Por Ellen White
Profetas e Reis
CPB
No ano nono do reinado de Zedequias, “Nabucodonosor, rei de Babilônia, veio contra Jerusalém, ele e todo o seu exército”, a fim de sitiar a cidade. 2 Reis 25:1. A perspectiva para Judá era desesperadora. “Eis que sou contra ti”, o Senhor mesmo declarou por intermédio de Ezequiel. “Eu o Senhor, tirei a Minha espada da bainha; nunca mais voltará a ela. […] Todo o coração desmaiará, e todas as mãos se enfraquecerão, e todo o espírito se angustiará, e todos os joelhos de desfarão em águas.” “Derramarei sobre ti a Minha indignação, assoprarei contra ti o fogo do Meu furor, entregar-te-ei nas mãos dos homens brutais, inventores de destruição”. Ezequiel 21:3, 5-7, 31. PR 231.1
Os egípcios procuraram vir em socorro da cidade sitiada; e os caldeus, com o propósito de afastá-los, abandonaram por algum tempo o cerco da capital de Judá. A esperança repontou no coração de Zedequias, e ele enviou um mensageiro a Jeremias, pedindo-lhe que orasse a Deus em favor da nação hebreia. PR 231.2
A terrível resposta do profeta foi que os caldeus retornariam e destruiriam a cidade. O decreto havia saído; não mais poderia a impenitente nação evitar os juízos divinos. “Não enganeis as vossas almas”, o Senhor advertiu a Seu povo. “Os caldeus […] não se irão. Porque ainda que ferísseis a todo o exército dos caldeus, que peleja contra vós, e ficassem deles apenas homens trespassados, cada um se levantaria na sua tenda, e queimaria a fogo esta cidade”. Jeremias 37:9, 10. O remanescente de Judá devia ir em cativeiro, a fim de que aprendesse através da adversidade as lições que tinha recusado aprender em circunstâncias mais favoráveis. Deste decreto do santo Vigia não haveria apelação. PR 231.3
Entre os justos que ainda restavam em Jerusalém, a quem tinha sido tornado claro o propósito divino, alguns havia que se determinaram colocar além do alcance das mãos cruéis a sagrada arca que continha as tábuas de pedra sobre a qual haviam sido traçados os preceitos do decálogo. Isto eles fizeram. Com lamento e tristeza esconderam a arca numa caverna, onde devia ficar oculta do povo de Israel e de Judá por causa de seus pecados, não mais sendo-lhes restituída. Esta sagrada arca ainda está oculta. Jamais foi perturbada desde que foi escondida. PR 231.4
Por muitos anos Jeremias havia estado perante o povo como uma fiel testemunha de Deus; e agora, estando a condenada cidade prestes a passar às mãos de pagãos, ele considerou sua obra como terminada, e preparou-se para se ausentar, mas foi impedido pelo filho de um dos falsos profetas, o qual o delatou como estando prestes a se unir aos babilônios, a quem ele repetidamente insistira com os homens de Judá a que se submetessem. O profeta negou a mentirosa acusação, mas não obstante, “os príncipes se iraram muito contra Jeremias, e o feriram, e o puseram na prisão”. Jeremias 37:15. PR 232.1
As esperanças que haviam nascido no coração dos príncipes e povo quando os exércitos de Nabucodonosor voltaram-se para o sul a fim de enfrentar os egípcios logo caíram por terra. As palavras do Senhor tinham sido: “Eis-Me aqui contra ti, ó Faraó, rei do Egito.” O poder do Egito era apenas uma cana quebrada. “E saberão todos os moradores do Egito”, a Inspiração havia declarado, “que Eu sou o Senhor, porque se tornaram um bordão de cana para a casa de Israel”. Ezequiel 29:3, 6. “Eu levantarei os braços do rei de Babilônia, mas os braços de Faraó cairão, e saberão que Eu sou o Senhor, quando Eu puser a Minha espada na mão do rei de Babilônia, e ele a estender sobre a terra do Egito”. Ezequiel 30:25, 26. PR 232.2
Enquanto os príncipes de Judá estavam ainda esperando em vão o auxílio do Egito, o rei Zedequias com ansiedade pensava no profeta de Deus que tinha sido posto na prisão. Depois de muitos dias o rei mandou buscá-lo, e perguntou-lhe secretamente: “Há alguma palavra do Senhor?” Jeremias respondeu: “Há.” E disse ainda: “Na mão do rei de Babilônia serás entregue. PR 232.3
