Crítica Textual – Batismo em nome de quem? – Mateus 28:19

por Ozeas Caldas Moura
Th.D., editor na Casa Publicadora Brasileira
Fonte: Revista Adventista – Julho 2007

A fórmula trinitária e o batismo “em nome de Jesus

Mateus 28:19 diz: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.”1

Uma tradução literal do texto seria: “Indo, discipulai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Essa é a chamada “fórmula batismal” na qual Jesus ordenou que Seus seguidores fossem batizados.

Quando o Novo Testamento menciona batismos “em nome de Jesus” (Atos 2:38; 8:16; 10:48), não está explicitando, nesses textos, a fórmula batismal, ou seja, as próprias palavras mencionadas na ocasião do batismo, mas dizendo que os cristãos eram batizados na doutrina e na autoridade da pessoa de Jesus, e de que a Ele pertenciam.2 Veja três exemplos de “nome” com o significado de pessoa: “Chegou isto aos ouvidos do rei Herodes, porque o nome de Jesus já se tornara notório; e alguns diziam: João Batista ressuscitou dentre os mortos, e, por isso, nele operam forças miraculosas” (Marcos 6:14); “Pela fé em o nome de Jesus, é que esse mesmo nome fortaleceu a este homem que agora vedes e reconheceis; sim, a fé que vem por meio de Jesus deu a este saúde perfeita na presença de todos vós” (Atos 3:16), e “…homens que têm exposto a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos 15:26).

Os apóstolos, com certeza, obedeceram à ordem explícita de Jesus para batizarem “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28:19).

Alguém poderia objetar quanto ao fato de que essa ordem de Jesus para batizar em nome das três pessoas divinas só aparece uma vez, e por isso, não mereceria credibilidade.

Perguntamos: Partindo dos lábios do próprio Cristo, não bastaria? A credibilidade de uma afirmação é medida pela quantidade de vezes em que é pronunciada, ou o é pela confiabilidade da pessoa que a pronunciou?

Do contrário, o postulado nazista de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler, estaria certo: A mentira repetida cem vezes vale mais que a verdade dita uma vez.”

Se algo mencionado apenas uma vez não merecesse confiança, então deveriam ser descartados da Bíblia, por exemplo, os textos de Daniel 8:14 (purificação do Santuário ao fim das “duas mil e trezentas tardes e manhas”); João l0:17 e 18 (Jesus dizendo que dava Sua vida para reassumi-la); João 8:58 (Antes que Abraão existisse, Eu sou”); João 11:25 (“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra, viverá”); João 7:37 (“Se alguém tem sede, venha a Mim e beba”); João 13:1-17 (a cerimônia do lava-pés), etc. Mas ninguém, em são juízo, ousaria questionar a validade desses textos e as doutrinas ou ensinamentos que contêm (purificação do Santuário, eternidade de Cristo, a ressurreição, a salvação em Cristo, e o lava-pés), mesmo que apareçam apenas uma vez na Escritura.

Mateus 28:19: autêntico ou inserção posterior ao texto? – O ônus da prova cabe a quem afirma,sem bases sólidas, de que Mateus 28:19 é uma interpolação ou inserção posterior ao texto do Evangelho de Mateus.

Consultando-se os mais de 1.400 manuscritos que trazem o texto do Evangelho de Mateus, vê-se que em todos eles constam os dizeres do verso 19 do capítulo 28 de Mateus. Esse verso foi tão bem preservado que, ao se olhar o aparato crítico (notas de rodapé) do Novo Testamento Grego, editado por Kurt Aland, não se vê nenhuma menção a acréscimos, supressões ou variantes textuais (outra maneira de dizer) referentes ao texto de Mateus 28:19.3.

Quanto ao argumento de que um suposto original hebraico de Mateus não contivesse a expressão: “batizando- os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”, no verso 19 de Mateus 28, deve-se dizer que isso se baseia nas palavras de Papias (c. 60 -130), bispo de Hierápolis, mencionadas por Eusébio de Cesaréia (c. 260 – c. 340), de que “Mateus escreveu as logia (termo grego que significa declarações, oráculos) em hebraico…, que outros iam traduzindo conforme eram capazes? Mas, seriam essas “logia” o próprio Evangelho de Mateus? Não se pode provar que fossem. O mais provável é que Papias fez confusão entre algum material em hebraico (mais provavelmente, em aramaico) de Mateus com esse Evangelho como hoje o conhecemos.

A respeito disso diz Gundry: “O Evangelho de Mateus não parece ser uma tradução feita de um original semítico… Papias talvez se referiu a uma série de textos em hebraico ou aramaico, coligidos por Mateus e, posteriormente, incorporados em seu evangelho, tendo sido traduzidos para o grego. A certeza com respeito ao significado da declaração de Papias é algo que nos escapa.”5 O certo é que o próprio Eusébio, que cita Papias, dele se queixava, por misturar “fatos com rumores”.6

