Daniel 11 – por Siegfried J. Schwantes – Os Poderes Terrestres contra o Povo de Deus

11:1 – Este verso é claramente parte do prólogo, pois contém uma palavra final das atividades de Gabriel na esfera terrestre. A visão propriamente dita foi dada a Daniel no terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia (10:1). Mas já nos dias de Dario o Medo (5:31; 6:28; 9:1) Gabriel se ocupava em fortalecê-lo e animá-lo.

A visão propriamente dita começa no v.2, e depois de uma breve revista dos reis da Pérsia e a subida ao poder de Alexandre o Grande, trata em maior detalhe do conflito entre Ptolomeus do Egito e os Selêucidas da Síria, da opressão dos santos pelos poderes seculares sucessivos, até a intervenção de Miguel a seu favor. Poucos símbolos são usados nesta visão, mas a massa de pormenores torna qualquer tentativa de interpretação difícil.

Como a visão é datada do terceiro ano de Ciro (10:1), segue-se que os três reis que ainda se levantariam na Pérsia seriam Cambises II, o Falso Smerdis (conhecido nas fontes gregas como Bardiya), e Dario I (522-486 a.C.). O quarto seria Xerxes (486-464), geralmente identificado com o Assuero do livro de Ester (1:1), onde se destaca sua imensa riqueza (Ester 1:4-7).

“Suscitará a todos contra o reino da Grécia” (texto corrigido). Xerxes fez grandes preparativos para vingar a derrota sofrida pelos exércitos persas face aos gregos em Maratona (490 a.C.). Heródoto (VII, 61-80) conta mais de 40 nações que forneceram tropas ao exército de Xerxes. A despeito de sua superioridade numérica as forças persas foram vencidas tanto na batalha naval de Salamina (480 a.C.), como na batalha terrestre de Plateia (479 a.C.). Como resultado destas vitórias a Grécia não mais seria invadida pelo exército Persa.

Porque mencionar quatro reis da Pérsia que sucederam a Ciro II, quando na realidade houve 9? Parece ser um princípio observado nas profecias de Daniel que logo que a potência dominante é vencida por outra, a atenção converge imediatamente para a nova potência, e a precedente é simplesmente esquecida. Este recurso didático mantém a atenção do leitor naquilo que é central na marcha dos acontecimentos.

Versos 3 e 4 – A informação fornecida por estes versos nos permite identificar o “rei poderoso” como Alexandre o Grande, cujo exército conquistou em tempo relâmpago o vasto território do império persa. A descrição nos lembra Dan. 8:7, onde é dito que o carneiro – a Medo-Pérsia – sofreu uma derrota ignominiosa diante do bode – Greco-Macedônica. Mas no auge do seu poder o reino de Alexandre foi quebrado, e dividido entre seus generais […]

Verso 5 – Das divisões do Império de Alexandre duas recebem uma atenção particular, o Reino do Sul e o Reino do Norte, e pela simples razão que primeiro um e depois o outro controlaram o território de Israel. Do ponto de vista da História da redenção acontecimentos políticos adquirem significado no momento em que têm relação com o povo de DEUS. Em vista do v.8 não há dúvida de que “o reino do Sul” é o Egito governado pelos Ptolomeus, ao passo que o do norte é a Síria governada pelos Selêucidas.

A história complicada da relação entre os dois reinos começa com o rei do sul, Ptolomeu I Soter (306-283 a.C.), firme no trono. Foi adversário principal Seleuco I Nicator (305-280), aqui chamado de “um de seus príncipes”. Esta maneira de designar Seleuco é apropriada, porque quando foi vencido por seu rival Antígono em 316 a.C., ele se colocou sob a proteção de ptolomeu. Posteriormente Seleuco assistiu a Ptolomeu na batalha de Gaza (312 a.C.), na qual Demétrio, filho de Antígono, foi vencido. No mesmo ano Seleuco recuperou o controle de Babilônia e gradualmente estendeu sua autoridade no Helesponto à fronteira da Índia. O ano de 312 a.C. marca o começo da era Selêucida usada para datar os acontecimentos em I e II Macabeus. O historiador grego Arriano chama Seleuco, “o maior dos reis que sucederam a Alexandre, a mentalidade mais real, e dominador do mais vasto território depois de Alexandre”.1

