Lendo Ellen G. White: Reconheça a Diferença Entre o Ideal e o Real- Capítulo 14

Este artigo foi traduzido para o português, a partir do francês Lire Ellen White, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997

Ellen White constantemente entristeceu-secom os que selecionam de seus escritos “as expressões mais fortes dos testemunhos e sem fazer uma exposição ou um relato das circunstâncias   em que são dados os avisos e advertências, querem impô-los em todos os casos. […] Escolhendo algumas coisas nos testemunhos, impõem-nas a todos, e, em vez de ganhar almas, repelem-nas.” (Mensagens Escolhidas 3, 285-286)

Essas observações ressaltam não somente o fato que nós precisamos, em nossa leitura, tomar em consideração o contexto histórico das declarações de Ellen White, mas também que elas são expressas algumas vezes de uma maneira mais forte que outras. Esta ideia nos leva a examinar o conceito do ideal e da realidade em seus escritos.

Quando Ellen White fala do ideal, ela emprega sempre sua linguagem mais forte. É como se ela sentisse a necessidade de falar em alta voz para ser compreendida. Tal declaração é lida no Fundamentos da Educação Cristã.Jamais poderá ser dada a devida educação aos jovens deste país, ou de qualquer outro, a menos que estejam separados a uma vasta distância das cidades.” (Fundamentos da Educação Cristã, 312) Esta é uma das suas declarações mais radicais. Ela não é somente intransigente, mas tem, além disso, uma característica universal, no tempo e no espaço. Não existe palavra mais forte que “Jamais”. Em seu sentido mais estrito, ela não autoriza nenhuma exceção. Ellen White emprega o mesmo tipo de linguagem, absoluta e definitiva em termos de implantação: “deste país, ou de qualquer outro”.

Uma vez mais, uma leitura fiel dos termos não permite nenhuma exceção. É uma proibição universal concernente a construção de nossas escolas em cidades. Mas a declaração é mais forte ainda: as escolas não devem estar somente fora das cidades, mas “a uma vasta distância”.

Está ai uma linguagem inflexível, que não autoriza nenhuma exceção. No ponto em que estamos, é então importante examinar o contexto. Segundo as referências dadas no livro, este conselho foi publicado pela primeira vez em 1894 (ver Fundamentos da Educação Cristã, 327). A introdução do artigo, na página 310, indica que ela falava da escolha do lugar onde deveria ser implantada a escola bíblica australiana, chamada mais tarde de Escola de Avondale ou Avondale College.

Antes do desenvolvimento da escola de Avondale, os colégios adventistas deixavam muito a desejar. A primeira escola adventista oficial foi aberta em Battle Creek, no Michigan, no início dos anos 1870. Battle Creek College oferecia um programa clássico que dava pouco lugar ao estudo da Bíblia, e menos ainda a formação prática para o mundo do trabalho. Além disso, ele compreendia menos de quatro hectares na cidade de Battle Creek. Outras escolas adventistas importantes foram abertas na América do Norte ao longo dos anos 1880, seguindo amplamente o modelo de Battle Creek.

Ellen White ficou muito feliz com o nascimento dessa nova escola. Em vários contextos, ela fará mais tarde referência à Avondale como sendo uma “parábola”, “uma escola exemplar”, uma “escola modelo”, uma “referência” (Life Sketches of Ellen G. White 374; Lettre of Ellen White 88,1900;  Manuscrit 186,1898; Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes 349). Em 1900, ela declarou de maneira categórica “a escola de Avondale deveria servir de referência para as outras escolas que seriam estabelecidas entre nós” (Manuscrit 92, 1900)

Avondale tornou-se, na verdade, uma escola modelo para os outros estabelecimentos adventistas através do mundo. Battle Creek vendeu alguns de seus hectares e recomeçou sob o nome de Emmanuel Missionary College (Agora Andrews University) em Berrien Springs, no Michigan, e Healsburg College, na California, mudou-se da cidade para o topo de Howel Mountain, onde se tornou o Pacific Union College. Todas duas se encontram distantes, “a uma grande distância” de toda cidade. Além dessas escolas, as novas instituições escolares seguiram também de forma geral o modelo de Avondale sobre grandes espaços em locais rurais.

