As Duas Alianças: Gálatas 4:21-31 por Matheus Cardoso

Muitos cristãos acreditam que Deus teve dois métodos de Se relacionar com Seu povo: na antiga aliança, entre a época de Moisés e a de Cristo, as pessoas eram salvas pela obediência à lei; na nova aliança, desde a morte de Cristo, somos salvos pela graça e não mais precisamos obedecer à lei. Neste estudo de Gálatas 4:21-31, temos a oportunidade de aprender o que a Bíblia realmente ensina sobre a antiga e a nova aliança.

O que são as duas alianças?

O teólogo William Johnsson explica de maneira bastante clara: “As duas alianças são duas fases na realização dos propósitos de Deus. A primeira fase está associada ao santuário do Antigo Testamento, com seu sacerdócio humano e seus sacrifícios de animais. Apesar de todo o ritual, da conformidade com os regulamentos divinos e da morte dos animais, essa aliança era incapaz de oferecer uma resposta permanente para o problema do pecado. Mas Deus prometeu uma nova aliança, na qual um Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, nosso Senhor, ministra no santuário celestial, onde oferece Seu próprio sangue como sacrifício.”[1]

Muitos cristãos imaginam que a antiga e a nova aliança são opostas entre si; a primeira é baseada na lei e a segunda, na graça. O estudioso Michael Hasel apresenta a relação entre as duas alianças: “Em realidade, existe apenas uma aliança entre Deus e o ser humano – a aliança eterna [veja Hebreus 13:20], a aliança da graça. Deus sempre teve apenas um modo de salvar a humanidade: pela graça.” Existem muitos aspectos em comum entre a antiga e a nova aliança, como, por exemplo: o mesmo Deus, os mesmos participantes (Seu povo) e a mesma lei.

O autor continua: “Que diferença existe, então, entre a antiga e a nova aliança?”

Em primeiro lugar, “o que é completamente novo na nova aliança é a confirmação e ratificação da aliança por meio do sangue de Cristo. A promessa da aliança permaneceu sem ser cumprida até a vinda de Cristo”. Em segundo lugar, “os gentios que antes não criam, e que agora aceitam o evangelho, são enxertados no Israel da fé, uma comunidade aberta a todos os que creem, independentemente de sua origem étnica (Romanos 11:13-24; Efésios 2:12-19). […] A antiga aliança, feita com o Israel étnico, é universalizada, no Novo Testamento, para toda a raça humana”.[2]

A antiga aliança não era essencialmente diferente da nova (ou eterna) aliança, mas apenas uma representação didática e ilustrativa da nova aliança. “A aliança no Sinai foi destinada a apontar a pecaminosidade da humanidade [e principalmente dos israelitas] e o remédio da graça abundante de Deus, simbolizada nas cerimônias do santuário.” Os Dez Mandamentos, escritos em tábuas de pedra, chamavam o povo à realidade de seu pecado (2Coríntios 3:7, 9). Por outro lado, o santuário ensinava ao pecador a única forma de resolver esse problema: a morte de um Substituto (Jesus Cristo).

Na nova (ou eterna) aliança, “a lei moral, o Decálogo, não mais permanece em duas tábuas de pedra, como algo separado do ser humano. Em vez disso, aqueles que são ‘justificados pela fé’ em Cristo (Gálatas 3:24) se tornam novas criaturas em Cristo Jesus (2Coríntios 5:17), com a lei de Deus escrita em sua mente e coração (Hebreus 8:10). E, assim, o ‘preceito da lei’ é cumprido neles (Romanos 8:4)”.[3] O santuário terrestre desaparece, visto que cumpre sua função, e tem início o ministério de Cristo no santuário celestial (veja Hebreus 8:1-2), fundamentado em Seu perfeito e completo sacrifício realizado na cruz.

Escravidão, liberdade e as alianças

Algumas pessoas consideram Gálatas 4:21-31 como o texto mais difícil da carta.

Mas, em realidade, ele pode ser facilmente compreendido, se não nos esquecermos do restante da carta.

Vimos acima que, ao contrário do que é dito por muitos cristãos, não há nenhuma oposição nem conflito entre as duas alianças. Em Gálatas 4:21-31, Paulo não disse que a aliança do Sinai (a antiga aliança) era baseada nas obras e, por isso, produzia a escravidão. Deus nunca teve outro método de salvação. Pessoas que tentam se salvar por suas próprias obras são como a mulher escrava de Gálatas 4:22-24. Aqueles que não aceitam a justificação oferecida por Cristo permanecem escravos do pecado, condenados pela lei de Deus.

