O Apocalipse de João: O Povo de Deus nas Cidades – Comentário Dr. Ranko Stefanovic: As duas testemunhas – Apocalipse 11:3-6

A cena se desloca do anjo para as duas testemunhas, que são um exemplo perfeito da amarga experiência cristã durante os 1.260 dias proféticos. João as descreve usando diversas personalidades do Antigo Testamento. Primeiro elas são caracterizadas como “as duas oliveiras e os dois candeeiros que se acham em pé diante do Senhor” (Apocalipse 11:4). Nesse verso, João aponta para a visão de Zacarias do candelabro e das duas oliveiras (Zacarias 4:2, 3). Foi dito a Zacarias que as duas oliveiras representavam “os dois ungidos” em pé junto ao Senhor da Terra (Zacarias 4:14), isto é, Josué, o sumo sacerdote, e Zorobabel, o governador da Judeia. Assemelhando-se aos papéis de Josué e Zorobabel, as duas testemunhas são retratadas em termos sacerdotais e reais.

Em seguida, João retrata as duas testemunhas como Elias e Moisés (Apocalipse 11:5, 6). Elias fechou o céu para que não chovesse por três anos e meio (equivalentes a 1.260 dias; cf. 1 Reis 17; Lucas 4:25) e fez cair fogo do céu sobre os soldados que foram prendê-lo (2 Reis 1:9-14). De maneira semelhante, as duas testemunhas mandam fogo de suas bocas sobre os inimigos e fecham os céus para que não chova durante 1.260 dias (ou três anos e meio). Assim como Moisés transformou água em sangue e feriu a terra do Egito com toda sorte de pragas (Êxodo 7-11), as duas testemunhas também têm autoridade para transformar água em sangue e ferir a terra com pragas.

Quem são essas duas testemunhas? Estudiosos apontam para dois aspectos: (1) a Palavra de Deus – o Antigo e o Novo Testamentos; 3 e, mais recentemente, (2) o povo de Deus, que testemunha da veracidade da Bíblia e do evangelho para o mundo. Apocalipse 11:8, possivelmente, mostre que as duas testemunhas são uma entidade única, em lugar de duas (o grego diz o cadáver delas”). Talvez seja também apropriado ver as duas testemunhas como o povo do Senhor em seu papel real e sacerdotal, pregando a Bíblia como a Palavra de Deus (cf. Apocalipse 1:6; 5:10). É por causa de sua fidelidade à Bíblia que o povo do Senhor sofreu ao longo da ldade Média, durante o período profético dos 1.260 dias ou 42 meses (Apocalipse 6:9; 12:6, 13, 14).

Ao tratar das duas testemunhas, EIlen G. White as identifica como o Antigo e o Novo Testamentos, mas, na descrição desse símbolo, inclui também o povo de Deus, que foi tão perseguido quanto o texto sagrado:

‘As duas testemunhas representam as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Ambos são importantes testemunhas quanto à origem e perpetuidade da lei de Deus. Ambos são também testemunhas do plano da salvação. [. . .] Quando a Bíblia foi proscrita pela autoridade religiosa e secular; quando seu testemunho foi pervertido, fazendo homens e demônios todos os esforços para descobrir como desviar da mesma o espírito do povo; quando os que ousavam proclamar suas sagradas verdades eram perseguidos, traídos, torturados, sepultados nas celas das masmorras, martirizados por sua fé, ou obrigados a fugir para a fortaleza das montanhas e para as covas e cavernas da Terra – então profetizavam as fiéis testemunhas vestidas de saco. Contudo, continuaram com seu testemunho por todo o período de 1.260 anos. Nos mais obscuros tempos houve fiéis que amavam a Palavra de Deus e eram ciosos de Sua honra. A esses fiéis servos foram dados sabedoria, autoridade e poder para anunciar Sua verdade durante aquele tempo todo.’4

A morte das duas testemunhas (11:7-10)

Depois que as duas testemunhas terminaram sua obra ao longo dos 1.260 dias, “a besta [símbolo de poder político (Apocalipse 13; 17:3-8)] que surge do abismo pelejará contra elas, e as vencerá, e matará” (Apocalipse 11:7). Uma vez que o abismo é a morada de Satanás (Lucas 8:31; 2Pe 2:4), essa besta é controlada e apoiada por ele, de maneira específica, por meio do poder político dominante ao fim dos 1.260 dias. Os adventistas do sétimo dia identificam a morte das duas testemunhas com o ataque ateísta ao Antigo e Novo Testamentos e a abolição da religião durante a Revolução Francesa. Esses dois eventos ocorreram na conclusão do período de 1.260 dias.