“E disse mais Jeremias ao rei Zedequias: Em que tenho pecado contra ti, e contra os teus servos, e contra este povo, para que me pusésseis na prisão? Onde estão agora os vossos profetas, que vos profetizavam, dizendo: O rei de Babilônia não virá contra vós, nem contra esta terra? Ora pois ouve agora, ó rei meu senhor: Caia agora a minha súplica diante de ti; não me deixes tornar à casa de Jônatas, o escriba, para que não venha a morrer ali”. Jeremias 37:17-20. A isto ordenou Zedequias que eles “pusessem a Jeremias no átrio da guarda; e deram-lhe um bolo de pão cada dia, da rua dos padeiros, até que se acabou todo o pão da cidade. Assim ficou Jeremias no átrio da guarda”. Jeremias 37:21. PR 232.4
O rei não ousou manifestar fé abertamente em Jeremias. Embora seu temor o impelisse a buscar informação privada da parte do profeta, era demasiado fraco para enfrentar a desaprovação de seus príncipes e do povo por submeter-se à vontade de Deus como manifesta pelo profeta. PR 232.5
Do átrio da guarda Jeremias continuou a aconselhar submissão ao rei de Babilônia. Oferecer resistência era cortejar morte certa. A mensagem do Senhor a Judá era: “O que ficar nesta cidade morrerá à espada, à fome e de pestilência; mas o que for para os caldeus viverá; porque a sua alma lhe será por despojo, e viverá”. Claras e positivas eram as palavras proferidas. No nome do Senhor o profeta declarou ousadamente: “Esta cidade infalivelmente será entregue na mão do exército do rei de Babilônia, e ele a tomará”. Jeremias 38:2, 3. PR 232.6
Afinal os príncipes, exasperados com os repetidos conselhos de Jeremias, que eram contrários à política de resistência por eles adotada, fizeram um vigoroso protesto perante o rei, insistindo em que o profeta era um inimigo da nação, e que suas palavras tinham enfraquecido as mãos do povo, e acarretado o infortúnio sobre eles; por isto ele devia ser condenado à morte. PR 233.1
O rei acovardado sabia que as acusações eram falsas, mas para cativar os que ocupavam posição elevada e de influência na nação, simulou crer em suas falsidades, e entregou-lhes às mãos a Jeremias para fazerem com ele o que quisessem. O profeta foi lançado “no calabouço de Malquias, filho do rei, que estava no átrio da guarda, e desceram a Jeremias com cordas; mas no calabouço não havia água, senão lama, e atolou-se Jeremias na lama”. Jeremias 38:6. Mas Deus suscitou-lhe amigos, os quais procuraram o rei no interesse dele, e conseguiram que de novo fosse removido para o átrio da guarda. PR 233.2
Uma vez mais o rei em caráter privado mandou em busca de Jeremias, e ordenou-lhe que fielmente referisse os propósitos de Deus para com Jerusalém. Em resposta, Jeremias inquiriu: “Declarando-ta eu, com certeza não me matarás? E, aconselhando-te eu, ouvir-me-ás?” O rei entrou num pacto secreto com o profeta. “Vive o Senhor, que nos fez esta alma, que não te matarei”, o rei prometeu, “nem te entregarei na mão destes homens que procuram a tua morte”. Jeremias 38:15, 16. PR 233.3
Havia ainda oportunidade para que o rei revelasse disposição de acatar as advertências de Jeová, e assim temperar com misericórdia os juízos já então caindo sobre a cidade e a nação. “Se voluntariamente saíres aos príncipes do rei de Babilônia”, foi a mensagem dada ao rei, “então viverá a tua alma, e esta cidade não se queimará a fogo, e viverás tu e a tua casa. Mas se não saíres aos príncipes do rei de Babilônia, então será entregue esta cidade nas mãos dos caldeus, e eles a queimarão a fogo, e tu não escaparás das mãos deles.” PR 233.4
“Receio-me dos judeus, que se passaram para os caldeus”, o rei replicou, “que me entreguem na sua mão, e escarneçam de mim.” Mas o profeta prometeu: “Não te entregarão.” E acrescentou um fervoroso apelo: “Ouve, te peço, a voz do Senhor, conforme a qual eu te falo; e bem te irá, e viverá a tua alma”. Jeremias 38:17-20. PR 233.5
Assim até à última hora Deus tornou clara Sua disposição de mostrar misericórdia aos que escolhessem submeter-se a Seus justos reclamos. Tivesse o rei escolhido obedecer, a vida do povo teria sido poupada, e a cidade se salvaria da conflagração; mas ele pensou que tinha ido demasiado longe para recuar. Teve medo dos judeus, medo do ridículo, medo por sua vida. Depois de anos de rebelião contra Deus, Zedequias considerou ser demasiado humilhante dizer a seu povo: “Aceito a palavra do Senhor, conforme pronunciada pelo profeta Jeremias; não ouso aventurar-me à guerra contra o inimigo em face de todas estas advertências.” PR 233.6