O problema foi a reação de muitos judeus. Eles se esqueceram da realidade espiritual para a qual o sistema do Sinai apontava e se apegaram a ele como um fim em si mesmo. Trataram os símbolos como um fim em si mesmos, e se apegaram a práticas cerimoniais e conformidade exterior com a lei, como se isso pudesse salvá-los (Romanos 9:31, 32; 10:1-4; Hebreus 4:2). Negando a eficácia do sacrifício de Cristo (Gálatas 2:21), os gálatas, como muitos judeus, retornavam ao estado de condenação em que viviam antes (Gálatas 3:13). Como poderiam desejar viver como se Cristo ainda não tivesse vindo trazendo o livramento do pecado?

Tim Keller explica que “a questão básica dos falsos mestres era: Sim, é bom que vocês creiam em Cristo, mas terão de obedecer à lei inteira para que possam ser considerados filhos de Abraão. A ideia básica defendida por Paulo é: No momento em que creram em Cristo, vocês foram filhos de Abraão, herdeiros de todas as promessas de Deus! E no momento em que começam a se considerar obrigados a obedecer à lei inteira, não são filhos de Abraão de jeito nenhum!”[4]

A lei traz escravidão?

Um dos textos à primeira vista mais enigmáticos de Gálatas é o seguinte: “Uma aliança procede do monte Sinai e gera filhos para a escravidão: esta é Hagar. Hagar representa o monte Sinai, na Arábia, e corresponde à atual cidade de Jerusalém, que está escravizada com os seus filhos” (Gálatas 4:24-25, NVI). Em que sentido a aliança do Sinai trazia escravidão?

Esse texto é bastante parecido com outro também escrito por Paulo: “O ministério que trouxe a morte foi gravado com letras em pedras” (2Coríntios 3:7). As “letras em pedras” se referem explicitamente aos Dez Mandamentos. Em seguida, o apóstolo acrescenta que esse “ministério […] trouxe condenação” (verso 9). Muitos cristãos usam esse texto para argumentar que os Dez Mandamentos não mais precisam ser guardados.

Mas, como veremos, ele afirma exatamente o oposto.

O estudioso W. Larry Richards explica: “Se Paulo tinha a lei em tão elevada estima [Romanos 7:12, 14], como o ministério associado a ‘letras em pedras’ (os Dez Mandamentos) poderia ser um ministério que traz morte? (2Coríntios 3:7). A resposta é bastante simples:

 De acordo com Paulo, todos pecaram, ou seja, transgrediram a lei

(Romanos 3:23).

 O salário que deve ser pago aos transgressores da lei é a morte

(Romanos 6:23; 7:9-11; Gálatas 3:10).

 É por isso que a lei, mesmo sendo boa (“lei do Espírito”), traz morte (“lei da morte”). […]

 [Portanto, todo aquele que busca salvação na lei, como era o caso

dos gálatas, só encontra condenação e morte (Gálatas 3:10).]

“Lembre-se das palavras de Paulo aos membros das igrejas da Galácia: É a lei que nos leva a Cristo (Gálatas 3:24), que então nos salva. Portanto, a lei nos guia ao Salvador, mas em si mesma não pode nos salvar.”[5]

Mais uma vez Paulo exalta a obediência à lei, e não o desprezo a ela. Como em vários textos de Gálatas, o apóstolo se refere à função condenatória da lei. Obediência à lei nunca trouxe e nunca trará condenação ou morte. Desobediência, sim. É isso o que produz “morte” (2Coríntios 3:7) e “condenação” (v. 9). Como o texto poderia ser mais claro?

A escritora Ellen G. White expressa bem: “A lei de Deus, proclamada em terrível majestade do Sinai, é a declaração de condenação ao pecador. A função da lei é condenar, mas não há nela nenhum poder para perdoar ou redimir. […] Ela traz […] escravidão e morte aos que permanecem debaixo de sua condenação.”[6] Note que essa citação usa as mesmas palavras de Paulo: condenação, escravidão e morte. Isso é tudo o que a lei de Deus oferece aos que ainda não foram justificados pela fé em Cristo.

Como é diferente a experiência daqueles que foram salvos pela graça! Para esses, a função da lei é descrita nas seguintes palavras: “A lei dos Dez Mandamentos não deve ser considerada tanto do lado proibitivo, como do lado da misericórdia. Suas proibições são a segura garantia de felicidade na obediência. Recebida em Cristo, ela opera em nós a purificação do caráter, o que nos trará alegria através dos séculos da eternidade. Para os obedientes, ela é um muro de proteção.” [7]

Como veremos em mais detalhes no próximo estudo, um dos objetivos da nova aliança é exatamente restaurar o ser humano à harmonia com a lei de Deus (Romanos 8:4). A grande promessa da nova aliança é que Deus escreve Sua lei em nosso coração (Hebreus 8:10). Por isso, podemos dizer com o salmista: “Tenho grande alegria em fazer a Tua vontade, ó meu Deus; a Tua lei está no fundo do meu coração” (Salmo 40:8); “Como eu amo a Tua lei! Medito nela o dia inteiro” (Salmo 119:97). Esse era o mesmo pensamento de Paulo: “No íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus” (Romanos 7:22).

