Vendo sua confusão, disse bondosamente: “Peço-vos, chegai-vos a mim”; e, aproximando-se eles, continuou: “Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito.Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos pese aos vossos olhos por me haverdes vendido para cá; porque para conservação da vida, Deus me enviou diante da vossa face”. Gênesis 45:4, 5. Entendendo que já haviam sofrido muito pela sua crueldade para com ele, procurou nobremente banir seus temores, e diminuir a amargura da exprobração a si mesmos. PP 159.6
“Porque”, continuou ele, “já houve dois anos de fome no meio da terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem sega. Pelo que Deus me enviou diante da vossa face, para conservar vossa sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito. Apressai-vos, e subi a meu pai, e dizei-lhe: Assim tem dito o teu filho José: Deus me tem posto por senhor em toda a terra do Egito; desce a mim, e não te demores; e habitarás na terra de Gósen, e estarás perto de mim, tu e os teus filhos, e os filhos dos teus filhos, e as tuas ovelhas, e as tuas vacas, e tudo o que tens. E ali te sustentarei, porque ainda haverá cinco anos de fome, para que não pereças de pobreza, tu e tua casa, e tudo o que tens. E eis que vossos olhos vêem, e os olhos de meu irmão Benjamim, que é minha boca que vos fala. PP 160.1
“E lançou-se ao pescoço de Benjamim, seu irmão, e chorou; e Benjamim chorou também ao seu pescoço. E beijou a todos os seus irmãos, e chorou sobre eles; e depois seus irmãos falaram com ele”. Gênesis 45:6-15. Confessaram humildemente seu pecado, e rogaram perdão. Haviam muito tempo sofrido de ansiedade e remorso, e agora regozijavam-se de que ele ainda estivesse vivo. PP 160.2
A notícia do que tivera lugar rapidamente fora levada ao rei, o qual, ansioso por manifestar sua gratidão para com José, confirmou o convite do governador a sua família, dizendo: “O melhor de toda a terra do Egito será vosso”. Gênesis 45:20. Os irmãos foram enviados abundantemente supridos de provisões e carros, e de todas as coisas necessárias para a mudança de todas as famílias e subordinados para o Egito. A Benjamim, José concedeu presentes mais valiosos do que aos outros. Então, receando que surgissem entre eles discussões durante a viagem para casa, fez lhes esta recomendação, ao estarem eles prestes a partir: “Não contendais pelo caminho”. Gênesis 45:24. PP 160.3
Os filhos de Jacó voltaram a seu pai com estas alegres novas: “José ainda vive, e ele também é regente em toda a terra do Egito.” A princípio o ancião ficou abismado; não podia crer o que ouvia; mas, quando viu o longo séquito de carros e animais carregados, e Benjamim se achou de novo com ele, convenceu-se e, na plenitude de sua alegria, exclamou: “Basta; ainda vive meu filho José, eu irei, e o verei antes que morra”.Gênesis 45:26, 28. PP 160.4
Outro ato de humilhação restava aos dez irmãos. Confessaram agora ao pai o engano e crueldade que durante tantos anos haviam amargurado a sua vida e a deles. Jacó não suspeitara serem capazes de pecado tão vil, mas viu que tudo tinha sido encaminhado para o bem, e perdoou e abençoou seus filhos erradios. PP 160.5
O pai e seus filhos, juntamente com as famílias destes, os seus rebanhos e gado, e numerosos agregados, logo estavam a caminho para o Egito. Com alegria de coração prosseguiram em sua viagem, e, quando chegaram a Berseba, o patriarca ofereceu gratos sacrifícios, e rogou ao Senhor que lhes concedesse a segurança de que com eles iria. Em visão da noite veio-lhe a palavra divina: “Não temas descer ao Egito, porque Eu te farei ali uma grande nação. E descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir”. Gênesis 46:3, 4.PP 161.1