Com lágrimas, Jeremias suplicou a Zedequias para que se salvasse bem como a seu povo. Com angústia de espírito assegurou-lhe que a menos que ele aceitasse o conselho de Deus, ele não escaparia com vida, e todas as suas posses cairiam nas mãos dos babilônios. Mas o rei havia iniciado a marcha no mau caminho, e não conteria seus passos. Ele decidiu seguir os conselhos dos falsos profetas, e dos homens a quem na realidade ele desprezava, e que ridicularizavam sua fraqueza em se render tão prontamente nos desejos deles. Ele sacrificou sua nobre liberdade varonil e tornou-se um servil escravo da opinião pública. Sem nenhum propósito predeterminado de fazer o mal, era não obstante irresoluto em permanecer corajosamente ao lado do direito. Convicto como estivesse do valor dos conselhos dados por Jeremias, não tinha a energia moral para obedecer; e como consequência avançou firmemente na direção errada. PR 234.1
O rei com efeito demasiado fraco para concordar viessem seus cortesões e povo a saber que ele tivera uma conferência com Jeremias, tal era o temor do homem que havia tomado posse de sua alma. Se Zedequias se tivesse portado corajosamente e declarado que cria nas palavras do profeta, já cumpridas pela metade, que desolação teria sido evitada Ele devia ter dito: “Obedecerei ao Senhor, e salvarei a cidade de total ruína. Não ouso desrespeitar as ordens de Deus por causa do temor ou favor do homem. Amo a verdade, odeio o pecado, e seguirei o conselho do Poderoso de Israel”. PR 234.2
Então o povo teria respeitado seu corajoso espírito, e os que estavam vacilando entre a fé e a incredulidade teriam tomado firme posição ao lado do direito. O próprio destemor e justiça de sua conduta teriam inspirado a seus súditos admiração e lealdade. Ele teria alcançado amplo apoio; e Judá teria sido poupado dos inauditos ais da carnificina, da fome e do fogo. PR 234.3
A fraqueza de Zedequias foi um pecado pelo qual ele pagou terrível preço. O inimigo varreu como uma avalanche irresistível, e devastou a cidade. Os exércitos hebreus fugiram em confusão. A nação foi conquistada. Zedequias foi feito prisioneiro e seus filhos foram mortos diante dos seus olhos. O rei foi levado de Jerusalém como um cativo, seus olhos foram vazados, e uma vez chegado em Babilônia pereceu miseravelmente. O belo templo que por mais de quatro séculos coroara o cimo do Monte de Sião, não foi poupado pelos caldeus. “Queimaram a casa do Senhor, e derrubaram os muros de Jerusalém, e todos os seus palácios queimaram a fogo, destruindo também todos os seus preciosos vasos”. 2 Crônicas 36:19. PR 234.4
Ao tempo da invasão final de Jerusalém por Nabucodonosor, muitos haviam escapado dos horrores do longo assédio, apenas para perecer à espada. Dentre os que ainda restavam, alguns, notadamente o chefe dos sacerdotes e oficiais e dos príncipes do reino, foram levados para Babilônia e ali executados como traidores. Outros foram levados cativos, para viverem na servidão de Nabucodonosor e de seus filhos, “até ao tempo do reino da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, pela boca de Jeremias”. 2 Crônicas 36:20, 21. PR 234.5
A respeito de Jeremias mesmo está registrado: “Nabucodonosor, rei de Babilônia, havia ordenado acerca de Jeremias, a Nabuzaradã, capitão dos da guarda, dizendo: Toma-o, e põe sobre ele os teus olhos, e não faças nenhum mal; antes, como ele te disser, assim procederás para com ele”. Jeremias 39:11, 12. PR 235.1
Liberto da prisão pelos oficiais babilônios, o profeta escolheu lançar sua sorte com o debilitado remanescente, “os mais pobres da terra”, deixados pelos caldeus para serem “vinheiros e para lavradores”. Sobre esses os babilônios puseram a Gedalias como governador. Apenas poucos meses haviam passado quando o novo governador foi traiçoeiramente morto. O povo pobre, depois de haver passado por tantas provas, foi finalmente persuadido por seus líderes a buscar refúgio na terra do Egito. Contra esta medida Jeremias levantou sua voz em protesto. “Não entreis no Egito”, apelou ele. Mas o conselho inspirado não foi ouvido, e “todo o resto de Judá […] homens […] mulheres […] e meninos” fugiu para o Egito. “Não obedeceram à voz do Senhor, e vieram até Tafnes”. Jeremias 43:5-7.PR 235.2
