Amor Perigoso

“Não terás outros deuses diante de Mim.”
(Êxodo 20:3)

O Primeiro Mandamento
por Loron Wade
– Parece que você não entende, Jaqueline. É o seu futuro, a sua vida, que está em jogo!
– Não, papai. É o senhor que não entende. Faz tanto tempo que o senhor foi jovem que se esqueceu de como é. Estou dizendo que amo o Daniel. É isso que o senhor parece não entender.
Harry Williams olhou incredulamente para a filha. Então, com um suspiro, balançou a cabeça, como quem não compreende o que está ouvindo.
– Jaqueline, você precisa me ouvir.
– Não! Eu não vou ouvir ninguém. Só estou comunicando que, na próxima terça-feira, o juiz do primeiro cartório disponível no centro da cidade vai nos casar. Ou será que o senhor gostaria que a gente simplesmente saísse e juntasse os trapos?
Outro silêncio. Finalmente, Harry falou de novo, escolhendo as palavras com cuidado.
– Tudo bem. A decisão é sua. Percebo que ninguém vai fazer você mudar de idéia. Só tenho uma pergunta.
Dessa vez, Jaqueline não interrompeu, feliz porque o pai parecia estar respeitando seu direito de escolha.
– Na quinta-feira passada, você vestiu uma blusa branca, e o Daniel queria que você usasse uma diferente. Como ele reagiu?
– Bem, a blusa que ele queria que eu vestisse estava manchada. Respinguei alguma coisa nela.
– Mas a minha pergunta é: qual foi a reação do seu namorado? O que ele disse quando a viu com a blusa branca?
– Bem… ele não ficou exatamente feliz.
– Sim. Na verdade, ele cerrou os punhos e gritou com você. E naquela mesma noite, quando o convidamos para jantar aqui em casa, o que aconteceu?
– Ah, papai, não ligue para isso. Já passou. Por que está trazendo isso à tona?
– Porque o Daniel não hesitou em constrangê-la na frente de toda a família quando você disse algo de que ele não gostou. Jaqueline, se é assim que ele a trata agora, como você acha que será quando…
– Pare! Pare com isso! – gritou a filha, colocando as mãos sobre as orelhas. – O senhor não consegue entender? Eu amo o Daniel. Ele é a minha vida. Nada mais importa. O que o senhor pensa ou diz não me interessa. Eu amo o Daniel. Eu o adoro. Isso é tudo o que importa. Não dá para entender?
– Você o “adora”? Você o “adora”, Jaqueline? Então, o que o Daniel é para você? Ele é o seu deus?
– Certo, é isso aí. Se é isso que o senhor quer dizer, tem razão. Daniel é o meu deus.
O pai de Jaqueline me contou mais tarde que aquelas palavras apunhalaram seu coração. Vamos pressionar o botão de pausa e fazer uma pergunta. Você acha que ele estava sendo muito dramático? Por que ele sentiu uma angústia tão terrível ao ouvi-las?
Harry Williams tremeu diante das palavras da filha porque sabia que o poder do amor usado para o mal pode nos ferir e causar um estrago terrível. Mais do que qualquer outra coisa, o amor rompe nossa proteção e nos deixa expostos e vulneráveis.
Observe pais desesperados que esperam do lado de fora da UTI de um grande hospital moderno. Por que sentem aquela intensa angústia? É por causa do amor. E esses mesmos pais podem sofrer com a mesma intensidade, anos mais tarde, quando o filho volta drogado para casa.
Como foi terrível para os pais de Jaqueline, meses depois, quando ela começou a colher as consequências de sua decisão insensata! Desfeita definitivamente a névoa de sua paixão, ela percebeu que seu esposo era um homem intensamente ciumento e que não se satisfazia nem com seus melhores esforços. Ele esmagava seu espírito com sarcasmo, ridículo e até com os punhos! Foi por isso que Harry Williams tremeu diante da atitude da filha. Ficou aterrorizado ao vê-la colocar-se nas mãos de alguém que podia magoá-la muito.
E foi por isso que Deus nos deu o primeiro mandamento. É uma advertência, motivada por uma preocupação profunda. Sua mensagem é: Não entregue sua lealdade e devoção a “deuses” que na realidade não são deuses. Não conceda um lugar supremo na sua vida a algo ou alguém que, no fim, só irá desapontá-lo e machucá-lo.