A afirmação — “Não temas descer ao Egito, porque Eu te farei ali uma grande nação” — era significativa. A Abraão fora feita a promessa de uma posteridade inumerável como as estrelas; mas por enquanto o povo escolhido não havia aumentado senão vagarosamente. E agora a terra de Canaã não oferecia campo para o desenvolvimento de uma nação tal como fora predita. Estava na posse de poderosas tribos gentílicas, que não deveriam ser despojadas até “a quarta geração”. Gênesis 15:16. Se os descendentes de Israel deviam ali tornar-se um povo numeroso, teriam de, ou expulsar os habitantes da terra, ou dispersar-se entre eles. Não podiam fazer de acordo com a primeira alternativa, em conformidade com a disposição divina; e, se eles se misturassem com os cananeus estariam em perigo de serem seduzidos à idolatria. O Egito, contudo, oferecia as necessárias condições para o cumprimento do propósito divino. Uma região do país, bem regada e fértil, foi-lhes aberta ali, proporcionando toda a vantagem para o seu rápido aumento. E a antipatia que deveriam encontrar no Egito, por causa de sua ocupação — pois que todo pastor era “abominação para os egípcios” (Gênesis 43:32) — habilitá-los-ia a permanecer como um povo distinto e separado, e serviria assim para os excluir da participação na idolatria do Egito. PP 161.2
Chegando ao Egito, a multidão encaminhou-se diretamente para a terra de Gósen. Ali chegou José em seu carro oficial, acompanhado de uma comitiva principesca. O esplendor do que o cercava e a dignidade de sua posição foram semelhantemente esquecidos; um pensamento apenas lhe enchia a mente, um anelo fremia seu coração. Vendo ele os viajantes que se aproximavam, o amor cujos anseios por tantos longos anos haviam sido reprimidos, não mais foi dominado. Saltou do carro e apressou-se a dar as boas-vindas ao pai. E “lançou-se ao seu pescoço, e chorou sobre o seu pescoço longo tempo. E Israel disse a José: Morra eu agora, pois já tenho visto o teu rosto, que ainda vives”. Gênesis 46:30. PP 161.3
José levou cinco de seus irmãos para os apresentar a Faraó, e recebeu dele a concessão da terra para a sua futura morada. A gratidão para com o seu primeiro-ministro teria levado o rei a honrá-los, designando-os para cargos de Estado; José, porém, fiel ao culto a Jeová, procurou salvar seus irmãos das tentações a que estariam expostos em uma corte gentílica; portanto, aconselhou-os a que, quando fossem interrogados pelo rei, lhe contassem francamente sua ocupação. Os filhos de Jacó seguiram este conselho, tendo também o cuidado de declarar que tinham vindo para peregrinar na terra, não para se tornarem habitantes permanentes ali, reservando assim o direito de partirem, se o quisessem. O rei indicou-lhes uma morada, oferecida “no melhor da terra” (Gênesis 47:6), o território de Gósen.PP 161.4
Não muito tempo depois de sua chegada, José trouxe também a seu pai para ser apresentado a Faraó. O patriarca era um estranho nas cortes reais; mas entre as cenas sublimes da natureza tinha tido comunhão com um Rei mais poderoso; e agora, em uma consciente superioridade, levantou as mãos e abençoou a Faraó. PP 162.1
Em sua primeira saudação a José, Jacó falara como estivesse pronto a morrer, depois daquele feliz termo à sua longa ansiedade e tristeza. Mas dezessete anos deveriam ainda ser-lhe concedidos no retiro pacífico de Gósen. Estes anos estiveram em feliz contraste com aqueles que os precederam. Viu em seus filhos provas de verdadeiro arrependimento; viu sua família rodeada de todas as condições necessárias ao desenvolvimento de uma grande nação; e sua fé apegou-se à segura promessa de seu futuro estabelecimento em Canaã. Ele próprio estava cercado de todo o indício de amor e favor que o primeiro-ministro do Egito poderia conferir; e, feliz na companhia de seu filho durante tanto tempo perdido, desceu calma e pacificamente à sepultura. PP 162.2
Sentindo aproximar-se a morte, mandou chamar José. Atendo-se ainda firmemente à promessa de Deus relativa à posse de Canaã, disse: “Rogo-te que me não enterres no Egito, mas que eu jaza com meus pais; por isso me levarás do Egito, e me sepultarás na sepultura deles”. Gênesis 47:29, 30. José prometeu fazê-lo, mas Jacó não estava satisfeito; exigiu um juramento solene para o depor ao lado de seus pais na cova de Macpela. PP 162.3