Mas teve exceções. Por exemplo, em 1990, a obra adventista desenvolveu-se em grandes aglomerações. E, nestas cidades, viviam famílias que não estavam em condição de enviar seus filhos para as instituições rurais. Ellen White aconselhou então de construir escolas em cidades. “Sempre que possível,” leiamos “[…] as escolas deveriam ser estabelecidas fora das cidades. Mas nas cidades, havia muitas crianças que não poderiam freqüentar estabelecimentos afastados. Para seu benefício, instituições deveriam ser abertas nas cidades tanto quanto no meio rural.” (Testemunhos Paraa Igreja 9, 201)

No ponto em que estamos você pode me perguntar como uma mesma pessoa pode pretender, na Austrália, que uma boa educação não pode “jamais” ser dada em qualquer que seja o país, “a menos que estejam (as escolas) separados a uma vasta distância das cidades” (Fundamentos da Educação Cristã, 312) e, entretanto agora encorajar o estabelecimento de escolas nas cidades.

A resposta é que a educação rural para as crianças constitui um “ideal” que a Igreja persegue “sempre que possível”. Mas a verdade, é que as duras realidades da vida tornam esta educação impossível para alguns. A realidade impõe um compromisso para que a educação cristã possa atender às crianças das famílias pobres. Ellen White compreendeu e aceitou a tensão entre o ideal e o real.

Infelizmente, muitos de seus leitores têm errado ao não levar este fator em consideração.  Eles colocaram a ênfase sobre as declarações mais “absolutas” da Sra. White, estas que exprimem o ideal, e têm ignorado as passagens moduladas. Resultado, como notamos acima, eles “impõem-nas a todos, e, em vez de ganhar almas, repelem-nas.” (Mensagens Escolhidas 3, 286).

Ellen White era mais equilibrada que muito de seus chamados discípulos. Um verdadeiro discípulo, aplicando os conselhos, deve levar em consideração a compreensão que ele tinha da tensão entre o ideal e o real.

Aqui está mais um exemplo da flexibilidade dos escritos de Ellen White. Ela trata da fundação do novo colégio de formação em Washington (atualmente Columbia Union College) no início do século 20. A escola e o sanatório que lhe estavam associados compartilhavam vinte hectares na periferia da capital. Cada instituição ocupava em torno de dez hectares. Não somente a escola era construída sobre um pequeno terreno, como ela não era “muito longe” da cidade. Assim, ela seguia dificilmente o modelo de Avondale.

No entanto, Ellen White disse aos adventistas que “a aquisição desta propriedade era de fato uma providência divina”. Alguns dias mais tarde, ela escreveu: “O lugar que foi escolhido para nossa escola e para nosso sanatório é o que há de melhor. A propriedade está conforme a representação que me foi dada pelo Senhor. […] Existe bastante lugar para uma escola e um sanatório, sem que uma atrapalhe a outra.” (Life Sketches of Ellen G. White 397)

Poderíamos nos perguntar “Como pode ser isto?” Isto parece uma contradição de princípio. Antes de nos precipitarmos, entretanto, deveríamos ressaltar que ela declarou que a propriedade estava “bem adaptada à meta a qual ela estava destinada” (idem). Aqui está a palavra chave a sublinhar. A escola de Washington, nesta época, tinha uma missão diferente da de Avondale, assim como de muitas outras instituições escolares adventistas. É por isto que ela dispunha de condições diferentes para sua localização.

Ellen White era muito livre na aplicação de seus conselhos. Em outra situação, ela escreveu: “Um erro triste seria deixar de considerar de maneira completa o propósito para o qual cada uma de nossas escolas é estabelecida.” (Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes 203-204) Ela estava longe de ser rígida. Assim, apesar de sua grande estima por Avondale, ela pode declarar em 1901 que “O Senhor não designou algum plano especial e exato na educação.” (Mensagens Escolhidas 3, 227).

Em 1907, ela escreveu ainda a propósito da escola de Madison, que fazia o seu melhor para seguir o “modelo” de Avondale sob a conduta dos mais zelosos reformadores adventistas da educação: “Não se pode apresentar modelo exato para o estabelecimento de escolas em novos campos. O clima, o ambiente, as condições do país e os meios de que se dispõe para o trabalho, tudo deve influir na modelação da obra.” (Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes 531)

Em conclusão, devemos repetir que Ellen White era mais livre na interpretação de seus escritos do que muitos podem imaginar. Ela era não somente sensível aos fatores contextuais, para a aplicação de suas recomendações em diferentes situações, mas ela tinha também uma compreensão particular da diferença entre o plano ideal de Deus e a realidade da situação humana, que necessita às vezes de modificações. É importante, por esta razão, que não funcionemos simplesmente sobre a base de sua afirmação mais forte procurando impô-las a todos. (Mensagens Escolhidas 3, 285-286)

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