Verso 6 – A melhor interpretação deste é a que nele vê uma referência a acontecimentos que transcorreram 35 anos mais tarde, quando Antíoco II (261-246) desposou Berenice, a filha de Ptolomeu II, por razões de Estado. Antíoco ao mesmo tempo divorciou sua mulher e irmã, Laodice. Esta tentativa de cimentar as relações entre o Egito e a Síria não teve êxito. Laodice conseguiu fazer envenenar Berenice e seu filho, garantindo deste modo que seu próprio filho Seleuco II, subisse ao trono da Síria.

Verso 7 – “Um renovo da linhagem dela” parece referir a Ptolomeu III, irmão de Berenice, que quando sucedeu a seu pai em 246 a.C. invadiu a Síria para vingar o assassinato de sua irmã. É claro que o país que está sendo invadido é o do rei do norte. Ptolomeu III chefiou uma campanha vitoriosa através do território dos Selêucidas, levando seu exército até à Mesopotâmia.

Verso 8 “Levará como despojo para o Egito”. esta frase torna claro que o reino do Sul é o Egito. Como resultado de suas vitórias Ptolomeu III pode levar para casa um botim imenso. O Decreto de Canopo (239-238 a.C.) elogia Ptolomeu nos seguintes termos: “As imagens sagradas levadas do país pelos persas, o rei tendo feito uma campanha no estrangeiro, recuperou para o Egito”.2 Embora liderando forças superiores Ptolomeu III deixou de tirar plena vantagem de sua vitória sobre Seleuco II.

Verso 9 – Depois de reparar suas perdas, Seleuco II tentou invadir o território do Egito, mas foi derrotado e obrigado a voltar para a Síria de mãos vazias (c.240 a.C.).

Verso 10 – “Os seus filhos farão guerra”. A referência aqui deve ser aos filhos de Seleuco II, Seleuco III (226-223), que foi assassinado depois de um breve reinado, e Antíoco III o Grande (223-187). A grande ambição dos seleucidas era de anexar a Coele Síria e a Palestina que tinha estado sob o domínio dos Ptolomeus desde a divisão do Império de Alexandre. Com este objetivo em vista Antíoco III iniciou a guerra contra os interesses Egípcios na Ásia retomando Selêucida o porto de Antioquia em 219 a.C.

Verso 11 – Em desforra Ptolomeu IV mobilizou um grande exército para pelejar contra Antíoco III, “O Rei do Norte”. Antíoco por sua vez recrutou um exército de 62.000 infantes, 6.000 soldados de cavalaria e 102 elefantes.3 Tendo calculado mal a determinação de seu adversário, Antíoco foi derrotado na batalha de Ráfia (217 a.C.), na fronteira do Egito.

Verso 12 – A despeito de sua brilhante vitória e da multidão de prisioneiros que caiu em sua mão, Ptolomeu IV não tirou partido de sua superioridade militar. Entrementes Antíoco reparou suas perdas e durante vários anos combateu vitoriosamente até a fronteira da Índia. Ptolomeu IV morreu em 203 a.C. e foi sucedido por seu filho, Ptolomeu V (203-181), mera criança então.

Verso 13 – Antíoco III incansável preparou-se para uma segunda campanha para arrancar a Coele Síria e a Palestina do controle egípcio.

A segunda parte deste verso lê no texto hebraico: “e ao cabo de tempos anos virá à pressa, com grande exército…” Na sequência “tempos anos”, o segundo termo parece ser uma glosa que explica o enigmático “tempos”. Se a glosa for parte do texto original, forneceria uma chave valiosa para a compreensão de “tempos” em linguagem profética. Neste verso a indicação de tempo parece referir aos dezesseis anos transcorridos entre as batalhas de Ráfia (217 a.C.) e Gaza (201 a.C.).