As duas testemunhas são mortas e publicamente expostas “na praça da grande cidade” (Apocalipse 11:8). No Apocalipse, a “grande cidade” costuma se referir à Babilônia do tempo do fim, um poder contrário ao povo de Deus no conflito final.

Em Apocalipse 11, a grande cidade é um território governado pela besta que vem do abismo ao fim dos 1.260 dias proféticos. Esse território tem as características espirituais das grandes cidades bíblicas que se opunham a Deus. Possui a maldade e a degradação moral de Sodoma (Gênesis 19:4-11), a arrogância ateísta do Egito (Êxodo 5:2) e a rebelião de Jerusalém, “onde também o seu Senhor foi crucificado” (Apocalipse 11:8). De igual maneira, essa grande cidade simbólica mata o povo de Deus e a Bíblia.

O cadáver das testemunhas fica exposto, sem enterro por três dias e meio, espelhando o período que Jesus passou no túmulo. A morte delas provoca grande alegria entre “os que habitam sobre a terra” (Apocalipse 11:10).

A Palavra de Deus sempre incomoda a consciência de quem a ouve, mas não está disposto a se entregar.

A ressurreição das duas testemunhas (11:11-14)

Três dias e meio depois, Deus sopra vida nas duas testemunhas e as ressuscita. Ele também faz com que elas fiquem em pé. Essa cena lembra a visão de Ezequiel do vale de ossos secos (Ezequiel 37:1-10), uma profecia referente à restauração de lsrael após o exílio babilônico. Israel era visto por seus inimigos como uma nação derrotada e morta. Nessa visão, porém, o Senhor ordena que Ezequiel profetize a fim de que o fôlego entre nos ossos secos. Então o fôlego de vida entra nos cadáveres, fazendo com que eles voltem à vida e se coloquem em pé.

Historicamente, uma das consequências da Revolução Francesa foi o grande reavivamento do interesse pela Bíblia, manifesto, em particular, por meio da criação das grandes sociedades bíblicas e das diversas sociedades missionárias. Elas foram fundadas para espalhar o evangelho, cumprindo a profecia das duas testemunhas que voltam a viver. Como nunca antes, o cenário ficou pronto para a pregação do evangelho por toda a parte.

A ascensão das testemunhas ressuscitadas é acompanhada por um grande terremoto que assola um décimo da grande cidade e mata 7 mil pessoas. Na Bíblia, a décima parte simboliza a menor porção de um todo;5 já as 7 mil pessoas mortas representam a totalidade dos incrédulos endurecidos.6

O restante das pessoas se enche de temor e dá glória ao Senhor. Isso traz à lembrança a conversão do rei Nabucodonosor, que glorificou a Deus após experimentar o juízo divino (Daniel 4:34-37). A palavra “aterrorizadas” e a expressão “deram glória ao Deus do céu” parecem uma resposta ao apelo do primeiro anjo de Apocalipse 14:7: “Temei a Deus e dai-Lhe glória”. Isso sugere que, como resultado da vindicação e exaltação das duas testemunhas, bem como do terremoto que abalou a grande cidade, alguns aceitaram o evangelho e depositaram sua fé em Cristo.

A mensagem das duas testemunhas nos mostra que, assim como no passado, Deus tem um povo fiel que dá testemunho do evangelho ao mundo atual. Ele o usa assim como usou Moisés durante o êxodo, Elias durante a apostasia de lsrael, bem como Josué e Zorobabel durante o período pós-exílio.

Referências

3 Francis D. Nichol (ed.), Comentário  Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Vol. 4 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 7, p. 887.

4 El]en G. White, 0 Grcz#c7c Co#/z.fo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 267.

5 Jacques B. DoukharL, Segredos de Daniel: Sabedoria e sonhos de um príncipe no Exílio (Tatuí, SP Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 23, nota 7.

6 G. K. BeTàLe, The Book of Revelation, New lntematlonal Greek Tlestament Commentary (Gramd Rapíds, MI: Eerdmans,1999), p. 603.

Você pode ver mais sobre o capítulo 11 aqui

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