Outro assunto importante reclamava atenção; os filhos de José deveriam ser com as devidas formalidades incluídos entre os filhos de Israel. José, vindo para a última entrevista com seu pai, trouxe consigo Efraim e Manassés. Estes jovens estavam ligados, por sua mãe, à mais elevada ordem do sacerdócio egípcio; e a posição de seu pai abria-lhes as portas da riqueza e distinção, caso preferissem eles unir-se aos egípcios. Era, entretanto o desejo de José que eles se unissem ao seu próprio povo. Manifestou sua fé na promessa do concerto, renunciando em favor de seus filhos todas as honras que a corte do Egito oferecia, e isto para ter um lugar entre as desprezadas tribos de pastores, às quais foram confiados os oráculos de Deus. PP 162.4
Disse Jacó: “Os teus dois filhos, que te nasceram na terra do Egito, antes que eu viesse a ti no Egito, são meus; Efraim e Manassés serão meus, como Rúben e Simeão”. Gênesis 48:5. Deviam ser adotados como seus, e tornar-se cabeças de tribos distintas. Assim um dos privilégios da primogenitura, que Rúben havia perdido, recairia em José — uma dupla porção em Israel. PP 162.5
A vista de Jacó estava obscurecida pela idade, e não notara a presença dos moços; agora, porém, percebendo o contorno de suas formas, disse: “Quem são estes?” Sendo-lhe dito quem eram, acrescentou: “Peço-te, trazemos aqui, para que os abençoe.” Aproximando-se eles, o patriarca abraçou-os e beijou-os, pondo-lhes solenemente as mãos sobre a cabeça, para abençoá-los. Proferiu então esta oração: “O Deus, em cuja presença andaram os meus pais Abraão e Isaque, o Deus que me sustentou, desde que eu nasci até este dia; o Anjo que me livrou de todo o mal, abençoe estes rapazes”. Gênesis 48:8, 9, 15, 16. Não havia então o espírito de dependência de si mesmo, nem confiança no poder e sagacidade humanos. Deus tinha sido o seu preservador e apoio. Não havia queixa dos maus dias do passado. Suas provações e tristezas não mais eram consideradas como coisas que vieram sobre ele. Gênesis 42:36. A memória apenas trazia a lembrança da misericórdia e amorável bondade de Deus, que com ele estiveram durante toda a sua peregrinação. PP 163.1
Terminada a bênção, Jacó fez a seu filho esta afirmação (deixando às gerações vindouras, através de longos anos de cativeiro e tristeza, este testemunho de sua fé): “Eis que eu morro, mas Deus será convosco, e vos fará tornar à terra de vossos pais”. Gênesis 48:21. PP 163.2
Finalmente todos os filhos de Jacó foram reunidos em redor de seu leito de morte. E Jacó chamou os filhos e disse: “ajuntai-vos, e ouvi, filhos de Jacó; e ouvi a Israel vosso pai”, “e anunciar-vos-ei o que vos há de acontecer nos derradeiros dias”. Gênesis 49:2, 1. Muitas vezes, e com ansiedade, havia pensado no futuro deles, e se esforçara por figurar a si mesmo a história das diferentes tribos. Agora, quando os filhos esperavam receber sua última bênção, o Espírito de inspiração repousou sobre ele; e, em visão profética, desvendou-se-lhe o futuro de seus descendentes. Um após outro, os nomes de seus filhos foram mencionados, descrito o caráter de cada um, e de modo breve predita a futura história da tribo. PP 163.3
“Rúben, tu és meu primogênito, minha força, e o princípio de meu vigor, o mais excelente em alteza, o mais excelente em poder”. Gênesis 49:3. PP 163.4
Assim o pai descreveu qual teria sido a posição de Rúben como filho primogênito; mas seu grave pecado em Edar fê-lo indigno da bênção da primogenitura. Continuou Jacó: PP 163.5
“Inconstante como a água, não serás o mais excelente”. Gênesis 49:4.PP 163.6
O sacerdócio foi designado a Levi, o reino e a promessa messiânica a Judá, e a dupla porção da herança a José. A tribo de Rúben nunca sobressaiu em Israel; não foi tão numerosa como Judá, José, ou Dã, e achou-se entre as primeiras que foram levadas em cativeiro. PP 163.7
Seguindo-se pela idade a Rúben estavam Simeão e Levi. Eles estiveram unidos em sua crueldade para com os siquemitas, e foram também os mais culpados de ser José vendido. Foi declarado com respeito a eles: PP 163.8
“Eu os dividirei em Jacó, e os espalharei em Israel”. PP 164.1Gênesis 49:7.