Deuses Fracassados
O antigo povo de Israel estava rodeado por nações que adoravam “outros deuses”. Havia Dagom, a principal deidade dos filisteus, vizinhos de Israel do lado oeste. Os filisteus esperavam que seu deus lhes concedesse boas colheitas e grandes pescarias, o que significava abundância e prosperidade. Os fenícios, vizinhos de Israel ao norte, eram devotos da deusa-lua Astarote ou Ishtar, responsável pela fertilidade. Seu culto, celebrado com orgias e festas regadas a bebidas, era muito popular. A leste, os moabitas adoravam Quemós; e os amonitas, Moloque. Ambos, especialmente o último, exigiam sacrifícios de crianças. As pessoas chegavam a esses horríveis extremos para conquistar o poder dessas deidades em seu favor.
Hoje, naturalmente, a cultura popular mudou. A maioria das pessoas não mais se inclina diante de deuses de madeira, pedra e metal. Mas o dinheiro, o sexo e o poder ainda continuam ocupando o lugar central na vida de milhões. Quando você passar por uma banca de revistas, olhe as capas e examine os títulos. Observe os temas mais populares dos talkshows e das novelas. O que isso lhe diz acerca dos “deuses” que as pessoas cultuam com mais fervor hoje?
Então, pergunte a si mesmo: qual tem sido o resultado, até o momento, de adorar esses “outros deuses”? Assim como aqueles de antigamente, são deuses que se voltam contra seus adoradores e os devoram.
Do culto frenético ao sexo se originou a pandemia da Aids. Por que ninguém fala a respeito da mais clara e óbvia solução? Não deveria ser tão difícil descobrir. Não é necessário que essa doença se espalhe ainda mais. A solução mais simples e óbvia é dar as costas a essa divindade traiçoeira e novamente respeitar os valores da família e o caráter sagrado do matrimônio.
Mas, em vez disso, os líderes políticos ao redor do mundo apelam ao seu deus “dinheiro” para que os salve. “No próximo ano”, dizem, “gastaremos milhões a mais. Construiremos laboratórios maiores e melhores. Então encontraremos uma vacina para que vocês continuem com seu estilo de vida, sem medo das consequências.”
O terrorismo se tornou a espada dos fracos, o recurso desesperado dos desvalidos. Ele se alimenta de fanatismo e ignorância, e encontra seus recrutas nos miseráveis campos de refugiados, onde jovens infelizes são bombardeados diariamente com a retórica do ódio.
E qual é a solução proposta por aqueles que se encontram sob o ataque desses jovens fanáticos? Voltam-se ao deus do poder: “Vamos fabricar melhores foguetes e bombas mais potentes. Com isso, caçaremos os que nos oprimem, faremos com que saiam dos seus esconderijos e os esmagaremos. Isso resolverá nossos problemas.”
E qual é o resultado de tal estratégia? Todo uso da força bruta fortalece os radicais em seu senso de injustiça e perseguição. Cria ainda mais raiva e confirma suas convicções de que são vítimas e de que seu ódio e violência são plenamente justificados.
Não entregue sua lealdade e devoção a “deuses” que na realidade não são deuses, diz o primeiro mandamento. Não conceda um lugar supremo na sua vida a algo ou alguém que, no fim, só irá desapontá-lo e machucá-lo.
O Fracasso das Flores
O Novo Testamento relata que um dia Satanás foi a Jesus com um ataque frontal e direto contra o primeiro mandamento. Primeiro, mostrou- Lhe “todos os reinos do mundo e a glória deles”, e depois Lhe disse: “Tudo isso Te darei se, prostrado, me adorares” (Mateus 4:8 e 9). Dinheiro, sexo e poder. Tudo pode ser Seu!
Mas Jesus, em Sua resposta, recusou-Se a enfocar os deuses falsos. Em vez disso, inverteu o primeiro mandamento e citou Deuteronômio 10:20, que o apresenta na forma positiva. Ele afirmou: “Está escrito: Ao Senhor teu Deus, adorarás, e só a Ele darás culto” (Mateus 4:10). Rejeitar os falsos deuses e denunciar seu culto não é suficiente. Precisamos substituir seu culto pela adoração ao Deus do Céu.
Uma geração atrás, os “filhos das flores”, rapazes e moças com cabelos longos e roupa esfarrapada, enchiam as ruas e os parques do mundo ocidental. A maioria das pessoas os chamava de hippies. Hoje, quase ninguém os admira. Mas precisamos entender que tinham certa razão. Eles rejeitavam os falsos valores do materialismo. Então, por que seu movimento falhou? Entrou em colapso porque os hippies tentaram tirar sem substituir. E no fim se tornou claro que estavam simplesmente trocando uma forma de egoísmo por outra.