Verso 14 – Este verso parece introduzir um pensamento parentético, o sentido exato do qual é difícil de discernir.

Verso 15 Os projetos de guerra de Antíoco III são aqui resumidos. Antíoco alcança uma importante vitória sobre as forças egípcias na batalha de Gaza (201 a.C.). Três anos depois o exército de Ptolomeu V comandado pelo general grego Scopas sofre fragorosa derrota às mãos de Antíoco em Paneon (198 a.C.), junto das cabeceiras da Jordão. Como resultado toda a Palestina passou para a mão dos selêucidas.

Verso 16 – O exército de Ptolomeu V totalmente desbaratado não está em condições de impedir que Antíoco ocupe a Coele Síria e a Palestina, aqui chamada “terra gloriosa”(ver Dan.8:9).

Verso 17 – Preocupado com projetos militares em outras partes, Antíoco oferece termos de paz ao Egito. Esta deve ser selada por um casamento político entre Cleópatra, filha de Antíoco, e Ptolomeu VI Philometor. Acontecimentos subsequentes provaram que esta aliança não lhe trouxe nenhuma vantagem.

Verso 18 – As ambições territoriais de Antíoco o levaram a ocupar a Trácia e partes da Grécia, irritando assim Roma que tinha ambições semelhantes. Derrotado pelas legiões romanas na Europa, Antíoco procurou deter o avanço de Roma na Ásia menor. Sofreu uma segunda derrota na batalha de Magnésia (190 a.C.), quando foi obrigado a evacuar toda a Ásia Menor e pagar uma idenização esmagadora. O comandante romano (Heb. gatsin) foi L. Cornelius Scipius, que fez Antíoco pagar caro por sua invasão da Europa.

Verso 19 – Para encher seu tesouro vazio Antíoco III empreende uma campanha de pilhagem nas províncias orientais de seu império, mas encontra uma morte ignominiosa ao sitiar uma cidade no Elão. Assim pereceu o mais aguerrido dos reis Selêucidas.

Verso 20 Antíoco foi sucedido por seu filho Seleuco IV. Sobrecarregado com a dívida pesada herdada de seu pai, enviou um “exator de tributo”, Heliodoro, à Judéia com o plano de pilhar o Templo. Um pouco mais tarde Heliodoro encabeçou uma conspiração na qual Seleuco IV foi assassinado.

A maior parte dos comentadores modernos, seguindo nos passos de Porfírio, vê no resto deste capítulo um retrato velado das atividades Antíoco IV Epifânio (175-163), na sua determinação de desarraigar a cultura e a religião dos judeus, as quais na sua opinião enfraqueciam a unidade do reino. Não há dúvida que esta confrontação foi a mais séria que a nação judaica encontrou desde o exílio em Babilônia. Em jogo estava a própria sobrevivência dos judeus como uma comunidade distinta encarregada de testemunhar da soberania universal de Jeová. Como o povo eleito tinha sido advertido por profetas como Jeremias e Ezequiel de calamidades vindouras, seria natural esperar uma “palavra do Senhor” concernente à ameaça representada por Antíoco Epifânio à vida e à fé da nação judaica. É nossa crença que uma tal palavra se encontra neste capítulo que tanto tem a dizer dos acontecimentos da época helenística.

De outro lado é nossa opinião que esta crise provocada por Antíoco Epifânio foi típica de outras crises enfrentadas pelo povo de DEUS em outras épocas, e que esta profecia foi deliberadamente expressa em termos tais que podia ser uma fonte de conforto aos fiéis em situações semelhantes. Os atores do drama são diferentes, mas os tramas feitos contra a Igreja têm muito em comum. A história não se repete em termos idênticos, mas pogroms e perseguições religiosas são membros da mesma classe apresentando traços comuns.