No recenseamento de Israel, precisamente antes de sua entrada em Canaã, Simeão era a menor tribo. Moisés em sua última bênção, não fez referência a Simeão. No estabelecimento das tribos em Canaã, teve esta unicamente uma pequena parte do quinhão de Judá, e as famílias que mais tarde se tornaram poderosas formaram diferentes colônias, e estabeleceram-se territórios fora das fronteiras da Terra Santa. Levi também não recebeu herança, a não ser quarenta e oito cidades espalhadas em diferentes partes da terra. No caso desta tribo, entretanto, sua fidelidade a Jeová, quando as outras tribos apostataram, assegurou a designação da mesma ao serviço sagrado do santuário, e assim a maldição se transformou em bênção. PP 164.2
As bênçãos da primogenitura, mais importantes que todas as outras, foram transferidas a Judá. A significação do nome, que denota louvor, desvenda-se na história profética desta tribo: PP 164.3
“Judá, a ti te louvarão os teus irmãos; a tua mão será sobre o pescoço de teus inimigos; os filhos de teu pai a ti se inclinarão. Judá é um leãozinho, da presa subiste, filho meu. Encurva-se, e deita-se como um leão, e como um leão velho; quem o despertará? O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló; e a Ele se congregarão os povos”. Gênesis 49:8-10. PP 164.4
O leão, rei das selvas, é um símbolo apropriado desta tribo, da qual veio Davi, e o Filho de Davi, Siló, o verdadeiro “Leão da tribo da Judá”, perante quem todos os poderes finalmente se encurvarão, e todas as nações prestarão homenagem. PP 164.5
Para a maior parte de seus filhos Jacó predisse um futuro próspero.Chegou finalmente ao nome de José, e o coração do pai transbordou ao invocar ele bênçãos sobre a cabeça daquele que “foi separado de seus irmãos” (Gênesis 49:26): PP 164.6
“José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte; seus ramos correm sobre o muro. Os flecheiros lhe deram amargura, e o frecharam e aborreceram. O seu arco, porém, susteve-se no forte, e os braços de suas mãos foram fortalecidos pelas mãos do Valente de Jacó (Donde é o pastor e a pedra de Israel), PP 164.7
Pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará, e pelo Todo-poderoso, o qual te abençoará com bênçãos dos Céus de cima, com bênçãos do abismo que está debaixo, com bênçãos dos peitos e da madre. As bênçãos de teu pai excederão as bênçãos de meus pais, até à extremidade dos outeiros eternos; elas estarão sobre a cabeça de José, e sobre o alto da cabeça do que foi separado de seus irmãos”.Gênesis 49:22-26. PP 164.8
Jacó fora sempre homem de afeição profunda e ardorosa; seu amor para com os filhos era forte e terno, e o testemunho que lhes proferiu à hora da morte, não foi uma declaração de parcialidade ou ressentimento. Ele lhes perdoara a todos, e os amou até o fim. Sua ternura paternal teria encontrado expressão apenas em palavras de animação e esperança; mas o poder de Deus repousou sobre ele, e sob a influência da inspiração foi constrangido a declarar a verdade, ainda que penosa. PP 164.9
Pronunciadas as últimas bênçãos, Jacó repetiu a incumbência relativa ao seu sepultamento: “Eu me congrego ao meu povo; sepultai-me com meus pais, […] na cova que está no campo de Macpela.” “Ali sepultaram a Abraão, e a Sara sua mulher; ali sepultaram a Isaque, e a Rebeca sua mulher; e ali eu sepultei a Léia”. Gênesis 49:29-31. Assim o último ato de sua vida foi manifestar fé na promessa de Deus. PP 165.1
Os últimos anos de Jacó trouxeram uma tarde de tranquilidade e repouso após um dia cheio de inquietações e cansaço. Acumularam-se nuvens negras por sobre o seu caminho; contudo, claro se pôs o seu sol, e o brilho do céu iluminou suas últimas horas. Dizem as Escrituras: “No tempo da tarde haverá luz”. Zacarias 14:7. “Nota o homem sincero, e considera o que é reto, porque o futuro desse homem será de paz”. Salmos 37:37. PP 165.2