Naquela mesma época, milhões de pessoas procuraram implementar os ideais do comunismo, que, em sua pureza teórica, defende princípios de distribuição e altruísmo que lembram os ensinos de Jesus. Por que o comunismo fracassou em produzir a sociedade ideal com que sonhava? Pela mesma razão. Assim como qualquer outra visão utópica, naufragou nas rochas da realidade humana. Baseava-se na suposição de que, se você diz às pessoas que elas precisam mudar, e se você realmente as convence de que devem mudar, elas mudarão. Mas saber o que é certo ou apenas crer intelectualmente não é suficiente.
Na década de 1970, Lawrence Kohlberg, psicólogo de Harvard, anunciou que havia encontrado uma forma de tornar as pessoas mais morais. Seu método era perguntar-lhes o que seria correto fazer em determinadas situações hipotéticas. Ele dizia ter sido bem-sucedido em ensinar- lhes métodos de arrazoamento moral, de modo que apresentassem a resposta certa todas as vezes. Mas a teoria de Kohlberg mostrou-se vulnerável quando alguém resolveu perguntar se o fato de saber a resposta certa levava a fazer a coisa certa. A melhor resposta que ele pôde apresentar a partir de sua pesquisa foi “às vezes”.1
A verdadeira moralidade nasce de um coração renovado pela graça. Disse o apóstolo Paulo: “Transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2). Experimentar a vontade de Deus significa mais do que conseguir dar a resposta certa para questões morais. Envolve mais do que simplesmente possuir informações. Não podemos alegar “experimentar” algo e permanecer indiferentes. Devemos, antes, torná-lo parte da nossa vida. E isso é possível somente com a renovação da nossa mente.
Essa mudança radical, que é a base do viver correto, não é um processo natural. Nem o condicionamento comportamental nem o raciocínio moral conseguem alcançá-la, embora ambos tenham seu lugar. O salmista entendeu isso quando escreveu: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim um espírito inabalável” (Salmo 51:10). Uma renovação do coração que resulte em verdadeira moralidade é um ato de criação, um dom de Deus.2
Por isso, o primeiro mandamento, que ordena pôr de lado os deuses falsos, não para aqui. O texto continua: “Não terás outros deuses diante de Mim.” Os “outros deuses”, que na realidade nem sequer são deuses, não devem ser substituídos por um vácuo. Depois de dizer o que não devemos fazer (isto é, não cultuar deuses falsos), o mandamento explica o que devemos fazer. A proibição se torna uma ordem para adorar o verdadeiro Deus.
Amor e Adoração
Certa vez, alguém perguntou a Jesus qual era o maior mandamento. Ele respondeu citando Deuteronômio 6:5: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento.” Depois acrescentou: “Este é o grande e primeiro mandamento” (Mateus 22:37 e 38).
Quando Satanás procurou tentá-Lo, Jesus disse que o primeiro mandamento nos ordena adorar a Deus. Aqui Ele diz que isso significa amá-Lo. “Eu amo o Daniel. Simplesmente o adoro”, foi o que declarou Jaqueline. Ela, naturalmente, não estava pensando em adoração ou culto no sentido religioso, mas estava mais perto da verdade do que você possa pensar, porque a adoração, na Bíblia, é uma expressão de amor.
A adoração, assim como o amor, é uma atitude do coração. É uma disposição e uma decisão de tornar Deus o primeiro, de colocá-Lo no trono da vida e de dar-Lhe o lugar como soberano, fazendo dEle o rei da nossa vida.
Dar a Deus o Seu lugar como soberano significa que não tentaremos sujeitá-Lo às nossas idéias preconcebidas de como Ele é ou de como deve fazer as coisas. E descartaremos a idéia de que podemos crer nEle só até onde pudermos compreendê-Lo. Se fôssemos fazer isso, então o ponto de partida da fé seria o ateísmo, e avançaríamos na direção da fé somente por esforços racionais. Além disso, Deus seria limitado pela nossa capacidade intelectual. Então, o que estaríamos adorando não mais seria Deus, mas algo finito, porque conheceríamos Seu comprimento, largura e altura, Seu princípio e Seu fim.3
Isso não significa que a fé cristã não tenha lugar para a razão e não reconheça o valor da evidência que a apóia. Não há nada errado em examinar essas evidências, mas elas não são a sua base.
O conhecimento de Deus não começa com a razão humana, mas com a revelação. Isto é, Deus precisa primeiro revelar-Se. Não podemos descobri-Lo por meio de nossos próprios esforços. E essa revelação de Deus teve sua expressão máxima em Jesus Cristo. “Ninguém jamais viu a Deus”, declarou o evangelista. “O Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem O revelou” (João 1:18).