De modo que não é surpreendente que se uma geração pudesse ler na profecia do cap.11 uma descrição plausível da crise macabeana, outra podia ser impressionada com as alusões a acontecimentos que levaram à crucifixão de Cristo, e ainda outra poderia reconhecer neste esboço traços da crise final, que precede o estabelecimento do reino de DEUS. Não enfocando nenhuma destas crises com muita nitidez, esta profecia permite a cada geração achar aquilo que melhor serve a suas necessidades espirituais. Outrossim ficaríamos surpreendidos se Daniel ao descrever as guerras entre os ptolomeus e Selêucidas durante um século e meio não tivesse nada a dizer da crise que mais diretamente afetou a nação judaica.

De outro lado, se a intenção divina foi esboçar as crises principais na história da redenção, não se faz justiça à intenção do texto querer reduzi-lo à dimensão de um episódio transcorrido na Palestina no segundo século a.C. Visto que a partir do v.21 tratando com uma descrição polivalente das potências sucessivas que puseram em risco a sobrevivência do povo eleito, qualquer tentativa de uma interpretação univalente está fadada ao fracasso. O problema não é diferente do de interpretar a profecia de Marcos 13 (Mat. 24 e Luc.21), onde profecias referentes à iminente destruição de Jerusalém estão combinadas com predições relacionadas com a segunda Vinda de Cristo.

Ao passo que alguns traços da profecia se aplicam a ambos os eventos, outros pertencem mais especificamente a um ou a outro. Nestas circunstâncias o intérprete deve proceder com humildade e discernimento. Afirmações dogmáticas estão fora de lugar.

Afirmar como alguns intérpretes liberais que o autor presumível do livro de Daniel nada sabia de um futuro Império Romano é despropositado. Qualquer leigo com um conhecimento elementar da política mundial poderia saber em 165 a.C., a data atribuída ao livro de Daniel, que a potência que projetava sua sombra cada vez mais ameaçadora sobre toda a bacia do Mediterrâneo era Roma. Já em 190 a.C. Antíoco III tinha sentido o impacto do poderio romano na batalha de Magnésia. Os Ptolomeus em suas lutas com os selêucidas já se tinham colocado sob a proteção romana em 273 a.C. Rodes e Pérgamo estavam fazendo o mesmo. A batalha de Pidna em 168 a.C. soou o dobre de finado para o reino da Macedônia que os Antigônidas tinham extraído das ruínas do império de Alexandre. Naquele mesmo ano Antíoco Epifânio foi obrigado a retirar seu exército do Egito sob ameaça de represália militar romana. Mesmo Judas Macabeu firmou um tratado de amizade com Roma em 161, a fim de melhor poder enfrentar o inimigo Sírio. No prefácio a este tratado (I Macabeus 8:1-13) há uma longa descrição das proezas das armas romanas tanto no oeste como no oriente. Qualquer autor do segundo século antes da nossa era podia adivinhar que Roma retinha em suas mãos os azes do futuro. Somente o preconceito pode afirmar que Daniel nada podia saber de Roma, quer escrevesse no sexto século a.C. sob inspiração divina, ou como simples observador da arena política na época dos Macabeus.

Nesta série de instantâneos pode-se discernir Antíoco Epifânio no “homem vil” do v.21, o qual não estivesse na linha direta de sucessão obteve o trono por astúcia. Na política venal que prevalecia durante o reinado de Antíoco, o sumo-sacerdote em Jerusalém, Onias III, perdeu o posto para Menelao e foi assassinado algum tempo depois. Menelao por sua vez teve seu lanço coberto pelo de Jasão e foi expulso do sumo-sacerdócio (verso 22). A política tortuosa de Antíoco IV é descrita nos vv.23-27. Em sua luta com Ptolomeu VI do Egito, Antíoco não hesitou em usar força militar e diplomacia ambígua. Em sua campanha de 169 a.C. contra o Egito ele obtém algum êxito, mas os judeus recalcitrantes – a santa aliança – lhe são uma fonte de irritação (v.28).

Em sua segunda campanha contra o Egito (168 a.C.), o resultado não foi o que esperava. “Virão contra ele navios de Quitim” (v.30). Quitim era um termo geralmente empregado para designar as ilhas e os países costeiros ao oeste da Palestina. O termo é emprestado de Num.24:24, “Homens virão de Quitim em suas naus; afligirão e a Heber”.