Quatro tipos de pessoas

Ao comentar Gálatas 4:21-31, Tim Keller observa que, no mundo, existe basicamente quatro tipos de pessoas:

1. As que cumprem a lei e dela dependem. Essas pessoas estão debaixo da lei [isto é, depender da lei para se apresentar diante de Deus, como o autor define na página 122] e costumam ser presunçosas, moralistas e superiores. Por fora, têm grande certeza de que se acertaram com Deus, mas, no fundo, experimentam grande insegurança, uma vez que ninguém pode ter plena certeza de viver à altura do padrão exigido. Isso as deixa melindrosas, sensíveis à crítica e arrasadas quando suas orações não são respondidas. Nesse tipo se incluem membros de outras religiões, mas estou pensando basicamente nas pessoas que vão à igreja. Elas têm muito em comum com os fariseus da época de Jesus.

2. As que desobedecem à lei e dela dependem. São as pessoas dotadas de uma consciência religiosa de forte justificação pelas obras, mas que não vivem de maneira coerente com isso. Por conseguinte, são mais humildes e tolerantes com os outros do que os “fariseus” anteriores, embora também sejam sempre assoladas pela culpa, sujeitas a oscilações de humor e às vezes bastante receosas de assuntos religiosos.

Algumas podem ir à igreja, mas permanecem sempre na periferia devido a sua baixa autoestima.

3. As que desobedecem à lei e dela não dependem. São as que descartaram o conceito de lei de Deus. São intelectualmente seculares ou relativistas, ou têm uma espiritualidade muito vaga. Escolhem a maior parte dos próprios padrões morais e depois insistem em afirmar que os cumprem. Mas Paulo, em Romanos 1.18-20, diz que, no nível do subconsciente, elas sabem que existe um Deus a quem deveriam obedecer.

Tais pessoas costumam ser mais felizes e tolerantes do que as de qualquer um dos grupos anteriores. No entanto, entre elas há sempre um forte sentimento de justiça própria liberal. Fazem por merecer a própria salvação sentindo-se superiores aos outros. Esse é só um tipo menos óbvio de justiça própria.

4. As que obedecem à lei e dela não dependem. Há cristãos que compreendem o evangelho e vivem da liberdade que ele proporciona. Obedecem à lei de Deus pela grata alegria resultante do conhecimento de sua condição de filhos e da liberdade do medo e do egoísmo que os falsos ídolos haviam gerado. São mais tolerantes do que as pessoas do tipo 3, mais solidários do que as do tipo 1 e mais confiantes que as do tipo 2.

Todavia, a maioria dos cristãos lutam para ser praticantes do tipo 4 e tendem a ver o mundo como alguém dos tipos 1, 2 ou mesmo 3. Na proporção em que fazem isso, são espiritualmente pobres.[8]

Perguntas para reflexão e aplicação

1. Você precisa crer no impossível? Como manter a fé, não importando o que aconteça?

2. De que forma sua falta de fé nas promessas de Deus tem lhe causado sofrimento? Como você pode aprender com esses erros e confiar na Palavra de Deus, não importando o que aconteça? Que escolhas podem ajudar você a fortalecer sua capacidade de confiar nas promessas de Deus?

3. Você já fez promessas ao Senhor de que não faria isso ou aquilo, e acabou fazendo? Como esse triste fato o ajuda a entender o significado da graça?

4. Olhe para o seu passado e analise sua vida espiritual em termos das quatro categorias mencionadas por Tim Keller.

5. Abraão resolveu depender só de si mesmo para converter as promessas de Deus em realidade. Você já fez algo semelhante? Quais foram os resultados?

6. Quando você viu Deus fazer o que parecia impossível em sua própria vida ou na vida de pessoas a sua volta?[9]

Referências

1. William G. Johnsson, Hebrews, The Abundant Life Bible Amplifier (Boise, ID: Pacific Press, 1994), p. 154-155.

2. Michael G. Hasel, em Interpreting Scripture: Bible Questions and Answers, ed. Gerhard Pfandl (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2010), p. 228-231.

3. Francis D. Nichol, ed., Seventh-day Adventist Bible Commentary

(Washington, DC: Review and Herald, 1957), v. 6, p. 962.

4. Timothy Keller, Gálatas Para Você, Série A Palavra de Deus para Você (São Paulo: Vida Nova, 2015), p. 124-125 (grifos no original).

5. W. Larry Richards, 2 Corinthians, The Abundant Life Bible Amplifier

(Nampa, ID: Pacific Press, 1998), p. 87.

6. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 236, 237 (ênfase

acrescentada).

7. Ibid., p. 235.

8. Keller, Gálatas Para Você, p. 123-124.

9. As perguntas 4 a 6 foram adaptadas de Keller, Gálatas Para Você, p. 127.

Você pode estudar o Livro de Gálatas aqui

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