Desde Seus primeiros anos, Jesus Se empenhou em ensinar como é Deus. Quando acolheu crianças em Seus braços e as abençoou; quando ensinou Seus discípulos às margens do lago; quando acalmou a tempestade e purificou o Templo – em todas essas coisas Ele estava dizendo: Deus é assim. O que Eu sou e faço revela Deus.
Pouco antes de Jesus ser crucificado, Filipe disse: “Senhor, mostra-nos o Pai” (João 14:8). A resposta de Jesus mostra que a pergunta Lhe causou dor: “Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não Me tens conhecido? Quem Me vê a Mim, vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (verso 9).
Os evangelhos mostram que Filipe era um discípulo lento para ouvir e rápido para duvidar. Infelizmente, eu me identifico muito com ele. Mas, por ter essa atitude, Filipe correu o sério risco de errar o caminho, porque a revelação de Deus nunca é enfiada em nossa mente por uma força esmagadora. A revelação é concedida silenciosamente àqueles que abrem os olhos, os ouvidos e, acima de tudo, o coração. Em vez de uma convicção monumental, o que precisamos é afastar os bloqueios à fé e deixar de fechar os olhos às evidências.
Ao aceitarmos o primeiro mandamento e concedermos a Deus Seu lugar como verdadeira divindade, essa revelação nos será concedida de forma pessoal. E essa é a única maneira de recebê-la.
Fazer de Deus o primeiro significa deixar de lado ideias, interesses e pensamentos que entrem em competição com Ele ou diminuam Sua soberania sobre nossa vida. Esse conceito é a base, o princípio fundamental da verdadeira moralidade e do viver espiritual. É um princípio abrangente que nos permitirá avaliar as infindáveis decisões e alternativas que enfrentamos no dia a dia.
Em cada caso, perguntaremos: Como este vídeo, este jogo, esta amizade, este emprego ou esta propriedade vai afetar meu relacionamento com Deus? Quando realmente começarmos a viver dessa maneira, a ordem e a moralidade tomarão conta da nossa vida, a paz substituirá a angústia, e a esperança afastará a depressão e o desespero. Somente então começaremos a compreender a obediência profundamente espiritual que Jesus descreveu no Sermão do Monte.
Por que esse é o Primeiro Mandamento?
Muitas pessoas que instintivamente crêem na existência de Deus não chegam ao ponto de torná-Lo o primeiro em sua vida. Mas esse é o único lugar que Ele pode ocupar se de fato for Deus. Por isso, esse mandamento vem em primeiro lugar. Se não dermos a Deus Seu lugar, se não tivermos feito dEle o Senhor de nossa vida, todos os outros mandamentos serão apenas regras morais que não têm poder maior do que milhares de outras boas idéias.
A pergunta não é: “Já tenho uma compreensão plena e completa acerca de Deus e de Sua vontade para a minha vida?” Nem ainda: “Sou bom o suficiente para que Ele me aceite?” Tampouco é: “Já estou obedecendo aos outros mandamentos?” Você não pode chegar ao primeiro mandamento por obedecer aos outros nove. Em vez disso, você precisa chegar aos outros nove por meio deste.
A pergunta que preciso fazer a mim mesmo é extremamente simples, mas muito importante: “Estou disposto a conceder a Deus Seu verdadeiro e legítimo lugar? Estou disposto a torná-Lo o primeiro?” É disso que trata o primeiro mandamento. Aqui está um antigo convite que ainda nos fala através dos séculos: “Que é o que o Senhor requer de ti? Não é que temas o Senhor, teu Deus, e andes em todos os Seus caminhos, e O ames, e sirvas ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e de toda a tua alma”? (Deuteronômio 10:12).
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1 W. C. Crain, Theories of Development (Nova York: Prentice-Hall, 1985), p. 118-136: “A escala de Kohlberg tem a ver com o pensamento moral, não com ação moral. Como todos sabem, as pessoas que conseguem conversar em um elevado nível moral podem não se comportar coerentemente. Em consequência, não esperaríamos uma correlação perfeita entre juízo moral e ação moral. Ainda assim, Kohlberg pensa que deve haver alguma relação.” Ver também Lawrence Kohlberg e Elliott Turiel, Psychology and Educational Practice, ed. C. S. Lesser (Glenview: Scott, Foresman, 1971), p. 458.
2 “Quem está unido com Cristo é uma nova pessoa” (2 Coríntios 5:17, NTLH).
3 Ver Robert Wilkens, em First Things 37 (1993):13-18.

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