Jacó tinha pecado, e havia sofrido profundamente. Muitos anos de labuta, cuidados e tristeza ele os havia tido desde o dia em que seu grande pecado fê-lo fugir das tendas de seu pai. Como fugitivo sem lar, separado de sua mãe, a quem nunca mais viu, trabalhando sete anos por aquela que amava, apenas para ser vilmente enganado; labutando vinte anos ao serviço de um parente ávido e ganancioso, vendo sua riqueza aumentar, e seus filhos crescerem em redor de si, mas encontrando pouca alegria na casa contenciosa e dividida; angustiado pela desonra de sua filha, pela vingança dos irmãos da mesma, pela morte de Raquel, pelo crime desnatural de Rúben, pelo pecado de Judá, pelo engano e malícia cruéis praticados para com José — quão longo e tenebroso é o catálogo de males que se estende à vista! Muitas vezes colheu ele o fruto daquela primeira ação errada. Em freqüentes ocasiões viu repetir-se entre seus filhos os pecados de que ele próprio fora culpado. Mas, amarga como fora a disciplina, cumprira ela a sua obra. O castigo, se bem que atroz, produzira “um fruto pacífico de justiça”. PP 165.3
A Inspiração registra fielmente as faltas de homens bons, daqueles que se distinguiram pelo favor de Deus; efetivamente, suas faltas são apresentadas de modo mais completo do que as virtudes. Isto tem sido objeto para a admiração de muitos e tem dado aos incrédulos ocasião para escarnecerem da Bíblia. É, porém, uma das mais fortes provas da verdade das Escrituras, não serem os fatos explicados de maneira que os favoreça, nem suprimidos os pecados de seus principais personagens. A mente dos homens é tão sujeita ao preconceito que não é possível serem as histórias humanas absolutamente imparciais. Houvesse a Bíblia sido escrita por pessoas não inspiradas, e teria sem dúvida apresentado o caráter de seus homens honrados sob uma luz mais lisonjeira. Mas, assim como é, temos um registro exato de suas experiências. PP 165.4
Homens a quem Deus favoreceu, e a quem confiou grandes responsabilidades, foram algumas vezes vencidos pela tentação, e cometeram pecado, mesmo como nós, presentemente, esforçamo-nos, vacilamos, e frequentemente caímos em erro. Sua vida, com todas as suas faltas e loucuras, estão patentes diante de nós, tanto para a nossa animação como advertência. Se eles fossem representados como estando sem faltas, nós, com a nossa natureza pecaminosa, poderíamos desesperar-nos pelos nossos erros e fracassos. Mas, vendo onde outros lutaram através de desânimos semelhantes aos nossos, onde caíram sob a tentação como o temos feito, e como todavia se reanimaram e venceram pela graça de Deus, animemo-nos em nosso esforço para alcançar a justiça. Como eles, embora algumas vezes repelidos, recuperaram o terreno, e foram abençoados por Deus, assim nós também podemos ser vencedores na força de Jesus. De outro lado, o registro de sua vida pode servir como advertência para nós. Mostra que Deus de nenhuma maneira terá por inocente o culpado. Ele vê o pecado nos seus mais favorecidos, e trata com o mesmo neles mais estritamente até do que naqueles que têm menos luz e responsabilidade. PP 166.1
Depois do sepultamento de Jacó, o temor encheu novamente o coração dos irmãos de José. Apesar de sua bondade para com eles, uma culpabilidade consciente fê-los desconfiados e suspeitosos. Poderia ser que tão-somente houvesse ele retardado a vingança por consideração a seu pai, e que agora por seu crime trouxesse sobre eles o castigo, por tanto tempo adiado. Não ousaram aparecer diante dele, pessoalmente, mas enviaram uma mensagem: “Teu pai mandou, antes da sua morte, dizendo: assim direis a José: Perdoa, rogo-te, a transgressão de teus irmãos, e o seu pecado, porque te fizeram mal; agora pois rogamos-te que perdoes a transgressão dos servos do Deus do teu pai.” Esta mensagem afetou José até as lágrimas, e, animados com isto, seus irmãos vieram e prostraram-se diante dele, com as palavras: “Eis-nos aqui por teus servos.” O amor de José por seus irmãos era profundo e abnegado, e ele ficou compungido com o pensamento de que o julgassem capaz de acariciar um espírito de vingança para com eles.“Não temais”, disse ele, “porque porventura estou eu no lugar de Deus? Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida um povo grande; agora pois não temais; eu vos sustentarei a vós e a vossos meninos”. Gênesis 50:16-21. PP 166.2
