aos seus talentos, quais quer que eles sejam. Assim, ela diz que os professores e as mães cumprem a obra mais importante que existe. Mas ela escreveu também em diversos lugares que este é o caso também dos pastores, dos médicos e dos colportores. Ela mesma declarou que o cozinheiro que preparava a alimentação na escola de Battle Creek ocupava uma missão de “primeira” importância no seio da instituição (Fundamentos da Educação Cristã, 226). Em tais declarações ela não estabeleceu matematicamente a missão que tinha o maior preço, mas procurava antes sublinhar a importância do emprego dos talentos para a glória de Deus, para encorajar diversas pessoas a fazerem o seu melhor. Claro que os que quiserem podem comparar as diferentes declarações, mas será um exercício inútil.

Ellen White também empregou frases contendo as fórmulas: 1 sobre 20 (5 vezes), 10 sobre 100 (uma vez), 1 sobre 50 (uma vez), e 1 sobre 100 (23 vezes). Uma vez mais, é apenas uma maneira de falar que não tem por objetivo estabelecer proporções exatas. Ela nunca disse, por exemplo, 1 sobre 13 ou 1 sobre 18.

Se não levarmos em conta essas figuras de linguagem, podemos nos tornar excessivamente limitados ou muito exigentes ao ler Ellen White e a Bíblia. A história da igreja conheceu sérios incidentes porque alguns rejeitaram a idéia de que a Bíblia utiliza metáforas e arrancaram seu olho direito, cortaram sua mão direita ou se emascularam após ter sofrido alguma tentação. Os pagãos de Roma chegaram à conclusão de que os cristãos eram canibais, porque eles “comiam” a carne e “bebiam” o sangue de Jesus, às portas fechadas. Mas, não é possível chegar a tais conclusões quando compreendemos que os profetas de Deus empregavam as imagens.

Um segundo método consiste em interpretar a linguagem inspirada segundo seu sentido mais evidente, a menos que ele não utilize símbolos e imagens (ver Grande Conflito 649-650). Alguns chegaram a conclusões fantasiosas porque eles tomaram por símbolos o que era evidentemente prosa.

Um terceiro princípio de interpretação, estreitamente ligado ao precedente é que a Bíblia e os escritos de Ellen White explicam-se a si mesmos. Desta forma, Ellen White afirma: “A Bíblia é seu expositor. Uma passagem será a chave que descerrará outras passagens, e deste modo haverá luz sobre o significado oculto da Palavra. Comparando diversos textos que tratam do mesmo assunto e examinando sua relação em todo o sentido, tornar-se-á evidente o verdadeiro significado das Escrituras.” (Fundamentos da Educação Cristã, 187). Ela diz algo parecido em relação à sua própria obra. Assim, lemos que “Os próprios testemunhos serão a chave que explicará as mensagens dadas, como texto escriturístico é explicado por texto escriturístico.” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 42).

Este princípio é particularmente útil quando estamos na presença de citações que nos parecem obscuras. É geralmente útil nos voltarmos para outras passagens que tratam do mesmo assunto. As declarações que elas contêm sempre abordam o assunto sob um ângulo diferente e fornecem às vezes informações ou ideias que clareiam a primeira declaração.

Da mesma forma, é importante referir-se ao ensinamento geral dado por Ellen White sobre um assunto para conhecer o contexto conceitual de um conselho dado a um indivíduo. Tenha cuidado com a compreensão de uma declaração qualquer que lhe parece em desacordo com o conteúdo geral dos escritos de Ellen White ou dos conselhos da Bíblia. Tal interpretação, aparentemente aberrante, indica geralmente que é preciso estudar o assunto em detalhe.

Um quarto princípio é que devemos prestar atenção com relação a toda interpretação de Ellen White ou da Bíblia que parecem “novidades” ou únicas. Observamos acima que alguns tipos de personalidades estão sempre à procura do que é novo, mesmo que eles não tenham controle dos elementos principais da verdade estabelecida. Tais estudantes partem sempre sobre uma tangente independente. Juntar-se aos que possuem uma experiência com a Bíblia e os escritos de Ellen White pode, ocasionalmente, evitar muitos males.