Assur e Heber designam respectivamente a Síria (Assíria) e a nação hebraica. Heber foi um dos antepassados de Abraão (Gen.11:16). I Macabeus 1:1 e 8:5 aplicam o termo Quitim à Macedônia. Entre os manuscritos do Mar Morto o pesher de Habacuque e o Rolo da Guerra usam o termo Quitim, e F.F. Bruce vê nele uma referência à Roma.4 Com efeito foi o legado romano que obrigou Antíoco a retirar-se do Egito em 168 A.C. Frustrado em suas ambições Antíoco dirigiu sua fúria contra “a santa aliança”, claramente uma referência à religião judaica. A Antíoco lhe parecia que a única maneira de resistir ao avanço romano no futuro era unificando seu reino mais rigorosamente impondo a seus súditos uma só cultura e uma só religião.

Antíoco encarregou Apolônio de conquistar Jerusalém, suspender o culto religioso, e mesmo profanar o altar de sacrifícios colocando sobre ele “a abominação desoladora” (v.31; I Mac.1:41-54). Muitos judeus progressistas” aquiesceram com a ordem de renunciar a sua religião, mas outros preferiram resistir e sofrer por sua fé (vv.32-33). Os fiéis são chamados “entendidos”, mas o preço que pagaram por sua lealdade a Deus foi terrível. A cena pintada nos versos 34 e 35 é de sacrifício heroico de um lado e de hipocrisia e duplicidade de outro. O sofrimento é declarado não ser em vão porque contribuiria para purificar e embranquecer.

Mas o que é verdade da crise provocada pela megalomania de Antíoco Epifânio em seus dias, é também uma descrição apta dos ultrajes perpetrados por Roma pagã contra o povo judeu e sua religião na guerra que levou à destruição de Jerusalém e do Templo em 66- 70 A.D. Em Mat.24:15 temos nada menos do que uma aplicação desta profecia dos lábios de Cristo à crise que breve desabaria sobre a nação judaica.

O sentido pleno do v.31 não é esgotado pela explicação acima. Percebe-se nele um eco das palavras de Dan.8:11-13, e lá a remoção do contínuo, o tamid, pela ponta pequena foi vista significar o esquecimento em que o santuário celeste e a obra mediatória de Cristo caíram como resultado da apostasia da igreja medieval. Dan.8:14 torna igualmente claro que a plena recuperação da verdade concernente ao santuário celeste e o ministério de intercessão de Cristo não seria alcançada até 1844. Como cada crise na história da igreja assume um caráter mais espiritual, e as questões em jogo são cada vez maiores, segue-se que a “abominação desoladora” se torna para as gerações posteriores o símbolo de crenças e práticas religiosas espúrias em oposição ao cristianismo autêntico. Sua manifestação extrema seria uma teologia inteiramente secularizada, uma forma de cristianismo sem Cristo, que ganharia ampla aceitação no “tempo do fim”.

Os versos 36 a 39 parecem ampliar pontos já mencionados e particularmente a deificação própria de Antíoco, que então se torna o tipo de toda tentativa subsequente de auto deificação do estado ou da igreja em que desafiou ao único Deus verdadeiro. Os paralelos entre 11:36 e 7:25 são evidentes. De igual modo vem-nos à mente a descrição do “homem de iniquidade” de II Tess. 2:1-12. Assumindo títulos divinos e fazendo pose de deus, Antíoco Epifânio atingiu o auge da arrogância. O historiador Políbio assim comenta a auto deificação do tirano: “Antíoco, de sobriquete Epifânio, ganhou o nome de Epimanes (louco) por sua conduta”.5

Não somente feriu a sensibilidade religiosa dos judeus mas também a dos pagãos, por sua falta de respeito aos deuses da devoção popular, como, por exemplo, Tamuz-Adonis, aqui chamado “o que é amado pelas mulheres”, bem como aos deuses olímpicos honrados por seus pais. Se honrava a qualquer deus este era o da guerra, aqui designado “o deus das fortalezas” (v.38), ao qual os recursos do estado eram sacrificados sem consideração.