As profecias de condenação pronunciadas por Jeremias sobre o remanescente que se havia rebelado contra Nabucodonosor fugindo para o Egito, foram misturados com promessas de perdão aos que se arrependessem de sua loucura e estivessem prontos para voltar. Conquanto o Senhor não poupasse aos que deixavam o Seu conselho pelas sedutoras influências da idolatria egípcia, Ele mostraria misericórdia para com os que se mostrassem leais e fiéis. “Os que escaparem da espada tornarão da terra do Egito à terra de Judá”, Ele declarou: “e saberá todo o resto de Judá, que entrou na terra do Egito, para peregrinar ali, se subsistirá a Minha palavra ou a sua”. Jeremias 44:28. PR 235.3
A tristeza do profeta em vista da completa perversidade dos que deviam ter sido a luz espiritual do mundo, sua tristeza pela sorte de Sião e do povo levado cativo para Babilônia, é revelada nas lamentações que ele deixou registradas como memorial da estultícia de deixar os conselhos de Jeová pela sabedoria humana. Em meio à ruína operada, Jeremias pôde ainda declarar: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos.” E sua constante oração era: “Esquadrinhemos os nossos caminhos, experimentemo-los, e voltemos para o Senhor”. Lamentações 3:22, 40. Embora Judá ainda fosse um reino entre as nações, ele inquirira de seu Deus: “De todo rejeitaste Tu a Judá? Ou aborrece a Tua alma a Sião?” E ele tinha ousado suplicar: “Não nos rejeites por amor do Teu nome”. Jeremias 14:19, 21. A fé absoluta do profeta no eterno propósito de Deus de fazer que da confusão surgisse ordem, e de demonstrar às nações da Terra e a todo o Universo Seus atributos de justiça e amor, levou-o agora a suplicar confiantemente em favor daqueles que tornassem do mal para a justiça. PR 235.4
Mas agora Sião estava inteiramente destruída; o povo de Deus fora levado em cativeiro. Subjugado pela dor, o profeta exclamou: “Como se acha solitária aquela cidade, dantes tão populosa tornou-se como viúva; a que foi grande entre as nações, e princesa entre as províncias, tornou-se tributária Continuamente chora de noite, e as suas lágrimas correm pelas suas faces; não tem quem a console entre todos os seus amadores; todos os seus amigos se houveram aleivosamente com ela, tornaram-se seus inimigos. PR 236.1
“Judá passou em cativeiro por causa da aflição, e por causa da grandeza da sua servidão; havia entre as nações, não acha descanso; todos os seus perseguidores a surpreenderam nas suas angústias. Os caminhos de Sião pranteiam, porque não há quem venha à reunião solene; todas as suas portas estão desoladas; os seus sacerdotes suspiram; as suas virgens estão tristes, e ela mesma tem amargura. Os seus adversários a dominaram, os seus inimigos prosperam; porque o Senhor a entristeceu, por causa da multidão das suas prevaricações; os seus filhos vão em cativeiro na frente do adversário”. Lamentações 1:1-5. PR 236.2
“Como cobriu o Senhor de nuvens na Sua ira a filha de Sião derribou do céu à Terra a glória de Israel, e não Se lembrou do escabelo de Seus pés, no dia da Sua ira. Devorou o Senhor todas as moradas de Jacó, e não Se apiedou; derribou no furor as fortalezas da filha de Judá, e as abateu até à terra; profanou o reino e os seus príncipes. Cortou no furor da Sua ira toda a força de Israel; retirou para trás a Sua destra de diante do inimigo; e ardeu contra Jacó, como labareda de fogo que tudo consome em redor. Armou o Seu arco como inimigo, firmou a Sua destra como adversário, e matou todo o que era formoso à vista; derramou a Sua indignação como na tenda da filha de Sião.” “Que testemunho te trarei? a quem te compararei, ó filha de Jerusalém? A quem te assemelharei, para te consolar a ti, ó virgem filha de Sião? Porque grande como o mar é a tua ferida; quem te sarará?” Lamentações 2:1-4, 13. PR 236.3
“Lembra-Te, Senhor, do que nos tem sucedido; considera, e olha para o nosso opróbrio. A nossa herdade passou a estranhos, e as nossas casas a forasteiros. Órfãos somos sem pai, nossas mães são como viúvas. […] Nossos pais pecaram, e já não existem; nós levamos as suas maldades. Servos dominam sobre nós; ninguém há que nos arranque da sua mão. […] Por isso desmaiou o nosso coração; por isso se escureceram os nossos olhos.” PR 236.4
“Tu, Senhor, permaneces eternamente, e o Teu trono de geração em geração. Por que Te esquecerias de nós para sempre? Por que nos desampararias por tanto tempo? Converte-nos, Senhor, a Ti, e nós nos converteremos; renova os nossos dias como dantes”. Lamentações 5:1-3, 7, 8, 17, 19-21. PR 236.5