A vida de José ilustra a de Cristo. Foi a inveja que moveu os irmãos de José a vendê-lo como escravo; tiveram a esperança de impedir que se tornasse maior do que eles. E, quando foi levado para o Egito, lisonjearam-se de que não mais seriam perturbados com os seus sonhos; de que haviam removido toda a possibilidade de sua realização. Mas sua conduta foi dirigida por Deus a fim de levar a efeito o mesmo acontecimento que tencionavam impedir. Semelhantemente os sacerdotes e anciãos judeus estavam invejosos de Cristo, receando que deles atraísse a atenção do povo. Mataram-nO para impedir que se tornasse rei, mas estiveram desta maneira a efetuar este mesmo resultado. PP 166.3
José, mediante seu cativeiro no Egito, tornou-se um salvador para a família de seu pai; contudo, este fato não diminuiu a culpa de seus irmãos. Semelhantemente, a crucificação de Cristo, pelos Seus inimigos, dEle fez o Redentor da humanidade, o Salvador de uma raça decaída, e Governador do mundo inteiro; mas o crime de Seus assassinos foi precisamente tão hediondo como se a mão providencial de Deus não houvesse dirigido os acontecimentos para Sua glória e o bem do homem. PP 167.1
Assim como José foi vendido aos gentios por seus próprios irmãos, foi Cristo vendido aos piores de Seus inimigos por um de Seus discípulos.José foi acusado falsamente e lançado na prisão por causa de sua virtude; assim Cristo foi desprezado e rejeitado porque Sua vida justa, abnegada, era uma repreensão ao pecado; e, se bem que não tivesse a culpa de falta alguma, foi condenado pelo depoimento de testemunhas falsas. E a paciência e humildade de José sob a injustiça e a opressão, seu perdão pronto e a nobre benevolência para com seus irmãos desnaturados, representam o resignado sofrimento do Salvador, pela malícia e maus-tratos de homens ímpios, e Seu perdão não somente aos Seus assassinos, mas a todos que a Ele têm vindo confessando seus pecados e buscando perdão. PP 167.2
José sobreviveu a seu pai cinqüenta e quatro anos. Viveu até ver “os filhos de Efraim, da terceira geração; também os filhos de Maquir, filho de Manassés, nasceram sobre os joelhos de José”. Gênesis 50:23. Ele testemunhou o aumento e prosperidade de seu povo, e através de todos os anos permaneceu inabalável sua fé de que Deus restauraria a Israel a Terra da Promessa. PP 167.3
Quando viu que seu fim estava perto, convocou os parentes ao redor de si. Conquanto houvesse sido honrado na terra dos Faraós, o Egito para ele não era senão lugar de seu exílio; seu último ato deveria significar que sua sorte fora lançada com Israel. Foram suas últimas palavras: “Deus certamente vos visitará, e vos fará subir desta terra para a terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó.” E obteve um juramento solene dos filhos de Israel de que levariam seus ossos consigo à terra de Canaã. “E morreu José da idade de cento e dez anos; e o embalsamaram, e o puseram num caixão no Egito”. Gênesis 50:24, 26. E por todos os séculos de labutas que se seguiram, aquele ataúde, lembrança das derradeiras palavras de José, testificou a Israel de que apenas eram peregrinos no Egito, e ordenava-lhes conservar fixas as suas esperanças na Terra da Promessa, pois que o tempo do livramento certamente haveria de vir. PP 167.4