É curioso como aqueles que se estribam em Eusébio (quando cita Papias) para falar de um suposto evangelho em hebraico ou aramaico, no qual não haveria a menção às três pessoas divinas em Mateus 28:19, deixam de ver que o mesmo Eusébio escreveu o Credo de Cesaréia e o apresentou diante do Concílio de Nicéia. Nesse credo, Eusébio não apenas nomeia explicitamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas também confirma a autenticidade de Mateus 28:19: Cremos em um Deus o Pai Onipotente, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o Verbo de Deus, Deus de Deus, Luz de Luz, Vida de Vida, e Filho unigénito, o primogênito de toda criação, gerado de Deus o Pai antes de todas as eras, por quem todas as coisas foram feitas; que pela nossa salvação foi feito carne e habitou entre os homens; e sofreu; e ressuscitou no terceiro dia; e ascendeu ao Pai; e virá outra vez em glória, para Julgar vivos e mortos. [Cremos] também em um Espírito Santo. Cremos que cada um deles é e existe, o Pai verdadeiramente Pai, e o Filho verdadeiramente Filho, e o Espírito Santo verdadeiramente Espírito Santo; como nosso Senhor, ao enviar Seus discípulos a pregar, disse: “Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.7

Mas, mesmo antes de Eusébio citar a fórmula batismal de Mateus 28:19 em seu credo, o Didaquê (tipo de manual sobre moral e práticas cristãs, escrito entre o fim do I o século e começo do 2º) já comprovava sua existência e autenticidade ao afirmar: “Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (capítulo VII, 1). Também fizeram alusão à fórmula batismal Justino Mártir (c. 100-c. 165) e Tertuliano (C.160-C. 225).8

Após essas considerações bíblicas e históricas, podemos resumir o assunto da autenticidade da fórmula batismal em Mateus 28:19 dizendo que:

1. É bíblica, estando na mesma linha daquelas passagens que mostram que Deus é único em natureza, mas são três pessoas divinas (Isaías 48:16; Mateus 3:16, 17; Lucas 3:21, 22; João 14:16, 17; 15:26; 2 Coríntios 13:13; Gálatas 4:6; Efésios 4: 4 – 6; I Pedro 1:2; Tito 3: 4-7, etc);

2. Está presente em todos os manuscritos encontrados do Evangelho de Mateus;

3. Não se achou nenhum manuscrito com um suposto evangelho de Mateus em hebraico ou aramaico sem essa fórmula trinitária;

4. Consta no Didaquê – um dos mais antigos manuais de moral e prática cristãs da igreja primitiva (datado do fim do I o século e início do 2º);

5. Até prova em contrário, saiu dos lábios do próprio Cristo;

6. Era conhecida pelos antigos Pais da Igreja, e foi por eles mencionada;

7. Porque Ellen G. White, a mensageira do Senhor, a citou 168 vezes em seus escritos.9

Gostaria de concluir com as seguintes palavras:

“Quando alguém é batizado em nome da Trindade, professa recepção e apropriação de Deus em tudo o que Ele é, em tudo o que Ele faz pelo homem. Ele reconhece e depende de Deus o Pai como seu Criador e Mantenedor; recebe a Jesus Cristo como seu único Mediador e Redentor, e seu Padrão de vida; e confessa o Santo Espírito como seu Santificador e Confortador.”10

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Coríntios 13:13). Amém!

Referências

1. 0s versos 18-20 de Mateus 28 são considerados “a passagem-chave deste Evangelho”(EARLE, R., et al. Comentário Bíblico Beacon, v. 6. CPAD: Rio de Janeiro, 2006, p. 192).

2. \C0ENEN, L. [ed.). 0 Novo Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1. São Paulo: Vida Nova, 1989, p. 263.

3. ALAND, K., et al. (eds.). The Greek New Testament. Münster/Westphalia: United Bible Societies, 1975, p. 117. Champlin menciona a presença de Mateus 28:19 em todos os manuscritos encontrados desse Evangelho, e diz que somente a preposição “portanto” [oun, em grego) está ausente de uns poucos manuscritos (Aleph, A E F H K M S U V, Gamma e outros), mas que ela é parte bem antiga do texto, estando presente em manuscritos como o Delta, os da Família Pi e no Códice Vaticano. Mas com essa preposição ou não, o sentido do texto permanece inalterado (ver CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado, v 1. Candeia: São Paulo, 1995, p. 654).

4. EUSÉBIO DE CESARÉIA, História Eclesiástica III. 39.16 (citado em GUNDRY, R. H. Panorama do Movo Testamento. Vida Nova: São Paulo, 1991, p. 91).

5. GUNDRY, R. H. Panorama do Movo Testamento, op. cit., p. 91.

6. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado, v.1, op cit., p. 259.

7. SCHAFF, F. (ed.). The Creedsof Christendom, v. 2. Grand Rapids: Baker, 1990, p. 29,30.

8. Mais comentários quanto à Trindade e à fórmula batismal de Mateus 28:19, o leitor pode encontrar em “Mateus 28:19 – falso ou autêntico?”, de José Carlos Ramos [Revista Adventista, maio de 2005, p.10), na “Resenha crítica do livro ‘Eu e o Pai Somos Um”‘, de Alberto R. Timm [Parousia, ano 4, n° 2, ano 2005, p. 69-93), e em “Trindade: um dogma de Constantino?”, de Rodrigo P. Silva [Parousia, ano 4, n° 2, ano 2005, p. 31 -39).

9. Segundo Alberto R. Timm, no” CD-ROM The Complete Published Ellen G. White Writings (versão 3.0) aparece 168 vezes a expressão batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo’, levando-se em consideração as variantes ‘Holy Spirit1 e ‘Holy Ghost. Se essa expressão fosse uma interpolação herética, como alegam alguns, cremos que Ellen White não a teria repetido tantas vezes em seus escritos publicados.” [Parousia, ano 4, n° 2,2°semestre de 2005, op. cit., p. 82).

10. VINCENT, M. & Word Studies in the New Testament, v1. Peabody: Hendrickson Publishers, s/d, p.150.

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