Intérpretes da diferentes escolas admitem que nem todos os pormenores deste esboço profético são apropriados para Antíoco. Mas se este esboço é visto como uma descrição polivalente das várias personificações do poder do mal, as incongruidades aparentes desvanecem. O v.39, por exemplo seria muito mais apto como descrição de Roma com sua política de estabelecer reis vassalos ao longo das fronteiras como estados-tampões contra os bárbaros de além. Seria também uma descrição apropriada do papado da Idade Média, o qual coroava reis e depunha reis, vendia cargos eclesiásticos, e até dividiu o globo entre os portugueses e os espanhóis pelo Tratado de Tordesilhas em 1492.

Se o propósito dos versos 40 a 45 era de descrever os últimos movimentos de Antíoco IV no campo da política levantina, então o autor errou o alvo de longe. Intérpretes liberais, com efeito, declaram que estes versos contém a única profecia genuína do livro, e que ela falhou completamente. Alguns imaginam poder precisar a data exata desta profecia, que em sua opinião teria sido depois de 165, mas antes de 163 A.C., o ano em que Antíoco morreu no Elão.

Mas aqueles que como o presente autor vêm neste capítulo a descrição de episódios paralelos, mas bastante separados no tempo, marcando crises sucessivas na grande controvérsia entre Cristo e o anticristo, não tem dificuldade de ver nestes versos uma profecia ainda não cumprida, mas que terá seu cumprimento “no tempo do fim” (v.40). Os vários atores neste drama, embora chamados pelos mesmos nomes, tais como “rei do Sul” e “rei do Norte”, representam poderes político-religiosos que atuam na última fase da história mundial. Estas potências têm suas ambições políticas, mas nenhuma delas é favorável ao povo de Deus.

De fato para os santos “haverá tempo de angústia, qual nunca houve” (121). Mas tentar definir estas potências com maior precisão seria uma forma de presunção, pois se trata de profecia não cumprida. O propósito principal de uma profecia não é necessariamente de permitir ao estudante prever o futuro, mas confirmar sua fé no momento que a profecia encontra cumprimento.

Esta opinião concorda com o dizer de Jesus a Seus discípulos: “Disse-vos agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós creiais” (João 14:29).

O esboço profético que nos dá Daniel é bastante claro no que toca à tendência geral do conflito político-religioso dos séculos, mas insuficiente para a identificação de cada pormenor histórico. Basta saber que quando a última personificação do anticristo sair “com grande furor para destruir e exterminar a muitos”, Deus intervirá para dar-lhe “fim e não haverá quem o socorra” (vv.44,45). 12:1 “Nesse tempo”. É evidente que os vv.1-4 do cap. 12 constituem uma continuação da profecia precedente, e que logicamente estes versos deviam ter sido ligados ao cap.11. A frase, “nesse tempo”, é sem dúvida uma referência à crise descrita em 11:40-45, a qual o v.40 associa com o “tempo do fim”. Embora esta expressão seja associada com diferente Kairoi em diferentes oráculos proféticos, no presente contexto, e precedendo a ressurreição dos mortos (v.2), só pode indicar o eschaton.

O “tempo de angústia” que precede o fim constituirá uma ameaça tão grande à sobrevivência da igreja, que Miguel em pessoa intervirá a seu favor. No comentário a Dan.10:11 argumentou-se que Miguel é outro nome de Cristo.6 Cristo parece referir-se mesma crise quando disse: “porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo não tem havido…” (Mat.24:12).

Justo antes do fim muitos professarão ser discípulos de Cristo, mas somente aquele cujo nome “for achado inscrito no livro” da vida será salvo. Esta afirmação nos lembra a cena descrita em Dan.7:10, “assentou-se o tribunal, e os livros foram abertos”. O julgamento que precede a segunda vinda é enfocado aqui, julgamento que determina que nomes permanecem no “livro da vida”, e que nomes serão apagados (Apoc.3:5). Assegura-se neste verso livramento para todos os santos que estiverem vivos por ocasião do segundo advento. Não serão isentos de tribulações, como ensinam os dispensacionalistas com sua doutrina do “rapto secreto”, mas serão livrados das tribulações quando Deus houver por bem intervir.