“É preciso restringir sua disposição em aparecer original”, escreveu Ellen White a alguém em particular, em 1803. “É preciso se apoiar na fé da comunidade, sem a qual você vai prejudicar a obra de Deus e cometer erros contra a verdade. Nenhuma idéia nova deveria ser defendida por pregadores ou às pessoas colocadas sob sua responsabilidade. Todo pensamento novo deveria ser amplamente estudado antes de ser aprovado. Se há nele qualquer valor, deveria ser adotado pela comunidade, se não, deveria ser rejeitado.” (Cartas de Ellen White 8, 1863)

Sob outro ângulo, Ellen White escreveu: “Que ninguém se sinta suficiente o bastante, como se o Senhor lhe tivesse dado uma verdade particular acima dos seus irmãos. Cristo é representado como andando no meio do Seu povo. […] O que o irmão D. chama de verdade não é aparentemente perigosa, não parece ferir alguém. Mas, irmãos, este é o método de Satanás, seu jeito de penetrar na Igreja. Ele já tentou várias vezes. Alguém aceita tal idéia nova e original que não parece entrar em conflito com a verdade. Ele fala dela e a percorre até que ela pareça revestida de beleza e de importância, pois Satanás tem o poder de dar essa falsa aparência. Finalmente, ela se torna o tema principal, a grande e única verdade em torno da qual tudo converge. […] Nossa única segurança é não receber nenhuma nova doutrina, nenhuma nova interpretação das Escrituras (podemos falar o mesmo dos livros de Ellen White) que não tenha antes sido levada aos irmãos de experiência. Exponha-a diante deles com um espírito de humildade e de escuta, orando sinceramente e se eles não tiverem nenhuma luz, confiem em seu julgamento, pois é na multidão dos conselhos que se encontra a segurança.”  (Testemunhos Para a Igreja vol. 5, pág. 291-293) Se seguíssemos sempre este conselho, seríamos preservados de grande confusão no seio da Igreja adventista e na vida de numerosos leitores de Ellen White.

O último ponto, é que não se deve jamais estabelecer um argumento sobre o silêncio. Isto é, não supor que algo é verdade porque estamos certos de que Ellen White teria falado sobre isto se ela estivesse contra (ou de acordo). Por exemplo, embora ela estivesse consciente das idéias panteístas de J.H. Kellog, durante anos, ela nada disse a seu respeito. E porque ela não fez declarações a seu respeito, no fim dos anos 1890 ou no início dos anos 1900, ele concluiu que ela estava de acordo com ele. Esta suposição estava bem longe da verdade, como o descobriu finalmente Kellog.

Um estudo da história do adventismo demonstra, ao contrário da impressão geral de muitos, que Ellen White frequentemente permaneceu em silêncio, mesmo sobre questões importantes. Ela se absteve muito de falar, até que ela recebesse uma revelação especial do senhor sobre o assunto. Assim, ela nada disse durante muito tempo sobre a situação potencialmente destruidora de Anna Rice Phillips que, no início dos anos 1890, pretendeu ser uma profetiza. Em 01.11.1893, ela escreveu: “Cartas têm chegado a mim me apresentado o caso da irmã Phillips e perguntaram minha opinião. Não me senti a altura de encorajar ou de condenar até que tivesse recebido uma luz com relação ao caso. […] decidi deixar que o caso se manifestasse.” (Cartas de Ellen White 54, 1893)

É então imprudente apoiar um argumento sobre o silêncio. É preciso que trabalhemos sempre com isto que Ellen White escreveu e mesmo, então, devemos estar certos de seguir sólidos princípios de interpretação.

Na maior parte deste livro, temos examinado princípios de interpretação dos escritos de Ellen White. Queremos agora nos dirigir em direção à etapa seguinte: a maneira de aplicar nossas descobertas. Este será o assunto dos dois últimos capítulos, onde veremos como podemos aplicá-los a nós mesmos e aos outros.

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