12: 2 – Alguns comentadores tomam este verso como uma referência a uma ressurreição parcial. Em sua opinião a ressurreição só é prometida aos “entendidos” que morreram com mártires na causa da verdade (11:33). Mas o fato é que o termo hebraico rabbim, “muitos”, frequentemente tem o sentido de “todos”, como em Deuteronômio 7:1. “muitos” e “todos” são praticamente sinônimos como o paralelismo entre Isaías 2:2 e 2:3 o mostra. Como não há no vocabulário hebraico um termo para “todos”, rabbim supre em muitos casos a falta, e pode ser traduzido por “todos”, “multidão”. Assim uma versão moderna da Bíblia traduz este verso do seguinte modo: “Multidões que dormem no pó da terra…”7 É bem provável que Daniel não tivesse ideia alguma de uma dupla ressurreição, como se afirma em João 5:28-29, e em Apocalipse 20, onde se distingue entre a “primeira ressurreição”, a dos “bem-aventurados” (versos 5,6) e outra que ocorre no final do milênio (v.13). A verdade da ressurreição não foi revelada em sua plenitude aos profetas do V.T. Mas raiou sobre eles gradualmente como “a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Prov.4:18). Com efeito este texto de Daniel é o mais claro de todo o Velho Testamento no tema da ressurreição, mas fica muito a dever à revelação ainda mais completa do N.T.

12: 3 – Este verso que fala da recompensa dos santos é escrito em linguagem poética. A segunda parte do verso corresponde à primeira , como é típico da poesia hebraica.

Assim, “os que forem sábios” da primeira parte corresponde a “os que a muitos conduzirem à justiça” da segunda. Pode-se dizer que a segunda expressão define e explica a primeira. O acento, então, não é sobre sabedoria intelectual, mas sobre serviço inspirado pelo amor para a salvação de nossos semelhantes. Falando da recompensa dos santos Cristo usou uma linguagem muito semelhante: “Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai” (Mat.13:43).

12:4 -Uma compreensão plena do livro não poderia ser alcançada “até ao tempo do fim”. O entendimento aumentaria pari passu com o desenrolar dos acontecimentos preditos no livro. Cada geração compreenderia aquela porção da profecia que lhe fosse particularmente relevante. “Muitos o esquadrinharão”. Com efeito o intercessor nestas profecias aumentou enormemente desde a grande Reforma do século XVI.

Nem todos as compreenderiam, diz o v.10. A promessa, porém, fica de pé: “Mas os sábios entenderão”. O termo “sábio” não deve ser interpretado como se referisse a uma sabedoria esotérica reservada para uma elite como no gnosticismo. Os “sábios” são todos aqueles cujas mentes estão sintonizadas com o Espírito de Deus, receptivos à luz divina. Eles possuem a sabedoria cujo fundamento é o temor do senhor. O “saber” ou “conhecimento” do qual fala nosso verso é certamente o conhecimento relativo ao significado destas profecias.  Conhecimento puramente secular é perlífero por comparação.

NOTAS

1. Anabasis de Alexandre, vii, 22.

2. J.P. Mahaffy, A History of Egypt under yhe Ptolemaic Dynasty (New York, 1899), p.113.

3. Políbio, Histories, v.79.

4. Citado em J.C. Baldwin, Daniel, p.194.

5. Livro 26, citado em J. C. Baldwin, Op.Cit., p.198.

6. Assim C.F. Keil, Book of Daniel, p. 475, que também crê que os acontecimentos aos quais se refere neste verso “se completarão mais plenamente na segunda vinda do Senhor”.

7. Ver J. Jeremias, TDNT, VI, pp. 536 ss.

Você pode ler os estudos dos capítulos do Livro de Daniel aqui

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